sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

KNS128.07 Visitas inesperadas

Ron viu entrar o empregado e com um movimento de cabeça perguntou-lhe o que queria.
— A menina Hamilton deseja falar com o senhor.
— Como ? Sem poder conter-se, pôs-se em pé de um salto.
Custava-lhe a crer no que ouvia. Não era possível que Virgínia Hamilton estivesse lá em baixo.
— A menina Hamilton...
— Já sei. Ouvi muito bem.
Quando saiu, caminhou depressa, mas mantendo o mesmo aspeto correto e elegante. Viu Virgínia. A sua esbelta figura parecia empequenecida e frágil no meio da sala vazia. Sentiu o desejo de correr para ela e estreitá-la entre os seus braços, para defendê-la contra todos os infortúnios que a ameaçassem.
— Disseram-me que deseja falar comigo...
— Assim é...
— Quer ter a bondade de subir ao meu escritório ?!
— Não tenho nenhum inconveniente.
Ron subiu atrás dela, admirando o harmonioso corpo da jovem, que se deteve no patamar. Ele indicou-lhe o escritório, cuja porta ficara aberta. Virgínia fez um gesto de assentimento, mas quando ia a entrar deteve-se. Babe acabava de aparecer.


— Preciso de falar contigo, Ron.
— Tens de esperar um pouco.
Babe ficara assombrado, ao ver a inesperada visitante. A um gesto do seu amigo, afastou-se. Depois de ela entrar, Ron fechou a porta e aproximou uma cadeira.
— Muito obrigada.
Procurando manter o seu aprumo, Delaney sentou-se à secretária.
— A que devo a honra da sua visita, menina Hamilton?
— Sei que meu irmão lhe deve duzentos dólares.
— É certo.
— Venho pagar-lhos.
— Não era preciso que se incomodasse. É uma dívida sem importância.
— Para o senhor, talvez. Para mim, não.
— Não quis dizer isso.
Virgínia lançou-lhe um olhar de desprezo. Colocou o dinheiro sobre a secretária.
— Aqui tem os duzentos dólares... Pode guardá-los...
— Não é preciso, visto já estarem em cima da secretária — replicou num tom duro.
Virgínia mordeu o lábio.
— Eu disse isso porque o senhor ganhou-os com honradez.
Ron corou ligeiramente e retorquiu:
— Não tem direito de falar-me dessa maneira, menina.
— Não tenho direito ? O senhor induziu meu irmão a que jogasse...
— Vejo que está mal informada, menina Hamilton.
— Danny não devia ter jogado.
— Concordo. Mas seu irmão é maior e sabe o que faz. E eu não posso proibir ninguém que jogue...
— O senhor é um jogador vantagista...
Ron teve a impressão de o esbofetearem. Pôs-se de pé.
— Menina Hamilton... Tem sorte em ser mulher...
— Já sei que o senhor é um hábil atirador...
— Agora acusa-me de assassino! — retorquiu ele, com amarga ironia.
A jovem sentiu-se impressionada por aquela réplica. Não obstante, não mudou de atitude.
— Que outra opinião posso ter a seu respeito?
— Quer fazer-me o favor de sair da minha casa?
— Não tenho outro desejo — respondeu ela, com um sorriso de despeito.
Sem replicar, Ron foi abrir a porta e afastou-se para ela passar. Depois acompanhou-a até à porta que dava para a escada e que abriu, inclinando-se ligeiramente. Foi uma despedida sem palavras. Ambos se sentiam desgostosos. Entre eles, tinha-se levantado uma muralha.
Ao voltar ao escritório, Ron encheu um copo de uísque, que bebeu de um trago. Sentou-se e apertou a cabeça com as mãos. As remotas esperanças que pudesse alimentar de conquistar o amor de Virgínia Hamilton acabavam de dissipar-se. Nunca fora tratado de uma forma tão humilhante. Teve de dominar-se para não mandar ao diabo aquela linda rapariga, dizendo-lhe com rudeza quem tinha sido culpado de tudo. Encolheu os ombros. Essa reação teria sido inútil. Virgínia não mudaria de opinião a seu respeito. Foi bebendo copos de uísque, atrás uns dos outros.
De súbito, a porta abriu-se. Babe deteve-se, surpreendido.
— Não bebas mais, Ron. Que aconteceu?
— A irmã de Danny acusou-me de trapaceiro e assassino.
— Não é possível. Que motivos tem ela para te fazer essa acusação?
— Segundo o seu parecer, fui eu quem o induziu a jogar...
— Mas se tu estás inocente, como é possível...
— Não tem importância. Talvez essa censura seja merecida.
