sábado, 8 de dezembro de 2018

KNS128.01 Expulsos de São FRancisco

Ron Delaney contou as notas de Banco, com um ar impassível, como se se tratasse de um assunto corrente.
Não era assim na realidade. Acabava de trespassar o seu «saloon», onde pusera todas as suas ambições, julgando ter encontrado ali o pedestal da sua fortuna. Mas isso não acontecera e resignava-se com o seu fracasso. Mercê da sua honradez, só granjeara poderosos inimigos.
Apesar de ser um aventureiro nato, que não hesitava em empreender qualquer empresa, sem olhar aos perigos que dela pudessem advir, nunca foi capaz de cometer a mais pequena injustiça.
 Quando jogava, os parceiros contrários podiam ter a certeza de que não faria batota, embora na parada estivesse a sua fortuna. Mas o seu olhar de águia advertia rapidamente qualquer irregularidade ou falsidade no jogo e o seu autor podia considerar-se em perigo de morte.
A rapidez de Ron Delaney era proverbial em S. Francisco.
Babe Custer olhava com admiração as feições nobres do seu amigo. Não lhe era possível conter a indignação de que estava possuído. O seu semblante de expressão ameninada demonstrava, com bastante evidência, o seu estado de espírito ; os seus olhos azuis moviam-se iracundos; as suas pálpebras agitavam-se continuamente, e os seus lábios apertava-os com toda a força. A sua corpulenta humanidade não podia permanecer quieta.


Ron acabou de contar o dinheiro e com negligente gesto guardou-o no bolso, pegou na caneta e estampou a assinatura no final do documento.
— Pronto, senhor Rusell. Tudo isto lhe pertence.
— Lamento a sua pouca sorte — disse o seu elegante interlocutor, com sincero acento.
— Não se preocupe, senhor Rusell. Desejo-lhe boa sorte...
Ron apertou-lhe a mão e saiu daquele estabelecimento, onde concentrara as suas maiores esperanças. Henry Rusell, o abastado financeiro, seguiu com a vista a esbelta figura do jovem, abanou a cabeça com tristeza e, dirigindo-se ao seu secretário, comentou :
— Que pena de rapaz !
— Que vamos fazer? — perguntou Custer, ao chegar à rua.
— Não sei ! — respondeu Ron, sorrindo. —Iremos para outro país. A mudança de ares far-nos-á bem. Não te parece, Babe ?
— Está bem tudo o que quiseres... A
pesar destas palavras, o jovem julgou notar
uma clara censura no tom com que ele as proferiu. Pôs-lhe a mão no ombro e fitou-o:
— Não estás contente, Babe.
— Naturalmente que não. Não percebo como te conformas com a canalhice de Georges Clifford.
— É uma víbora. Não vale a pena perder tempo a esmagá-la. Conseguiu eliminar-nos... Resignemo-nos e em paz... Concordo que nos fez uma boa patifaria, foi tudo obra sua. Aquele homem foi assassinado pelos seus pistoleiros. Devemos agradecer ao chefe da polícia, por ter acreditado na nossa inocência, limitando-se a fechar--nos o «saloon».
— Eu é que não iria, enquanto não ajustasse as contas com ele ! — insistiu Babe.
— A vingança não conduz a nada de positivo — retorquiu Ron, sorrindo abertamente. — Vamos cear pela última vez em S. Francisco.
Quando o seu amigo falava assim, Babe não podia libertar-se da sua influência. A natural simpatia de Ron dominava-o completamente.
Pararam em frente de um elegante restaurante. Entraram nele; sendo recebidos afetuosamente por um criado que os conduziu para uma mesa vazia.
— Queremos uma ceia excelente, John. E uma garrafa de champanhe.
— Confie em mim, senhor Delaney...
— Sempre assim foi, John.
Uma vez mais, embora aquela fosse a última, Ron e Babe estiveram conformes. John não os enganou. Cearam admiravelmente. Beberam café e fumaram charutos, deleitando-se com o seu agradável aroma.
— Clifford tem razão em invejar-te. O nosso «saloon» era melhor do que o seu. E para cúmulo, roubavas-lhe sempre todas as mulheres que ele cobiçava.
— É um cevado! — limitou-se Ron a comentar, com indiferença.
— Lá isso é ! — concordou Babe, com veemência. — Mas eu deixar-lhe-ia uma boa recordação.
Ron Delaney moveu a cabeça, tranquilamente :
— Eu prometi ao chefe da polícia não fazer nada contra Clifford, se ele não me atacar... Não quererás, decerto, que falte à minha palavra?
— Sendo assim... — respondeu Babe, contrariado.
