terça-feira, 4 de dezembro de 2018

BIS170.11 Assalto ao quartel dos bandidos

Os coiotes uivavam no descampado e o ulular dê um mocho fez-se ouvir entre os algodoeiros próximos. A noite era escura e tranquila, com um céu repleto de estrelas brilhantes e um vento brando do sul. A madrugada ia adiantada e faltariam cerca de duas horas para o alvorecer quando Rand Allen desmontou com extrema cautela, deixando o cavalo em liberdade.
Aquele animal havia pertencido a um dos homens do rancho e o dono nem soubera do empréstimo. Rand havia-o encontrado ao anoitecer, preparando o jantar, apenas a umas quatro milhas do lugar onde o tinham torturado. Estava só e bastara uma bala para resolver o assunto. Mais tarde, quando encontrassem por ali o animal, de manhã, fariam muitas conjeturas, mas, sem dúvida, ninguém adivinharia a verdade.
Entretanto, ele ia introduzir-se no rancho dos seus inimigos e ajustar as contas com eles.
Chegou facilmente junto da cerca alta, feita de adobe, que rodeava as construções. Aquela hora da madrugada não deviam ter grandes desejos de vigiar, certos de não existir nenhum perigo imediato. Havia-se recomposto quase totalmente da sova brutal recebida pela manhã e, inclusivamente os pulsos, cuidadosamente curados, tinham recuperado a elasticidade, apesar de ainda lhe doerem muito.
Levava dois revólveres e quarenta balas. Mesmo que tivesse de morrer, não seria sem levar uns quantos por diante, começando por Seth Markham e Frankie Douglas. Trepou para o alto do muro, valendo-se de saliências e concavidades e estendeu-se ali, espreitando para o interior.
Demorou uns longos cinco minutos para localizar uma das sentinelas, a umas cinquenta jardas de distância, quando o homem acendeu um cigarro. Devia haver outra à sua esquerda, mas não a conseguiu distinguir. Tinha de se arriscar...
Suspendeu-se da parede, firmando-se nas pontas dos dedos e tateando depois o lugar onde devia pôr os pés para, finalmente, se soltar e cair sobre as mãos e joelhos. Não fez qualquer ruído porque havia tirado previamente as esporas. Ninguém pareceu dar pela sua entrada.
Demorou vinte minutos a atingir a casa principal, procurando os pontos mais escuros e não dando um passo sem se assegurar de que o caminho estava livre. Mas, segundo parecia, todos dormiam a sono solto, aproveitando o fresco da madrugada. E, por igual motivo, todas as janelas estavam abertas. Indubitavelmente, Seth Markham e a sua gente sentiam-se muito seguros na sua fortaleza...
Ergueu-se até ao peitoril de uma das janelas da ala direita e introduziu-se num compartimento que, por acaso, era o escritório de Markham. Estava com sorte, sem dúvida. Fechou a janela com cuidado e depois acendeu um fósforo a cuja luz débil comprovou a identidade do lugar. Acendeu um candeeiro, depois de adotar as necessárias precauções, tapando-o de modo que ninguém, colocado do outro lado da porta, pudesse distinguir o menor sinal, a não ser que encostasse muito os olhos a uma fenda, ocupando-se depois numa busca rápida entre os papéis que havia nas gavetas da mesa.
Em seguida apagou o candeeiro e abriu a porta vagarosamente, centímetro a centímetro. Tudo estava escuro e silencioso na ampla habitação destinada a vários usos.
A casa tinha andar térreo e primeiro andar; Seth Markham devia dormir, sem dúvida, no andar de cima e talvez mais algum, Douglas talvez...
Subiu a escada lentamente, atento ao menor ruído. Atingiu o piso superior e avançou por ele como um fantasma, agradecendo mentalmente que a casa fosse construída de pedra e adobe, sólida como uma fortaleza e nova.
