Dois cavaleiros aproximavam-se de Broad Pace. Quando chegaram ao alto de uma lomba, detiveram-se para admirar o soberbo vale. A povoação estava situada no meio dele.
À simples vista desarmada, podia apreciar-se que se tratava de uma localidade importante.
O caminho seguido pelos viajantes, desde que se internaram no Arizona, foi árido, escabroso, zonas monótonas, desertas, para cavalgar por um dédalo de vales e desfiladeiros, até chegar àquele magnífico vale, no seu caminho para Phoenix.
— Que esplêndido isto é, Babe ! — exclamou um dos cavaleiros. — Dá a impressão de um paraíso...
— Tenhamos cuidado... As aparências enganam...
Como se as palavras de Ron Delaney tivessem sido um mau presságio, ouviu-se o tropel de cavalos. Os dois amigos voltaram-se, e viram surgir de trás de algumas árvores, à sua direita, cinco cavaleiros. Ron ficou com a impressão de que eles estavam à sua espreita. O que vinha à frente era um homem de compleição robusta. A sua atitude era francamente ameaçadora. Os outros avançaram atrás dele, formando um semicírculo, no meio do qual ficassem os dois amigos. Estes permaneceram numa serena atitude.
— Onde vão, forasteiros? — inquiriu o cavaleiro da frente.
— Com que direito me pergunta isso? — quis saber Ron.
— Não tem que me perguntar coisa alguma. Eu é que quero a sua resposta.
— Creio estar no Arizona... uma região livre.
— Com efeito, estão no Arizona, mas a pisar terreno que me pertence...
Ron olhou à sua volta.
— Viste alguma vedação de arame, Babe ?!
— Não, Ron.
— Ouviu o meu companheiro. Não vimos, nem vemos nenhuma vedação de arame farpado.
O tipo enfureceu-se ao ouvir a resposta irónica do forasteiro e, fazendo avançar a sua montada, levantou o braço direito. Como se isto fosse um sinal, os cinco homens empunharam os seus revólveres. Parou junto de Ron e, sem que este esperasse o seu gesto, deu-lhe uma brutal bofetada com as costas da mão.
— Sou Bert Savold, o dono destas terras.
Ron reprimiu um gesto de ira e revolta e limpou as gotas de sangue que brotaram dos seus lábios feridos. Babe Custer, incapaz de conter-se, tentou repelir a agressão feita ao seu amigo, mas um dos vaqueiros aplicou-lhe uma violenta coronhada na cabeça, fazendo-o cair sobre o pescoço do seu cavalo.
— Aonde vão ? — tornou Savold a perguntar.
— Dirigimo-nos a Phoenix.
— Aconselho-os a não pararem em Broad Pace.
— Porquê ?
— Porque não simpatizamos com forasteiros jogadores, trapaceiros.
— O senhor não tem o direito de insultar-nos.
— Porque... não ? — perguntou o rancheiro, a rir, de revólver em punho.
A sua expressão fisionómica indicava bem a sua decisão de disparar. Notando isso, Ron resolveu permanecer imóvel. Aquele homem era capaz de matá-lo aleivosamente. Savold fitou-o por momentos, com os dentes cerrados. Depois, sorriu com dureza :
— Fora daqui !
Ron pegou na rédea da montada do seu companheiro e voltou-se, sem proferir palavra. Empreendeu a marcha, tornando a ouvir a voz de Savold :
— Não se esqueça do meu conselho !
Ele não o esquecia. E tanto assim, que estava resolvido a não segui-lo. Desejava uma oportunidade de ver-se diante de Bert Savold. Cuspiu, sentindo na boca o sabor acre do sangue.
O autoritário rancheiro havia de pagar bem caro, tanto a bofetada que lhe dera, como a coronhada que Custer recebera. Por mais que pensasse, não podia compreender a agressiva atitude de Savold e dos seus homens.
Ele e Babe tinham chegado ali, num galope moderado e haviam parado para admirar o vale e nada disso justificava a agressão brutal.
Depois de percorrer uns trinta metros, Ron deteve-se e examinou o seu amigo. O seu estado não o alarmou, embora pudesse ter funestas consequências, visto que ele estava ainda convalescente. Pegou no seu cantil, que desrolhou e despejou água sobre o rosto de Babe, que estremeceu e abriu os olhos.