Com um gesto, Ron chamou John para pagar a conta, dando-lhe uma boa gorjeta.
— Muito obrigado, senhor Delaney.
— Nada... Até à vista.
Talvez fosse a última vez que visse o criado e pela primeira vez uma sombra de tristeza passou pelos olhos de Ron.
Lamentava bastante sair de S. Francisco. Ao chegar à grande cidade californiana, conheceu Babe Custer, um marinheiro veterano, que se encontrava em apuros, e ele interviera com a sua habitual decisão.
Ambos se uniram e o jovem aventureiro abriu o «saloon», que não tardou a adquirir grande popularidade.
Os dois amigos começaram a andar, lentamente. Naquela época, as ruas de S. Francisco tinham uma iluminação deficiente, quase mergulhadas em trevas.
Uma sombra saiu de um recanto, precipitando-se sobre Ron, logo seguida de outras, num ataque súbito, inesperado.
Ron reagiu imediatamente, mas sentiu que o empurravam, fazendo-o vacilar. Uma lâmina brilhou sobre a sua cabeça, mas antes que ela descesse, ele agarrou com força o pulso de quem o agredia e, com um movimento rápido, fê-lo voltear e cair pesadamente no solo.
Travou-se uma encarniçada luta. Os punhos de Ron Delaney semearam o pânico entre os seus assaltantes. Babe Custer secundou com ardor o seu amigo, não tardando os agressores a compreenderem a impossibilidade de abater os dois homens. Empreenderam então a fuga. Mas antes disso, um deles conseguira anavalhar Custer, num dos lados. Ron, ao vê-lo cair no solo, precipitou-se sobre o amigo.
— Estás ferido, Babe?
— Estou, sim ! — levou a mão à ilharga. — Um dos bandidos cravou-me aqui a navalha.
Alguns transeuntes rodearam-nos. Um polícia, atraído pelo grupo, acercou-se também.
— Que aconteceu ?
— Fomos assaltados, inesperadamente. O meu amigo ficou ferido.
— O senhor Delaney não viu quem foi ? —perguntou o agente, respeitoso, ao reconhecê-lo.
— Não, senhor. A escuridão não mo permitiu.
Sem perda de tempo, levaram o ferido para uma casa próxima, cujo dono acedeu a que Babe Custer ficasse ali, enquanto fossem chamar um médico. Quando este chegou, fez um ligeiro penso, depois do que disse a Ron:
— Isto não tem importância. Dentro de três dias, já poderá andar.
O jovem respirou tranquilamente. Sorriu por ver que ficara assim desligado da promessa feita ao chefe da polícia.
Georges Clifford tivera a triste ideia de tentar desembaraçar-se deles. Não só forjara um plano maquiavélico para fazer que lhe fechassem o «saloon», como ordenara aos seus homens que os assassinassem. Mas a tentativa falhara. E agora teria de submeter-se às suas consequências.
Ron falou com o dono da casa, que cedeu a que o ferido continuasse ali, até o seu estado lhe permitir sair. O jovem agradeceu-lhe e entregou-lhe dinheiro, para fazer face às despesas. O homem ainda quis recusar-se a isso, mas viu-se obrigado a aceitar o dinheiro, em virtude da sua insistência.
Ron Delaney, tranquilizado pelo estado e segurança do seu amigo, saiu então. Caminhava sereno, de rosto impassível, como se fosse fazer uma visita de cortesia, quando na realidade se dirigia para o covil do seu inimigo. O «saloon» estava brilhantemente iluminado.
Ron empurrou os batentes da porta e entrou. A sua alta e elegante figura recortou-se na entrada. Ao vê-lo, um homem obeso franziu o cenho, crispando a mão sobre o copo.
Georges Clifford passou um dedo pelo colarinho da camisa, como se lhe estivesse apertado. Ficara bastante surpreendido pela ousadia do seu inimigo, ao atrever-se a entrar no seu «saloon». Cruzou o olhar com o de Hayes, seu homem de confiança, que moveu a cabeça, com um ar significativo.
Clifford tornou a sorrir, já tranquilizado. Hayes encarregar-se-ia de fazer pagar a Delaney a sua desfaçatez. Depois de deitar um olhar rápido pela sala, Ron escolheu um lugar, onde ninguém pudesse atacá-lo à traição, e sentou-se.
Pediu ao criado que se acercou dele que lhe servisse um uísque. Apesar do seu ar despreocupado não lhe escapava nada do que ocorria à sua volta. Foi por isso que surpreendeu o olhar trocado entre Clifford e Hayes.