O prisioneiro em Valle Hermoso havia-lhe dado uma série de pormenores que verificava agora serem certos. Não havia pois motivo para duvidar de que o quarto de Seth Markham fosse o que ele lhe dissera. Por outro lado, a amplidão para ambos os lados daquela porta era significativa...
Tateou a fechadura da mesma e notou que girava. No seu próprio rancho, Markham não devia considerar necessário fechar-se por dentro...
Entrou, depois de ter aberto a porta centímetro a centímetro e voltou a fechá-la trás de si com cuidado, tateando até dar com o pequeno ferrolho que fechou também. Depois moveu-se vagarosamente, tirando o revólver do coldre.
O alvorecer começava a diluir a escuridão da noite. Dentro do quarto havia ainda completa escuridão e ouvia-se a respiração tranquila e sonora de alguém que dormia. Ouvia-se ainda outra mais baixa e assobiante. Portanto havia duas pessoas...
Por um momento, Rand receou ter-se enganado, ou ter sido enganado pelo seu informador. Mas recordou a luxúria de Seth Markham e um sorriso frio crispou-lhe os lábios.
Lentamente, foi colocar-se junto de uma poltrona de couro, perto do leito e, mais lentamente ainda, sentou-se. A claridade do dia aumentou pouco a pouco e acabou por tornar perfeitamente visíveis os objetos dentro do quarto. Era um quarto amplo e bonito, mobilado com luxo.
No leito largo, Seth Markham, mais gordo e volumoso que a imagem que dele conservava na sua memória, dormia pesadamente, com o cabelo ralo colado às têmporas e nu da cintura para cima.
Junto dele dormia uma rapariga vestida unicamente com uma camisa de dormir. Era branca, de cabelo louro...
Lá em baixo começaram a soar ruídos indicativos de que o rancho começava a despertar.
Seth Markham bocejou, resmungou, moveu-se, voltou a bocejar, resmungou qualquer coisa por entre os dentes e ergueu-se sobre um cotovelo com a intenção de se levantar ao mesmo tempo que abria os olhos.
Abriu-os de repente e ficou a meio de um gesto, rígido, contemplando o inesperado visitante e o cano da arma que lhe apontava ao peito. Lentamente, o sono desapareceu do seu rosto e foi substituído pelo medo, a raiva e a incredulidade.
— Não te lembres de levantar a voz, nem de fazer gestos esquisitos, Seth — a voz de Rand era apenas um sussurro, mas fez estremecer Markham violentamente.
— Como... como conseguiste?
-- Libertar-me e chegar até aqui? Isso não interessa muito agora, não achas? O importante é que cheguei e estou a apontar uma arma para ti.
— Não... não sei a que te referes, Rand, a verdade... Ouve, não sejas louco. Esta é a minha casa; há aqui sessenta homens...
-- Menos alguns que me interessam, apenas dois: tu e Douglas. Julgaste que te tinhas livrado de mim sem risco nem esforço, não é verdade? Suponho que pensavas ir ver o que os abutres tinham deixado de mim hoje. Bem, aqui estou.
A rapariga acordou; abriu a boca com sobressalto e sentou-se na cama de um salto. Era bonita e olhou para Rand Allen extremamente admirada. Ele notou isso.
— Não grite nem fale. Se o fizer, tornará mais rápida a morte deste homem.
Ela pestanejou e a sua expressão foi-se modificando lentamente. Cobriu-se com a camisa de dormir e perguntou com voz rouca:
--Quem é o senhor? Veio matá-lo?
— Sim. Chamo-me Rand Allen e somos velhos conhecidos.
-- O que Frankie Douglas...? Não gritarei, senhor Allen, não. Pelo contrário, ajudá-lo-ei. Havia agora um ódio intenso na sua voz e nos seus olhos.
Markham bramou:
— Cadela...