— Canalhas ! Cobardes!
— Acalma-te...
— Já se foram?
— Não! Estão a observar-nos...
— Que vamos fazer?
— Esperar a oportunidade de conversarmos calmamente com Bert Savold. Quero verificar se ele é assim tão valente quando não tiver guarda--costas...
— Por que nos agrediu ?
— Pelo visto julga-se o dono desta parte do Arizona e não gosta de ver chegar forasteiros. Não me pude conter, quando vi que te esbofeteava.
— Foi mal feito, Babe. Se lhe tivesse respondido, ter-nos-iam assassinado.
Reataram a marcha. A localidade já era perto e Ron desejava chegar quanto antes, pois Babe mostrava estar abatido, mantendo-se firme na sela, graças a um prodígio de vontade.
Entraram na Rua Maior, que a essas horas se encontrava deserta. Ron ia olhando com atenção para os letreiros dos estabelecimentos. Viu um que dizia: Imperial Hotel. Apeou-se e ajudou o seu amigo a fazer o mesmo.
Entrou no vestíbulo e na receção pediu dois quartos. Babe procurou manter-se erguido e logo que chegou ao seu quarto estendeu-se na cama. Ron teve de ajudá-lo a despir-se.
Babe lavou-se convenientemente e não tardou então a deitar-se, enquanto Ron saía para ir buscar a sua bagagem, constituída por sacos e embrulhos. Tratou de lavar-se também. Quando foi de novo ao quarto de Babe, este fumava com toda a tranquilidade. Sentia-se mais aliviado.
O jovem sorriu.
— Então ?! Sentes-te melhor?
— Sinto. Já vão passando os efeitos da coronhada.
Apesar da impassibilidade do semblante de Ron, o amigo conhecia-o bem para não advertir que ele estava furioso. Jamais perdoaria a bofetada que Savold lhe tinha dado. Estariam uns dias em Broad Pace, até conversarem demoradamente com o autoritário rancheiro.
— Trata de descansar, Babe...
— É o que farei. Bem preciso.
Ron saiu à rua e desamarrando os cavalos, conduziu-os a um curral, pedindo ao abegão que tratasse deles convenientemente. Passeou algum tempo pela localidade, notando que Broad Pace era a mais importante povoação que encontravam desde que tinham saído de S. Francisco. Nos arrabaldes existiam numerosos currais, quase todos cheios de gado e compreendeu a que se devia isso. Dos ranchos da região chegavam os rebanhos preparados para a venda, aos marchantes que se encarregavam de transportá-los para leste.
O nome da localidade ajustava-se às características do vale, representando uma larga passagem para a saída dos animais.
Ron meditou sobre as possibilidades daquele lugar. Se as pessoas de mais destaque conseguissem fazer chegar o caminho de ferro até ao vale, isso representaria uma fabulosa fonte de receitas.
O dia começava a declinar. A Rua Maior era cruzada continuamente por numerosos transeuntes. De vez em quando, passavam alguns cavaleiros. Ron ia distraído, quando se certificou de que uma carruagem corria, à desfilada, atrás de si. Só teve tempo de saltar para cima do passeio. Ouviu um riso sarcástico e uma voz feminina:
— Aqui não se pode andar distraído, forasteiro !...
Apesar da sua indignação, não pôde deixar de admirar a condutora da carruagem.
Era uma belíssima jovem, vestindo um traje de amazona, que fazia realçar as suas formas esculturais. Por baixo do seu chapéu, apareciam uns cabelos dourados, que lhe caíam sobre os ombros.
Em S. Francisco, onde existiam tantas mulheres bonitas, aquela jovem conseguiria atrair a atenção de toda a gente.
— Apresento-lhe as minhas desculpas, menina.
Ela fez um trejeito de desagrado. A sua expressão trocista desapareceu para dar lugar a uma atitude altiva, afastando-se sem voltar a cabeça.
Ron permaneceu imóvel, até perdê-la de vista. Depois, encolheu os ombros e continuou a caminhar.