— Não digas tolices...
— Se não fosse Bert Savold não me demoraria aqui nem mais uma hora...
Babe estava furioso. Não podia consentir que o seu amigo fosse insultado injustamente. Colocou a mão no ombro de Ron.
— Não te preocupes... Ajustaremos contas com Savold e partiremos para Phoenix.
Ron concordou, sorridente. Depois perguntou-lhe:
— Que querias dizer-me, ainda agora?
— Já nem me lembro. Até logo...
— Vais sair?
— Vou dar uma volta para abrir o apetite...
Assim que saiu, o seu rosto mudou de expressão. Encaminhou-se rapidamente para a cavalariça, donde retirou o seu cavalo, que montou de um salto, apesar do seu corpanzil. E partiu, num galope desenfreado, na direção do rancho dos Hamilton.
Logo que entrou no caminho que, em linha recta, conduzia ao rancho, Danny viu-o, e correu ao seu encontro. A visita daquele homem só podia ter um motivo: receber o dinheiro que ele devia ao dono do .«saloon».
É o senhor Babe Custer, sócio de Ron Delaney, não é verdade ?
— Sou, sim. Pelo visto, conhece-me!
— Conheço-o. A que se deve a sua visita?
— Desejo falar com sua irmã.
— Para que lhe quer falar, se sou eu quem deve o dinheiro a...?
— A dívida já está saldada.
Danny ficou admirado.
— Então...
— Oiça, Hamilton. Já lhe disse que quero falar com sua irmã. Não me importo que esteja presente.
Danny teve a intuição do que se passava. Virgínia devia ter cometido alguma tolice. Entrou em casa e encaminhou-se para a cozinha, onde encontrou sua irmã. Os seus olhos vermelhos indicavam claramente que ela devia ter chorado.
— Choraste?
— Não. É por causa do fumo.
— Um senhor quer falar contigo.
Ela olhou-o surpreendida. Depois, retorquiu:
— Dize ao senhor Delaney que pode ir-se embora. Não tenho nada a falar com ele.
— Não é Delaney. É o sócio, Babe Custer.
— Está bem. Vou já.
Virgínia lavou o rosto, para fazer desaparecer os vestígios do choro. Por um momento, teve a esperança de que fosse Ron, que quisesse desculpar-se pela sua rudeza. Quando chegou ao alpendre, onde os dois se encontravam, pareceu-lhe ver em Babe uma expressão de agressividade. Com efeito, assim que a viu, Babe deu um passo.
— Se a menina fosse um homem, garanto-lhe que lhe daria uma sova que a fazia estar um mês de cama.
— O seu sócio já me disse o mesmo! — retorquiu ela, com um ar de desafio.
— E tinha toda a razão... Porque não merecia outra coisa.
Danny conservava-se impassível.
— Saia de minha casa — ordenou ela.
— Sairei. Mas antes disso tem de ouvir-me. A menina foi injusta ao insultar um homem nobre e honrado.
— Como o senhor... talvez — replicou ela, num tom mordaz.
Babe reprimiu um gesto de cólera e respondeu com toda a calma:
-- E não se engana. Prezo-me de ser, de ter sido sempre um homem honrado. E sinto-me orgulhoso de ter Ron por amigo, porque ele supera-me. Se eu tivesse sido malfeitor, na sua companhia ter-me-ia já regenerado. Eu nunca conheci um homem tão disposto a socorrer um semelhante, como ele, sem olhar ao perigo, o que já demonstrou algumas vezes em Broad City...
— Com meu irmão, não aconteceu assim.
— A menina está equivocada. Eu assisti a tudo. Seu irmão foi ao encontro de Ron, expressando a sua satisfação por conhecê-lo pessoalmente. Depois, convidou-o para jogar. Ron pretextou os seus afazeres. Não queria concorrer para que Danny enraizasse esse vício, nem queria ganhar-lhe dinheiro que porventura lhe fizesse falta. Seu irmão, porém, insistiu e o meu sócio, para que ele não tomasse isso como uma desconsideração, acedeu a jogar. Danny não tardou a perder. Pediu-lhe dinheiro emprestado. Depois de perder os duzentos dólares, tornou a pedir-lhe. Duzentos e cinquenta dólares. Ron negou-se a isso, aduzindo razões plausíveis. Danny perturbou-se e ofendeu-o. Pois, apesar disso, Ron voltou--lhe as costas. Depois disso, um meliante que tinha ouvido tudo, entendeu insultar Ron, chamando-lhe cobarde. Sabe o que lhe aconteceu? Foi posto na rua, depois de ser obrigado a pedir-lhe perdão...