— Tu és o cão — cuspiu-lhe ela na cara. — Ouça, senhor Allen. Ele obrigou-me a vir, ameaçando matar todos os meus se me negasse. Somos rancheiros no vale do Navasota. Chamo-me Connie Perkins e sou de Virgínia do Oeste. Este canalha, este maldito, viu-me há alguns meses e agradei-lhe; primeiro fez-me ofertas de dinheiro e quando me neguei mandou que me raptassem e me trouxessem. O senhor não pode saber como o odeio, mas mataria a minha gente se não lhe obedecesse... Tem de o matar, senhor Allen. Mate-o e eu o ajudarei, sim, eu o ajudarei no que puder...
— Bem. Saia da cama e sente-se nessa cadeira.
— Posso vestir-me?
— Por agora fique assim. Não duvido das suas palavras, mas devo tomar as minhas precauções. Seth, tens os minutos contados. Há já muitos anos que prometi matar-te como a um cão quando te encontrasse...
—Não tinhas nada contra mim. E mentira; comprou-te Isabel Cortés com as suas caricias...
— Fecha essa boca suja. Tinha muito. Não te lembras? Batoteiro, ladrão, canalha indecente, assassino sádico. Já te esqueceste de Olive Talbot?
Markham pestanejou. Oferecia um espetáculo desagradável com o dorso branco, coberto de pelos avermelhados, encrespados, com o rosto inchado onde se refletiam todas as más paixões, encolhido, sem tirar os olhos de Rand.
— Olive Talbot? A que propósito vem isso? Nada tenho a ver com isso; foi um negro louco...
— Foste tu. Tu e Peter Finchley, cão maldito. Elissa ouviu o pai contar à mãe... Mas deixemos isso; é só uma das parcelas da nossa conta. Também há o assalto de há um mês à nossa caravana, o que fizeste à mãe de Isabel Cortés e o que lhe querias fazer a ela. E o que Douglas e os outros me fizeram ontem. Suficiente para matar um cão raivoso, não te parece, Seth?
Markham estava lívido. Ofegou:
— Não te atreverás. Não sairás vivo daqui se me matares. Douglas e os outros far-te-ão em pedaços...
— E possível. Mas tu não verás isso, Seth. E vou dizer-te uma coisa; é este hoje o teu último dia de poder sobre a zona, o do ajuste de contas para toda a tua gente. «Lobo Negro» e o seu grupo de «comanches» devem estar agora a muito poucas milhas daqui, trazendo por diante todos os teus homens que forem encontrando. Pedro Cortés, com meia centena de homens, cavalga do Sul para os ajudar e também não acredito que demorem a chegar. Nós vamos esperá-los. Será divertido, não achas?
Um suor frio perlava agora a fronte de Markham. Ofegou em silêncio, agarrado com uma das mãos à cama e a outra crispada sobre a coxa, arqueada. O medo misturava-se à fúria raivosa e a impotência refletia-se nas suas pupilas...
— Prove que está comigo, Connie Perkins.
— Que quer que faça?
— Ate, bem atado, Markham à cama. Procure com que o fazer.
— Sim, imediatamente...
Nervosamente, a rapariga levantou-se e pôs-se a procurar o que era necessário. Rand vigiava-a pelo canto do olho, sem por isso distrair a sua atenção de Seth. Este começou a falar...
— Ouve, Rand, não conseguirás sair vivo, mesmo que assim seja. Douglas e os outros impedi-lo-ão. E melhor fazermos um negócio. Tenho muito dinheiro, aqui mesmo. Dar-te-ei vinte mil dólares em ouro...
-- Estende-te na cama e abre as pernas e os braços, Seth. Vamos!
— Não quero! Pedirei auxílio e...
O estalido lúgubre do percutor ao erguer-se tirou-lhe os desejos de oferecer resistência. Soltando blasfémias e súplicas, obedeceu, ficando de boca para cima.
Rand pôs-se em pé e continuou a apontar-lhe a arma à cara enquanto a rapariga se dedicava à tarefa de o atar com uma expressão de ódio satisfeito.