Sem embargo e mesmo contra sua vontade, a recordação da desconhecida voltou à sua mente. Apesar de tê-la visto apenas alguns segundos, as suas feições ficaram-lhe gravadas na retina. As suas faces levemente coradas, a sua linda boca de lábios vermelhos, o nariz um pouco respingão e os seus grandes e luminosos olhos azuis, tudo isso formava um conjunto atraente, subjugador. Calculou que teria vinte e dois anos. Tratava-se de uma das mais belas jovens que conhecera até ali.
Abanou a cabeça. Não queria apaixonar-se como um jovem vaqueiro. Era um homem habituado, já se vira em situações semelhantes e devia estar imunizado contra todas as emoções, não devendo perturbar-se nem pelas mais imprevistas. E eis que a rápida presença de uma jovem o impressionava. Não! Aquilo não estava bem para ele.
Deteve-se ante o «saloon», no qual entrou sem vacilar. Era uma casa ampla, com todas as condições para fazer bom negócio. O seu olhar experimentado compreendeu isso imediatamente. A população devia ser grande, os ranchos nas proximidades eram numerosos e além disso era o centro daquela região. Deviam realizar-se grandes e lucrativos negócios. Portanto, boa parte desse dinheiro tinha de ir parar à gaveta do «saloon».
Acercou-se do balcão e pediu uma caneca de cerveja, e bebeu metade quase de um trago. Era de boa qualidade. Georges Clifford não teria comprado tão boa.
A recordação do seu inimigo fê-lo franzir o sobrecenho. Se tivesse continuado mais uns anos em S. Francisco, ele e Babe teriam enriquecido. Em troca, nesse momento, contava apenas com alguns milhares de dólares. Teria de começar em outra localidade, possivelmente em Phoenix, visto que a sua estada em Broad Pace demoraria apenas até ajustar contas com Bert Savold.
Regressou ao hotel pouco antes da hora de cear. Babe já se tinha levantado e o seu rosto jovial havia recuperado a sua animação habitual. Ron não lhe fez pergunta alguma, acerca do seu estado de saúde. Limitou-se a dar-lhe uma palmada nas costas.
— Que tal o passeio, Ron?!
— Bastante elucidativo. Broad Pace é uma grande terra. Ter um «saloon» deve ser um bom negócio. Dá-me a impressão de que aqui há muito dinheiro. Tens apetite ?
— De um lobo esfomeado.
O jovem pôs-se a rir. Uma das características mais acentuadas de Babe era o seu insaciável apetite. Comia sem cessar. As suas mandíbulas não paravam, dando a impressão de ser uma formidável máquina de triturar. Felizmente para Babe, não teve razão para se queixar da cozinha do hotel, pois o comer era bom e servido com abundância.
— Só te digo que em Broad Pace come-se admiravelmente.
Ron não pôde conter uma gargalhada, ante a seriedade com que o amigo fizera o comentário.
— Alegro-me por ti, Babe. De contrário, seria horrível ter de passar uns dias nesta terra.
— Ver-me-ia obrigado a ir ao encontro de Savold...
— O que constituiria um solene disparate.
— É possível. Nunca me esquecerei da cara do tipo que me agrediu. Se um dia consigo pôr-lhe as mãos em cima, também não se esquecerá de mim.
Ron levantou-se, sendo imitado pelo seu companheiro e amigo. Saíram.
A rua estava mergulhada quase em completa escuridão. Entraram no «saloon». Como Ron suspeitara, achava-se bastante concorrido. As mesas de jogo estavam cheias, animadas.
Ron deteve-se ante uma delas, certificando-se logo à primeira vista, que se jogava forte. Um dos parceiros não tardou a levantar-se de mau-humor, sinal de que devia ter perdido bastante. Ron deitou logo a mão à cadeira.
— Pode-se jogar?
— Pode sentar-se, forasteiro! — respondeu um dos outros.
Ron não tardou em compreender que os jogadores não eram de recear. Tinham uma noção um tanto limitada do póquer e ser-lhe-ia fácil ganhar. O seu rosto permanecia impassível e os gestos firmes. Colocava o dinheiro dos envites com a mesma indiferença, como recolhia o que ganhava.
Ron, ao levantar os olhos, viu na sua frente dois dos cavaleiros que o tinham detido, antes de entrar na povoação. Ambos o observavam com uma expressão malévola. Ele sorriu ligeiramente.
— Alegro-me por tornar a vê-los.
— Bert Savold disse-lhe que não se atrevesse a ficar em Broad Pace...