Virgínia, que o escutara, envergonhada, voltou-se para seu irmão:
— Isto é verdade?
— É, sim!
— Por que não me disseste? Eu disse-te que Ron não tinha feito batota, que fora leal a jogar...
Babe compreendeu que a jovem estava constrangida, prestes a chorar, acabando por entrar em casa, sem se despedir, sequer. Babe ficou compungido, a coçar na cabeça. Mas não estava arrependido do que dissera. Recordava o aspeto abatido de Ron, que nunca se mostrara assim, em tal estado de prostração. Entretanto, voltou-se para o jovem Hamilton:
— Receio ter tratado sua irmã com extrema dureza...
— Não se preocupe... Virgínia é muito teimosa... Está acostumada a satisfazer o seu capricho.
— O senhor é um belo rapaz !
— Engana-se... Não sou — retorquiu Danny, abanando a cabeça, com amargura. — Até agora, talvez lhe tivesse respondido afirmativamente. A minha conduta, ontem à noite com Delaney foi abominável... Diga-lhe que estou arrependido e que me perdoe...
— Não faço isso... nem que me desse uma recompensa de um milhão de dólares...
— Não fará uma coisa tão simples?
— Simples ? Vê-se mesmo que o senhor não conhece Ron. Se ele sabe que eu estive aqui para justificá-lo, é capaz de partir-me os dentes.
— A si ?! Mas o senhor deve ter muita força !... ~
— Tenho, sim... Não receio enfrentar-me com homens como eu... Mas não com Ron Delaney...
— Ele é assim tão temível ?
— É pior do que um jaguar... Se o visse a lutar com Bert Savold, ficaria assombrado. Savold parecia um boneco nas suas mãos.
— Eu desejaria apresentar-lhe as minhas desculpas, pelo meu comportamento.
— Não perca tempo. Creia que lhe dará grande alegria...
— Ele quer assim tanto a Virgínia?
Por um momento, Babe ficou desconcertado. Depois sorriu, fazendo um gesto afirmativo.
— É a primeira vez que o vejo apaixonado. Não pode imaginar como fui encontrá-lo, depois de sua irmã ter saído. Fui encontrá-lo muito abatido, a tal ponto que começou a beber, para se embriagar... Creia que se, nesse momento, tivesse encontrado sua irmã, parece-me que lhe teria dado dois açoites bem puxados.
Danny não pôde deixar de rir. Depois, estendeu-lhe a mão:
— Quero ser seu amigo.
— Não tenho nenhum inconveniente nisso. Os dois apertaram-se as mãos.
— Agora, não esqueça em ir pedir desculpa a Ron.
— Não esquecerei.
Babe montou no seu cavalo e partiu a galope. Danny ficou imóvel, até vê-lo desaparecer. Em seguida entrou em casa, para ir ao quarto de sua irmã, que encontrou deitada, de borco, na cama, a soluçar. Sentou-se a seu lado e pôs-se a acariciá-la.
— Então, Virgínia. Não chores mais... O caso não é para tanto...
— Esse homem é um bruto.
— Limitou-se a defender o seu amigo.
— Mas com brio. Cheguei a recear que me batesse...
— Em parte, merecias.
— Também te pões do lado deles? !...
— O que Babe Custer disse é verdade. Ron Delaney é tão valente como generoso. Ele teria motivos suficientes para me dar uma sova. E não fez isso. Eu é que quase o obriguei a jogar.
— Estou bastante envergonhada. Que opinião fará ele de mim?
— Suponho que deplorável. Mas não te preocupes... Talvez não tornes a vê-lo. De resto, não o consideras um homem abominável?!
Virgínia olhou para seu irmão, e, sem poder conter-se, encostou a cabeça ao seu ombro, a soluçar.
— Não compreendes que o amo ?!... Foi este o verdadeiro motivo que me levou a vê-lo.
Danny acariciou-lhe com ternura os cabelos, dizendo-lhe:
— Acalma-te, Virgínia... Tudo se arranjará.
— Julgas isso ?
O jovem sorriu e, tomando um ar misterioso, respondeu-lhe:
— Estou convencido de que sim.
Virgínia limpou as lágrimas com um lenço e sorriu:
— Como tu disseste, não tem importância... Trata-se de um trapaceiro vulgar...
— Não tornes a dizer isso. Imagina que Babe Custer te ouvia dizer isso...
— Seria terrível ! — replicou ela, estremecendo. — Delaney é para ele um ídolo!
Babe, entretanto, galopava satisfeito. Ron não seria um desditoso. A mulher que ele amava, correspondia-lhe. Os belos olhos de Virgínia Hamilton não enganavam e eles expressavam um amor intenso.

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