— Ate-o com força.
— Não se preocupe, senhor Allen. É a tarefa que faço com mais gosto em toda a minha vida.
Markham dirigiu-lhe insultos e gritou de dor quando lhe apertou as correias em torno nos punhos com nós corredios, dando-lhe várias voltas para reforçar o aperto.
Ela respondeu cuspiu-lhe para a cara e amarrou-o às barras da cama com rapidez e agilidade, primeiro as mãos, depois os pés, deixando-o como haviam deixado o próprio Rand no dia anterior.
— Só com a diferença de que tu estás muito mais comodamente instalado. Já pode vestir-se, menina. Embora conviesse que não o fizesse de momento.
— Porquê?
Ia responder-lhe quando soou uma pancada na porta, seguida de um chamamento.
— Eh, Markham! Deixou-se dormir?
Rand olhou para a rapariga, subitamente nervosa.
— Por isso — sussurrou. — Seth, responde-lhe, vamos. Diz à rapariga que abra. Colocou-lhe a pistola encostada à têmpora e Markham obedeceu com voz grossa.
-- Já vai, Douglas... Connie abre...
Rápido, Rand desviou-se de modo a ficar afastado da abertura da porta e aguardou, enquanto a rapariga, nervosa e apreensiva, ia abrir.
Frankie Douglas não parecia ter suspeitado de nada, a julgar pela forma como a interpelou.
— Olá, pequena. De maneira que se fecham por dentro...
— Levante essas mãos, Douglas. Depressa. Não repito.
O bandido havia entrado meio tapado por Connie. Viu Markham amarrado à cama e ouviu a ordem seca de Rand, tudo ao mesmo tempo. E o que fez foi tão rápido como surpreendente. Com uma das mãos agarrou a mulher pela camisa de dormir, colocando-a na sua frente como um escudo e com a outra tirou a pistola, engatilhando-a enquanto procurava Rand com o olhar. A rapariga gritou assustada...
Rand estava muito atento. Levantou o revólver e disparou. A três jardas e meia de distância não podia errar o tiro. Meteu a bala no ombro esquerdo de Douglas, que gritou involuntariamente e largou a rapariga.
— Atire-se ao chão!
Ela assim fez, deixando o bandido a descoberto. Mas com a sua arma empunhada a três jardas e meia de distância... As duas armas ouviram-se em uníssono. Douglas tossiu e cambaleou, enquanto no seu peito aparecia outra mancha vermelha. Rand sentiu a queimadura mordente do chumbo no flanco esquerdo e uma intensa sensação de mareio. Estava seriamente ferido, mas devia matar Douglas, matá-lo...
Viu-o tentar firmar-se sobre as pernas e alçar novamente a arma fumegante, com uma careta de dor e de raiva. Engoliu ar e disparou novamente...
Desta vez meteu-lhe a bala em pleno estômago. Douglas sacudiu-se violentamente, soltou o revólver, encolheu-se sobre si mesmo e rolou pelo solo. Superando a dor intensa e o mareio,
Rand correu para a porta e fechou-a, correndo o ferrolho. No corredor ouviam-se já vozes e perguntas alarmadas, barulho de gente a correr... Em baixo também.
Seth Markham blasfemava e retorcia-se na cama. Connie levantou-se empurrando o corpo de Douglas e olhou ansiosamente para Rand. Este apoiava-se agora nas costas de uma cadeira e ordenou-lhe roucamente:
— Grite-lhes que estou aqui e o que fiz, depressa...
A rapariga acabou de se levantar, muito pálida e agitada. Engoliu ar ansiosamente e gritou:
— Não se aproximem! Rand Allen está aqui; acaba de matar Douglas e tem Seth Markham preso! Matá-lo-ão se tentarem forçar a entrada!
Os ruídos e as vozes cessaram lá fora subitamente. E depois soou uma voz, brusca e excitada.