— Lembro-me perfeitamente. Mas dá-se a casualidade de que gosto da terra. Como podem verificar, a sorte é-me propícia.
Os dois homens tomaram uma atitude ameaçadora, ao ouvir a sua observação irónica. As suas mãos estavam prestes a empunhar os «Colt». Os jogadores levantaram-se assustados. Não tardaria a ouvir-se tiroteio no «saloon» e eles não queriam ser atingidos por alguma bala.
Babe permaneceu ao lado de Ron, que continuava sentado, com as mãos sobre a mesa, numa posição desvantajosa.
— Você é um trapaceiro! — exclamou um dos homens, empunhando o seu «Colt».
Mas não chegou a apertar o gatilho. A destra de Ron moveu-se rapidamente e, ao tocar no revólver, bastou inclinar ligeiramente o cano e disparar. O vaqueiro, alcançado em pleno peito, caiu pesadamente. Babe interveio também. Quando o outro vaqueiro ia empunhar o «Colt», ele disparou o seu, arrancando-lhe a arma. Depois, agarrando-lhe com a mão esquerda a camisa, atirou o seu punho direito contra o maxilar, fazendo-o cair no chão, espetacularmente.
O vaqueiro levantou-se aturdido.
— O outro dia você foi um «valentão» dando-me uma coronhada na cabeça. Demonstre agora que continua a ser valente.
O vaqueiro lançou o seu punho direito, mas Babe moveu-se para o lado contrário, evitando o golpe e, por sua vez, com a esquerda, alcançou-lhe o estômago. A dor fez que o outro se agachasse, pelo que recebeu nos queixos um gancho tão formidável, que caiu no chão, sem sentidos.
O hercúleo Babe levantou-o e pegando numa garrafa de água, despejou-lha no rosto. O vaqueiro abriu os olhos, espavorido, ao ver-se à mercê do seu adversário.
— Não o vou matar... Diga a Bert Savold que ficaremos em Broad Pace. Percebeu?
Endireitou-o, levantando-o no ar e foi com ele até à porta. Depois, com uma patada, atirou-o para o meio da rua.
— Estou desforrado da coronhada que me deste, patife.
Voltou para dentro. Todos os clientes do «saloon» fitaram-nos com admiração. O feito ocorrera tão rapidamente que estavam ainda debaixo da mesma impressão. Ron não tinha pena de ter matado aquele homem. Tratava-se de um bandido que o teria liquidado, se ele não se defendesse com tanta rapidez.
— Entregue-me o seu revólver, forasteiro.
Ron voltou-se e viu o xerife na sua frente. Era um homem alto, magro, de uns cinquenta anos. Sorriu e, em vez de obedecer, replicou:
— Não estou acostumado a fazer isso...
— Porquê ? Quer desrespeitar a lei?
— De maneira alguma. Mas agi em legítima defesa.
O xerife relanceou a vista, à sua volta.
— Isso é verdade?
Todos os circunstantes confirmaram as palavras de Ron.
— O melhor que têm a fazer é marcharem quanto antes de Broad Pace...
Ron sorriu:
— É curioso ! De há tempo a esta parte, todos se apressam a dar-me esse conselho. Pelos vistos, a minha presença não parece agradar a muita gente.
— O senhor granjeou um perigoso inimigo...
— Não receio Bert Savold.
— Quê? Já o conhece?!
— Sim, senhor. Tive esse prazer pouco antes de chegar aqui. Sem motivo justificado, os seus homens enfrentaram-nos, de revólver em punho, Bert esbofeteou-me, e, quando este meu amigo quis defender-me, deram-lhe uma coronhada. Desejaria comprovar se ele é capaz de repetir a sua «valentia»...
— Isso é provocar uma luta.
— Ele é que é o causador disto.
— Faça o que quiser. Não posso obrigá-los a saírem da povoação.
— Se o senhor, que é o verdadeiro representante da lei, não pode obrigar-nos a isso, como é que Bert Savold se arroga esse poder?
O xerife voltou-se e deu a ordem necessária para retirarem dali o cadáver do vaqueiro. Quando se preparava para sair, Ron acercou-se dele.
— Chamo-me Ron Delaney... Estarei sempre à sua disposição.