Ron odiara sempre este último. O seu aspeto brutal e o sorriso sarcástico tinham a virtude de crispar-lhe os nervos. Tratava-se de um criminoso nato. De soslaio, viu-o trocar algumas palavras com uns indivíduos de má catadura, que pôde fixar.
Entre eles, devia estar com certeza o tipo que anavalhara Babe Custer. Alegrar-se-ia que assim fosse, para poder vingar o seu amigo. Não duvidava de que aqueles homens se apressariam a cair sobre ele, logo que Hayes lhes desse o sinal. Não se amedrontava com isso. Sobre a sua cadeira, sentia o peso do seu «Colt». Faria frente a todos esses homens. E Clifford, apesar de preparar a sua morte, arrepender-se-ia de haver tido a triste ideia de querer desembaraçar-se deles.
Saboreou o uísque, fazendo uma careta de repugnância. Até nisso, Clifford não era honesto. O uísque que vendia era bastante inferior ao seu. Ao vê-lo acercar-se, sorriu impercetivelmente.
Clifford aproximava-se, contando com o apoio dos seus homens. Talvez procurasse apenas gracejar com ele ou evitar as suas suspeitas. De qualquer forma, enganava-se redondamente.
— Olá, Delaney !...
O jovem levantou a cabeça e, sem lhe responder, fitou o rosto redondo e repulsivo do seu inimigo, que lhe sorriu.
— Alegro-me de vê-lo em minha casa.
Ficou contrariado por ele não lhe responder, e o sorriso desapareceu-lhe dos lábios.
— Já deve saber, decerto, que trespassei o meu «saloon», Clifford.
— Já, sim. E lamento. Entendemo-nos sempre perfeitamente.
— Julga isso ?!
De novo se refletiu o desconcerto no rosto de Clifford, ao ouvir a súbita réplica. Todavia, respondeu:
— Estou convencido. Nunca houve entre nós o mais pequeno equívoco.
— Tem razão ! — concordou Ron, com um sorriso frio.
— Alegra-me ouvir-lhe dizer isso.
— Não há dúvida... Eu soube sempre que espécie de canalha é o senhor...
Ao ouvir estas humilhantes palavras, Clifford corou de ira. A sua mão direita moveu-se ligeiramente, como para puxar pelo «Colt». Viu que o jovem tinha as suas quietas, sobre a mesa, o seu rosto estava impassível e os olhos fixos nele. Sentiu-se intranquilo. Tentou sorrir, mas não o conseguiu.
— Deve estar a chalaçar, Delaney.
— Não estou. O senhor conseguiu que a polícia me fechasse o «saloon».
— Asseguro-lhe que...
— Não assegure nada. Porque eu não o acreditarei...
Assustado, Clifford ainda tentou afastar-se, mas a voz fria e cortante de Ron fê-lo deter-se.
— Se fosse só isso, pouca importância tinha. Eu estava resolvido a sair amanhã de S. Francisco. Mas o atentado de que fomos alvo esta noite, já não mo permite. O meu amigo Custer ficou ferido. Não soube disso?
— É a primeira notícia que tenho... — mentiu ele, cinicamente.
Ron fitou-o com uma expressão irónica, pegou no copo e levou-o aos lábios, fazendo outra careta de repugnância.
— Até o uísque nesta casa é repelente!
E com um movimento rápido atirou o resto do líquido à cara de Clifford que soltou uma blasfémia e se apressou a limpar a cara com um lenço. Ron pôs-se em pé de um salto, já com o «Colt» empunhado e do qual saíram alguns projéteis mortíferos. Hayes e quatro dos seus homens que se dispunham a disparar contra ele, caíram no solo, sem vida.
Só um dos pistoleiros ainda conseguiu disparar a sua arma, precisamente quando era atingido pelo balázio mortal. Mas o seu projétil cravou-se na parede. Um terrível alvoroço produziu-se dentro do «saloon». Todos correram espavoridos, tendo-se atirado alguns para o chão, a fim de não serem atingidos.
Aterrado e surpreendido pela fulminante derrota de Hayes e dos seus homens, Clifford nem sequer tentou empunhar o seu revólver, pois compreendera a sua desvantagem ante a diabólica rapidez e certeira pontaria de Ron Delaney.
Deitou a correr, pois, pressentindo que Ron desejava eliminá-lo, não lhe queria dar tempo para isso. Começou a tranquilizar-se, quando chegou à escada que conduzia ao piso superior, sem olhar para trás. Tinha a certeza de que Delaney não dispararia contra ele, pelas costas.
Desejava chegar quanto antes ao seu escritório e fechar-se por dentro. Assim, haveria tempo da polícia chegar. Parou, arquejante, no cimo da escada, considerando-se livre de perigo.