— Que espécie de história é essa que estás a contar, rapariga? Julgas que somos parvos? Pensas que vamos acreditar?
— Aproxima-te e acreditarás — Rand tinha de fazer um grande esforço para falar com voz alta e firme. — Ao primeiro ataque farei voar os miolos de Markham.
Lá fora soaram interjeições e ruídos. Sem dúvida, aqueles homens estavam agora aturdidos, não encontrando explicação para o modo como ele pudera escapar à sua tortura, entrar no rancho, chegar ao quarto do seu chefe e dar morte ao temível Frankie Douglas. Rand procurou aproveitar a situação ao máximo.
— Afastem-se daí e não tentem entrar. Diz-lhes, Seth. Vamos, diz-lhes em voz alta, para que ouçam também os do pátio!
— Venham e matem-no, malditos! Venham e matem-no quanto antes. Tirem-me daqui! Estão a chegar os «comanches» e a gente dos Cortés em seu auxílio! Têm de o matar antes e preparar a defesa...!
Lá fora fez-se novamente um silêncio intenso. Rand avançou para a poltrona de couro, deixando-se cair sobre ela pesadamente, enquanto olhava a cara congestionada do seu prisioneiro.
— Cometeste um erro, Seth. Agora abandonar-te-ão para salvar a pele.
Como respondendo às suas palavras, em baixo ouviu-se uma voz alterada.
-- Vem um homem a galope! Parece Buck McArthur!
Rand chamou a rapariga que se apressou a aproximar-se.
— Ajude-me, tenho de me tratar.
— Sim, imediatamente.
Um gemido fê-los olhar para o chão, para Douglas. O bandido tinha os olhos abertos e saía-lhe um fio de sangue pela boca.
— Como... pôde... fu... fugir... maldi... to seja...? - disse.
Um regueiro de sangue brotou-lhe dos lábios crispados pela agonia, moveu convulsivamente os olhos e tombou com o rosto encostado ao chão, imóvel, depois de um violento estremeção. Fora, no corredor, ninguém se decidia, segundo parecia, a tomar a iniciativa. Em baixo, todos pareciam ter ido receber informações do cavaleiro que chegara a galope. Rand ordenou à rapariga que olhasse e ela obedeceu.
— Rodeiam Buck McArthur. Agora todos correm, uns para os estábulos, outros para a casa...
—Vê alguma coisa ao longe?
— Não... Sim, agora, uma nuvem de fumo, e outra...! Os índios...! Santo Deus, vão matar-nos a todos...
— A nós, não; tranquilize-se. Venha tratar-me.
Ela obedeceu. Lá fora, no corredor, alguém deu um aviso nervoso.
— Deixem isso, chegam os «comanches»; mais de uma centena! Olhando de novo para Seth Markham, Rand disse-lhe friamente:
— Como vês, não tens salvação, Seth. Chegou a tua hora.
Markham blasfemou e caiu num sombrio abatimento. Lá em baixo a barafunda era já grande. Ao que parecia, os homens do rancho, sem chefes e apanhados de surpresa pelo ataque inesperado, não conseguiam coordenar a defesa, nem ao menos estavam de acordo quanto ao que se devia fazer.
Rand pôs-se em pé, deixando que a rapariga lhe tirasse o casaco e a camisa. Observou a ferida e cerrou os dentes. Era bastante séria. Um tiro entre as costelas baixas do lado do coração, apenas a cinco centímetros deste..,
— Vede-me a ferida depressa; estou a perder muito sangue e sinto-me desfalecer. o
— Sim, agora mesmo.
Embora tremendo, fê-lo com bastante habilidade (3) rapidez. Deixavam-nos em paz e parecia que, finalmente, se haviam posto de acordo para oferecerem resistência aos índios. Connie Perkins terminou a sua tarefa e ofegou:
---- Oxalá tenha razão, senhor Aliene Tenho medo de morrer...