O xerife fitou-o e abaixou a voz :
— Tenha cuidado. Arranjou um inimigo terrível...
— Obrigado. Mas procurarei não ser apanhado desprevenido.
À simples vista desarmada, podia apreciar-se que se tratava de uma localidade importante.
O caminho seguido pelos viajantes, desde que se internaram no Arizona, foi árido, escabroso, zonas monótonas, desertas, para cavalgar por um dédalo de vales e desfiladeiros, até chegar àquele magnífico vale, no seu caminho para Phoenix.
— Que esplêndido isto é, Babe ! — exclamou um dos cavaleiros. — Dá a impressão de um paraíso...
— Tenhamos cuidado... As aparências enganam...
Como se as palavras de Ron Delaney tivessem sido um mau presságio, ouviu-se o tropel de cavalos. Os dois amigos voltaram-se, e viram surgir de trás de algumas árvores, à sua direita, cinco cavaleiros. Ron ficou com a impressão de que eles estavam à sua espreita. O que vinha à frente era um homem de compleição robusta. A sua atitude era francamente ameaçadora. Os outros avançaram atrás dele, formando um semicírculo, no meio do qual ficassem os dois amigos. Estes permaneceram numa serena atitude.
— Onde vão, forasteiros? — inquiriu o cavaleiro da frente.
— Com que direito me pergunta isso? — quis saber Ron.
— Não tem que me perguntar coisa alguma. Eu é que quero a sua resposta.
— Creio estar no Arizona... uma região livre.
— Com efeito, estão no Arizona, mas a pisar terreno que me pertence...
Ron olhou à sua volta.
— Viste alguma vedação de arame, Babe ?!
— Não, Ron.
— Ouviu o meu companheiro. Não vimos, nem vemos nenhuma vedação de arame farpado.
O tipo enfureceu-se ao ouvir a resposta irónica do forasteiro e, fazendo avançar a sua montada, levantou o braço direito. Como se isto fosse um sinal, os cinco homens empunharam os seus revólveres. Parou junto de Ron e, sem que este esperasse o seu gesto, deu-lhe uma brutal bofetada com as costas da mão.
— Sou Bert Savold, o dono destas terras.
Ron reprimiu um gesto de ira e revolta e limpou as gotas de sangue que brotaram dos seus lábios feridos. Babe Custer, incapaz de conter-se, tentou repelir a agressão feita ao seu amigo, mas um dos vaqueiros aplicou-lhe uma violenta coronhada na cabeça, fazendo-o cair sobre o pescoço do seu cavalo.
— Aonde vão ? — tornou Savold a perguntar.
— Dirigimo-nos a Phoenix.
— Aconselho-os a não pararem em Broad Pace.
— Porquê ?
— Porque não simpatizamos com forasteiros jogadores, trapaceiros.
— O senhor não tem o direito de insultar-nos.
— Porque... não ? — perguntou o rancheiro, a rir, de revólver em punho.
A sua expressão fisionómica indicava bem a sua decisão de disparar. Notando isso, Ron resolveu permanecer imóvel. Aquele homem era capaz de matá-lo aleivosamente. Savold fitou-o por momentos, com os dentes cerrados. Depois, sorriu com dureza :
— Fora daqui !
Ron pegou na rédea da montada do seu companheiro e voltou-se, sem proferir palavra. Empreendeu a marcha, tornando a ouvir a voz de Savold :
— Não se esqueça do meu conselho !
Ele não o esquecia. E tanto assim, que estava resolvido a não segui-lo. Desejava uma oportunidade de ver-se diante de Bert Savold. Cuspiu, sentindo na boca o sabor acre do sangue.
O autoritário rancheiro havia de pagar bem caro, tanto a bofetada que lhe dera, como a coronhada que Custer recebera. Por mais que pensasse, não podia compreender a agressiva atitude de Savold e dos seus homens.
Ele e Babe tinham chegado ali, num galope moderado e haviam parado para admirar o vale e nada disso justificava a agressão brutal.
Depois de percorrer uns trinta metros, Ron deteve-se e examinou o seu amigo. O seu estado não o alarmou, embora pudesse ter funestas consequências, visto que ele estava ainda convalescente. Pegou no seu cantil, que desrolhou e despejou água sobre o rosto de Babe, que estremeceu e abriu os olhos.