Mas havia dado apenas dois passos, ouviu zumbir junto dos seus ouvidos uma bala, que foi cravar-se na parede. Voltou-se pálido como um cadáver e viu Ron, em baixo, empunhando um revólver, ainda fumegante. Com um movimento rápido, guardou-o e sorriu, tranquilo.
— Sabe que vim matá-lo, Clifford ?
O suor corria pela testa do malvado, que relanceou o olhar pelo «saloon», como a procurar auxílio. Todos os clientes tinham ficado imóveis, fitando-os.
— Eu não tenho nada contra si, Delaney.
— Mas tenho eu, contra o senhor. Deixou fugir uma bela ocasião de me vencer. Só me restava uma bala no revólver.
— Delaney. Dar-lhe-ei vinte mil dólares, se...
Ron olhou-o, com desprezo.
— Guarde o seu dinheiro, Clifford! Vamos ! Puxe pelo «Colt».
Georges Clifford parecia uma fera encurralada, procurando em vão um sítio por onde fugir. Estava convencido de que não poderia. Quando o tentasse, uma bala certeira detê-lo-ia no caminho. Por isso, ao ouvir a ordem de Delaney, decidiu-se.
Moveu o braço, rapidamente, para sacar o «Colt». Ron, porém, antecipara-se-lhe. E Clifford, recebendo a bala na cabeça, deu uma volta sobre si, mesmo e agarrou-se ao corrimão. Mas os seus dedos abriram-se e o seu corpo, atraído pela força da inércia, foi estatelar-se no solo.
Ron Delaney guardou o revólver e encaminhou-se para a porta. Antes de chegar a ela, apareceram dois polícias. O jovem parou em frente deles, sem tentar resistir-lhes. Ao ver os seis cadáveres, um deles perguntou:
— Quem fez isto?
—Eu!!
Sozinho ?!
— Sim, senhor.
— Então, fica detido.
— Leve-me primeiro ao vosso chefe.
— Está bem! Venha...
Dez minutos depois, Ron entrava no gabinete do chefe da polícia, que, fitando-o com admiração, lhe disse:
— O senhor faltou à sua palavra...
— Não, senhor... Não faltei!
— O senhor prometeu-me não tentar nada contra Georges Clifford. E que só agiria contra ele, em defesa própria...
— Exatamente... Foi isso que prometi.
— Segundo o informe dos meus agentes, o senhor matou Clifford, Hayes e ainda mais quatro homens.
— Matei-os em defesa própria...
O chefe da polícia interrompeu-o com um pequeno gesto:
— Sim. As declarações de todos que ali se encontravam confirmam isso, não há dúvida... Mas eu não me refiro a esse caso, bem sabe...
— O senhor chefe tem conhecimento de que eu e Babe Custer fomos vítimas de assalto e agressão ?
— Não !
— Então, ignora que Custer recebeu uma navalhada numa ilharga...
— Ignoro, sim!
— Eu estava resolvido a partir de S. Francisco, apesar do descontentamento de Babe, e Deus sabe muito bem que ele tinha razão. Depois de sairmos de um restaurante, onde tínhamos acabado de jantar, os homens de Clifford assaltaram-nos, de súbito. Procurámos repelir a agressão, embora ficássemos feridos, e, como já lhe disse, Babe em piores condições. Resolvi então ir procurar Clifford, para ajustar as contas com ele. Clifford, porém, lançou contra mim, Hayes e os seus pistoleiros. O resultado já sabe qual foi.
— Delaney ! Em todo o tempo da sua permanência em S. Francisco, o senhor só tem constituído um pesadelo para mim.
— Não sei porquê ! Eu só tenho procedido com limpeza...
— Não posso negar... Não posso acusá-lo de nenhuma proeza ou patifaria. Se assim fosse, já teria dado com os ossos num calaboiço.
— Sei muito bem isso... — assentiu Ron, sorrindo.
— Agora, porém, matou seis homens, o que provocará grande perturbação e revolta, pois Clifford contava com bastantes influências. No entanto, eu sei que a razão está do seu lado. Por que não partiu ?
— Eu já lhe disse que Clifford é que mo impediu... Não contente com fazer-me perder o «saloon», desejava a minha morte. E eu já não podia permanecer de braços cruzados. Os seus pistoleiros podiam fazer nova tentativa. Babe não se pode defender.
— Saia imediatamente da cidade, Delaney.
— Eu não posso deixar Babe aqui sozinho...
— Eu cuidarei dele!
— O senhor fica sempre a ganhar — retorquiu Ron, a sorrir.
— Esperá-lo-ei em S. Gabriel.
— Desejo-lhe muita sorte, Ron.

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