— Não morrerá. Vista-se.
Enquanto ela o fazia, aproximou-se da janela e olhou. Os índios já estavam à distância de tiro e deslocavam-se em fila à volta do rancho. Podia ver as costas de alguns doa homens de Markham, abrigados atrás do muro e também sobre o telhado de um celeiro e dos estábulos. Aquilo deu-lhe uma ideia.
— Traga-me uma espingarda, Connie. Havia três, de diferentes marcas, num armário ao lado, além de pistolas e revólveres demonstrando quão pouco Seth Markham se fiava nos próprios companheiros.
Connie trouxe-lhe uma «30-30» e Rand carregou-a sem pressa. Markham parecia abatido, tão abatido quanto o podia estar um homem consciente do seu fim inevitável e próximo.
Lá fora começaram a soar tiros que depressa se converteram em fogo intenso. Os índios responderam ao mesmo e flechas incendiárias começaram a voar na direção dos edifícios, prendendo fogo aqui e além.
Connie havia acabado de se vestir e empunhou um revólver com mão firme, aproximando-se da janela, não sem lançar um olhar rancoroso a Markham.,
-- Acha que conseguirão assaltar o rancho?
— Quantos homens havia aqui?
— Uns cinquenta, contando com os que fazem o papel de criados. Havia doze ou catorze no campo, mas a maioria pernoitava aqui.
— Então teremos de esperar um pouco, até chegarem os homens de Cortés. Não tenho tanta confiança nos «comanches» que lhes vá facilitar a entrada.
Lá em baixo a luta aumentava. Os homens de Markham estavam a vender caro a vida e caçavam índios em quantidade, embora, de vez em quando, uma flecha desse boa conta de um deles.
Subiam ao céu, por alguns lados, colunas de fumo procedentes das edificações incendiadas.
O sol avermelhado já havia nascido e estava bastante alto no céu, e o calor começava a apertar...
Havia passado uma hora que começara o ataque «comanche» e ninguém parecia lembrar-se dos ocupantes daquele quarto.
Rand sentia-se febril, com todo o corpo cheio de dores, a ferida a palpitar em guinadas lancinantes. Mas, graças a alguns tragos da garrafa de uísque que Connie tirara de uma mesita, podia ir aguentando.
Não desejava disparar em apoio dos atacantes antes da chegada dos homens de Valle Hermoso, por duas razões: não queria correr riscos com os «comanches» e muito menos provocar uma reação desesperada da gente do rancho antes que os seus amigos chegassem ali e pudessem socorrê-los.
Mas, subitamente, lá fora redobrou o fragor da luta e pôde distinguir, a mais de uma milha de distância, o nutrido grupo de cavaleiros que avançava a todo o galope. Os homens do rancho tinham-no visto já e enganaram-se julgando que era formado por homens de Waco que vinham em seu auxílio. Mas quando os que se aproximaram ficaram a mais curta distância, compreenderam o seu erro e o desalento invadiu-os.
Aos ouvidos de Rand chegou o aviso raivoso de um que disparava da parte traseira do telhado dos estábulos, que ardia já em dois ou três pontos, embora com pouca força.
— São os de Valle Hermoso! Maldição! Havia chegado o momento de atuar.
— Dê-me qualquer coisa branca, visível — ordenou a Connie.
Quando ela lhe entregou um lençol atou-o ao peitoril e deixou-o ondear pelo lado de fora. Depois preparou a espingarda, apontou para um dos defensores e mandou-o para o inferno com um tiro. Em cinco minutos mandou outros três pelo mesmo caminho, deixando um bom pedaço do muro sem defensores.
Os estampidos da sua arma deviam confundir-se com o estrondo da batalha e os outros defensores nada notaram, segundo parecia. Mas os assaltantes, sim, porque um grupo deles se lançou na direção do muro, enfrentando o fogo débil dos defensores dizimados pela certeira pontaria de Rand.