— Canalhas ! Cobardes!
— Acalma-te...
— Já se foram?
— Não! Estão a observar-nos...
— Que vamos fazer?
— Esperar a oportunidade de conversarmos calmamente com Bert Savold. Quero verificar se ele é assim tão valente quando não tiver guarda--costas...
— Por que nos agrediu ?
— Pelo visto julga-se o dono desta parte do Arizona e não gosta de ver chegar forasteiros. Não me pude conter, quando vi que te esbofeteava.
— Foi mal feito, Babe. Se lhe tivesse respondido, ter-nos-iam assassinado.
Reataram a marcha. A localidade já era perto e Ron desejava chegar quanto antes, pois Babe mostrava estar abatido, mantendo-se firme na sela, graças a um prodígio de vontade.
Entraram na Rua Maior, que a essas horas se encontrava deserta. Ron ia olhando com atenção para os letreiros dos estabelecimentos. Viu um que dizia: Imperial Hotel. Apeou-se e ajudou o seu amigo a fazer o mesmo.
Entrou no vestíbulo e na receção pediu dois quartos. Babe procurou manter-se erguido e logo que chegou ao seu quarto estendeu-se na cama. Ron teve de ajudá-lo a despir-se.
Babe lavou-se convenientemente e não tardou então a deitar-se, enquanto Ron saía para ir buscar a sua bagagem, constituída por sacos e embrulhos. Tratou de lavar-se também. Quando foi de novo ao quarto de Babe, este fumava com toda a tranquilidade. Sentia-se mais aliviado.
O jovem sorriu.
— Então ?! Sentes-te melhor?
— Sinto. Já vão passando os efeitos da coronhada.
Apesar da impassibilidade do semblante de Ron, o amigo conhecia-o bem para não advertir que ele estava furioso. Jamais perdoaria a bofetada que Savold lhe tinha dado. Estariam uns dias em Broad Pace, até conversarem demoradamente com o autoritário rancheiro.
— Trata de descansar, Babe...
— É o que farei. Bem preciso.
Ron saiu à rua e desamarrando os cavalos, conduziu-os a um curral, pedindo ao abegão que tratasse deles convenientemente. Passeou algum tempo pela localidade, notando que Broad Pace era a mais importante povoação que encontravam desde que tinham saído de S. Francisco. Nos arrabaldes existiam numerosos currais, quase todos cheios de gado e compreendeu a que se devia isso. Dos ranchos da região chegavam os rebanhos preparados para a venda, aos marchantes que se encarregavam de transportá-los para leste.
O nome da localidade ajustava-se às características do vale, representando uma larga passagem para a saída dos animais.
Ron meditou sobre as possibilidades daquele lugar. Se as pessoas de mais destaque conseguissem fazer chegar o caminho de ferro até ao vale, isso representaria uma fabulosa fonte de receitas.
O dia começava a declinar. A Rua Maior era cruzada continuamente por numerosos transeuntes. De vez em quando, passavam alguns cavaleiros. Ron ia distraído, quando se certificou de que uma carruagem corria, à desfilada, atrás de si. Só teve tempo de saltar para cima do passeio. Ouviu um riso sarcástico e uma voz feminina:
— Aqui não se pode andar distraído, forasteiro !...
Apesar da sua indignação, não pôde deixar de admirar a condutora da carruagem.
Era uma belíssima jovem, vestindo um traje de amazona, que fazia realçar as suas formas esculturais. Por baixo do seu chapéu, apareciam uns cabelos dourados, que lhe caíam sobre os ombros.
Em S. Francisco, onde existiam tantas mulheres bonitas, aquela jovem conseguiria atrair a atenção de toda a gente.
— Apresento-lhe as minhas desculpas, menina.
Ela fez um trejeito de desagrado. A sua expressão trocista desapareceu para dar lugar a uma atitude altiva, afastando-se sem voltar a cabeça.
Ron permaneceu imóvel, até perdê-la de vista. Depois, encolheu os ombros e continuou a caminhar.
Sem embargo e mesmo contra sua vontade, a recordação da desconhecida voltou à sua mente. Apesar de tê-la visto apenas alguns segundos, as suas feições ficaram-lhe gravadas na retina. As suas faces levemente coradas, a sua linda boca de lábios vermelhos, o nariz um pouco respingão e os seus grandes e luminosos olhos azuis, tudo isso formava um conjunto atraente, subjugador. Calculou que teria vinte e dois anos. Tratava-se de uma das mais belas jovens que conhecera até ali.