Pouco depois, vários deles passavam por cima do muro, caindo no pátio e abrindo fogo à direita e à esquerda. Entravam misturados, índios e brancos que, apesar da feroz resistência dos defensores, não tardaram a consolidar a sua penetração.
Rand já não podia ver nenhum dos defensores e agarrou-se com as duas mãos ao peitoril para gritar para os que combatiam no pátio:
— Eh, amigos! Estou ferido, mas tenho Markham vivo aqui em cima!
Ergueram-se duas ou três cabeças e pôde verificar que o tinham compreendido. Um gritou:
— Vamos para a casa principal, que o senhor Allen capturou Markham!
O seu grito foi repetido com entusiasmo e, de súbito, uma avalanche de homens precipitou-se como uma tromba para o alpendre onde se defendiam desesperadamente alguns sobreviventes dos defensores.
Rand afastou-se da janela e olhou para o sombrio Markham.
— Isto está a acabar, Seth. Os teus homens estão vencidos e os teus inimigos no pátio. Markham respondeu-lhe com uma blasfémia rouca.
O combate havia atingido o auge. Rand chegou como pôde à porta, empunhou os revólveres e encostou-se à parede, indicando a Connie que o imitasse. Ela estava assustada, mas obedeceu. Tiveram de esperar muito pouco. Mal haviam passado dez minutos quando uma voz vibrante ressoou nos ouvidos de Rand, fazendo-o estremecer:
— Rand, Rand! Onde estás?
Dando duas pernadas, e sobrepondo-se à dor e ao mareio, Rand chegou à porta e abriu-a, saindo para corredor.
Pela escadaria chegava Isabel, vestida de homem e com um revólver fumegante na mão direita. Tinha o braço esquerdo pendente e tinha a mão ensanguentada. Atrás dela vinham dois dos seus vaqueiros, armados com espingardas.
— Isa!
—Rand! Como estás?
—Bem. Mas... Estás ferida...
— Não é nada, embora me doa muito. Onde está Seth Markham?
Havia chegado a seu lado. Estava pálida, mas os seus olhos cintilavam. Rand segurou-a pelo braço são.
— Aí dentro, amarrado. Não devias ter vindo e muito menos tomado parte no assalto...
— Pensavas que te ia deixar à mercê destes canalhas? Como conseguiste entrar no rancho? Mas estás lívido...
— Tenho um ferimento sério e ardo em febre. Mas tive muita surte. Apanhei Markham na cama e depois matei Douglas... Entremos...
Isabel olhou com suspicácia para Connie, que acabava de aparecer no umbral.
— Quem é?
— Markham raptou-a e obrigou-a a tudo, ameaçando-a com matar toda a sua família se não acedesse. Ajudou-me muito. Entra...
Isabel entrou. Ia ver o seu inimigo, amarrado, lívido, com os olhos estriados de sangue e o rosto a refletir tudo o que lhe passava na alma. Parou acentuando-se a sua expressão de ódio. Durante um momento pareceu decidida a disparar sobre ele. Mas conteve-se e disse:
— Seria demasiadamente suave, Seth Harkham. Tu terás uma morte digna dos teus crimes...
Era meio-dia. Os edifícios do rancho de Seth Markham ardiam sob o sol cru. No pátio, sobre o muro, aqui e além, os corpos de meia centena de homens que haviam lutado até ao fim, certos de que se tratava duma luta sem quartel, jaziam em posições dramáticas.
Todas as cabeleiras haviam sido arrancadas pelos «comanches» que também tinham saqueado conscienciosamente o rancho, no que haviam colaborado também os vaqueiros de Valle Hermoso.
Agora, os dois grupos vencedores estavam a curta distância do rancho, com os seus feridos e os seus mortos.
Os «comanches» tinham sofrido pesadas perdas, uns vinte mortos e o dobro de feridos; mas mostravam-se satisfeitos com a vitória e o saque.