Abanou a cabeça. Não queria apaixonar-se como um jovem vaqueiro. Era um homem habituado, já se vira em situações semelhantes e devia estar imunizado contra todas as emoções, não devendo perturbar-se nem pelas mais imprevistas. E eis que a rápida presença de uma jovem o impressionava. Não! Aquilo não estava bem para ele.
Deteve-se ante o «saloon», no qual entrou sem vacilar. Era uma casa ampla, com todas as condições para fazer bom negócio. O seu olhar experimentado compreendeu isso imediatamente. A população devia ser grande, os ranchos nas proximidades eram numerosos e além disso era o centro daquela região. Deviam realizar-se grandes e lucrativos negócios. Portanto, boa parte desse dinheiro tinha de ir parar à gaveta do «saloon».
Acercou-se do balcão e pediu uma caneca de cerveja, e bebeu metade quase de um trago. Era de boa qualidade. Georges Clifford não teria comprado tão boa.
A recordação do seu inimigo fê-lo franzir o sobrecenho. Se tivesse continuado mais uns anos em S. Francisco, ele e Babe teriam enriquecido. Em troca, nesse momento, contava apenas com alguns milhares de dólares. Teria de começar em outra localidade, possivelmente em Phoenix, visto que a sua estada em Broad Pace demoraria apenas até ajustar contas com Bert Savold.
Regressou ao hotel pouco antes da hora de cear. Babe já se tinha levantado e o seu rosto jovial havia recuperado a sua animação habitual. Ron não lhe fez pergunta alguma, acerca do seu estado de saúde. Limitou-se a dar-lhe uma palmada nas costas.
— Que tal o passeio, Ron?!
— Bastante elucidativo. Broad Pace é uma grande terra. Ter um «saloon» deve ser um bom negócio. Dá-me a impressão de que aqui há muito dinheiro. Tens apetite ?
— De um lobo esfomeado.
O jovem pôs-se a rir. Uma das características mais acentuadas de Babe era o seu insaciável apetite. Comia sem cessar. As suas mandíbulas não paravam, dando a impressão de ser uma formidável máquina de triturar. Felizmente para Babe, não teve razão para se queixar da cozinha do hotel, pois o comer era bom e servido com abundância.
— Só te digo que em Broad Pace come-se admiravelmente.
Ron não pôde conter uma gargalhada, ante a seriedade com que o amigo fizera o comentário.
— Alegro-me por ti, Babe. De contrário, seria horrível ter de passar uns dias nesta terra.
— Ver-me-ia obrigado a ir ao encontro de Savold...
— O que constituiria um solene disparate.
— É possível. Nunca me esquecerei da cara do tipo que me agrediu. Se um dia consigo pôr-lhe as mãos em cima, também não se esquecerá de mim.
Ron levantou-se, sendo imitado pelo seu companheiro e amigo. Saíram.
A rua estava mergulhada quase em completa escuridão. Entraram no «saloon». Como Ron suspeitara, achava-se bastante concorrido. As mesas de jogo estavam cheias, animadas.
Ron deteve-se ante uma delas, certificando-se logo à primeira vista, que se jogava forte. Um dos parceiros não tardou a levantar-se de mau-humor, sinal de que devia ter perdido bastante. Ron deitou logo a mão à cadeira.
— Pode-se jogar?
— Pode sentar-se, forasteiro! — respondeu um dos outros.
Ron não tardou em compreender que os jogadores não eram de recear. Tinham uma noção um tanto limitada do póquer e ser-lhe-ia fácil ganhar. O seu rosto permanecia impassível e os gestos firmes. Colocava o dinheiro dos envites com a mesma indiferença, como recolhia o que ganhava.
Ron, ao levantar os olhos, viu na sua frente dois dos cavaleiros que o tinham detido, antes de entrar na povoação. Ambos o observavam com uma expressão malévola. Ele sorriu ligeiramente.
— Alegro-me por tornar a vê-los.
— Bert Savold disse-lhe que não se atrevesse a ficar em Broad Pace...