Os texanos de Valle Hermoso haviam tido cinco mortos e doze feridos. Mas nem só um dos homens de Markham se salvou. Este ia amarrado como um carneiro, deitado sobre a sela de um cavalo.
Haviam-lhe ligado as mãos e os pés por baixo do ventre do animal e não lhe permitiram nem que se vestisse.
Connie ia à garupa dum dos capatazes de Valle Hermoso. Rand ia numa padiola montada sobre dois animais dos capturados no rancho, tal como outros feridos graves. «Lobo Negro», o chefe «comanche», tinha recebido dois tiros, mas montava orgulhosamente o melhor cavalo de Seth Markham. Aproximou-se de Rand e falou-lhe no seu terrível inglês.
— Tu, senhor Allen, grande guerreiro, muito bravo, amigo de «comanches». Tu caminhar seguro sempre por terra de «comanche», diz eu. Eu desejo cures depressa e cases com menina Cortés.
— Assim espero, «Lobo Negro». Alegra-me ter-te conhecido. Cura-te depressa e sorte para os teus bravos e para ti.
— Howg!
O chefe índio olhou para Seth Markham e depois para Isabel. Esta encontrava-se com o braço esquerdo ao peito, pálida mas serena e firme na sua montada.
— Vocês levarem Markham a teu pai. Vocês darem morte lenta a ele. Eu contente. Cumprimentos a teu pai.
— Fá-lo-ei, «Lobo Negro». Até à vista e obrigada pela tua ajuda.
— Howg! Por roubar terra, mulheres e gado a «comanches», «comanches» ter conta larga para cobrar e ter cobrado. Agora nós levar gado, tudo. Boa sorte, amigos.
Estendeu a mão a Isabel que lha apertou e a seu irmão. Depois a Rand. Após o que esporeou o seu cavalo, emitiu um grito de guerra, os seus bravos responderam-lhe, seguindo-se um tropel de índios uivantes que se afastavam.
Isabel olhou para o rancho fumegante, envolto em chamas. Depois para Markham. Finalmente aproximou-se de Rand e sorriu-lhe.
— Meu amor, agora temos de regressar e curar-te. Cumpriste a tua palavra, eu cumprirei a minha com orgulho e amor...
Disse isto e inclinou-se apanhando-lhe a mão e apertando-lha. Depois endireitou-se e ordenou que a caravana se pusesse em marcha.
Rand Allen deixou então que a dor, a febre e a fadiga o vencessem. Tinha terminado a sua tarefa, agora era a vez de descansar.
Seth Markham receberia o seu castigo; nada nem ninguém o podiam salvar. O açoute que representara para aquela região do Texas, terra de violência, havia-se quebrado e, dali em diante, as pessoas poderiam trabalhar pacificamente sem recearem as suas quadrilhas de salteadores e assassinos.
Quando o acontecido se tornasse conhecido em Waco, todos suporiam tratar-se de uma razia dos índios. E, mesmo que se soubesse a verdade, ninguém poderia fazer nada. Na fronteira cada qual fazia justiça por suas mãos.
Como dissera um dia Jebediah Burns, aliás Lowatt, no Estado de Texas, soberano e livre, nesse verão de 1843, toda a gente fazia o que lhe apetecia, com a única condição de ter força suficiente para impedir que outros lho proibissem. Eles tinham-na, e fizeram-no...
E ele, agora, podia despedir-se da ideia de regressar a Maryland. Ali, no Texas violento, havia encontrado tudo o que um homem podia desejar. Uma mulher...
Mergulhou na inconsciência, enquanto a seu lado Isabel cavalgava com uma expressão enamorada e séria, pensando também no futuro feliz que a esperava e os homens de seu pai contavam as incidências do combate. O rancho arrasado e os bandidos mortos e sem cabeleira ficaram para trás, repasto para abutres e coiotes...
 
 
 
 
 
 
FIM

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