— Lembro-me perfeitamente. Mas dá-se a casualidade de que gosto da terra. Como podem verificar, a sorte é-me propícia.
Os dois homens tomaram uma atitude ameaçadora, ao ouvir a sua observação irónica. As suas mãos estavam prestes a empunhar os «Colt». Os jogadores levantaram-se assustados. Não tardaria a ouvir-se tiroteio no «saloon» e eles não queriam ser atingidos por alguma bala.
Babe permaneceu ao lado de Ron, que continuava sentado, com as mãos sobre a mesa, numa posição desvantajosa.
— Você é um trapaceiro! — exclamou um dos homens, empunhando o seu «Colt».
Mas não chegou a apertar o gatilho. A destra de Ron moveu-se rapidamente e, ao tocar no revólver, bastou inclinar ligeiramente o cano e disparar. O vaqueiro, alcançado em pleno peito, caiu pesadamente. Babe interveio também. Quando o outro vaqueiro ia empunhar o «Colt», ele disparou o seu, arrancando-lhe a arma. Depois, agarrando-lhe com a mão esquerda a camisa, atirou o seu punho direito contra o maxilar, fazendo-o cair no chão, espetacularmente.
O vaqueiro levantou-se aturdido.
— O outro dia você foi um «valentão» dando-me uma coronhada na cabeça. Demonstre agora que continua a ser valente.
O vaqueiro lançou o seu punho direito, mas Babe moveu-se para o lado contrário, evitando o golpe e, por sua vez, com a esquerda, alcançou-lhe o estômago. A dor fez que o outro se agachasse, pelo que recebeu nos queixos um gancho tão formidável, que caiu no chão, sem sentidos.
O hercúleo Babe levantou-o e pegando numa garrafa de água, despejou-lha no rosto. O vaqueiro abriu os olhos, espavorido, ao ver-se à mercê do seu adversário.
— Não o vou matar... Diga a Bert Savold que ficaremos em Broad Pace. Percebeu?
Endireitou-o, levantando-o no ar e foi com ele até à porta. Depois, com uma patada, atirou-o para o meio da rua.
— Estou desforrado da coronhada que me deste, patife.
Voltou para dentro. Todos os clientes do «saloon» fitaram-nos com admiração. O feito ocorrera tão rapidamente que estavam ainda debaixo da mesma impressão. Ron não tinha pena de ter matado aquele homem. Tratava-se de um bandido que o teria liquidado, se ele não se defendesse com tanta rapidez.
— Entregue-me o seu revólver, forasteiro.
Ron voltou-se e viu o xerife na sua frente. Era um homem alto, magro, de uns cinquenta anos. Sorriu e, em vez de obedecer, replicou:
— Não estou acostumado a fazer isso...
— Porquê ? Quer desrespeitar a lei?
— De maneira alguma. Mas agi em legítima defesa.
O xerife relanceou a vista, à sua volta.
— Isso é verdade?
Todos os circunstantes confirmaram as palavras de Ron.
— O melhor que têm a fazer é marcharem quanto antes de Broad Pace...
Ron sorriu:
— É curioso ! De há tempo a esta parte, todos se apressam a dar-me esse conselho. Pelos vistos, a minha presença não parece agradar a muita gente.
— O senhor granjeou um perigoso inimigo...
— Não receio Bert Savold.
— Quê? Já o conhece?!
— Sim, senhor. Tive esse prazer pouco antes de chegar aqui. Sem motivo justificado, os seus homens enfrentaram-nos, de revólver em punho, Bert esbofeteou-me, e, quando este meu amigo quis defender-me, deram-lhe uma coronhada. Desejaria comprovar se ele é capaz de repetir a sua «valentia»...
— Isso é provocar uma luta.
— Ele é que é o causador disto.
— Faça o que quiser. Não posso obrigá-los a saírem da povoação.
— Se o senhor, que é o verdadeiro representante da lei, não pode obrigar-nos a isso, como é que Bert Savold se arroga esse poder?
O xerife voltou-se e deu a ordem necessária para retirarem dali o cadáver do vaqueiro. Quando se preparava para sair, Ron acercou-se dele.
— Chamo-me Ron Delaney... Estarei sempre à sua disposição.
O xerife fitou-o e abaixou a voz :
— Tenha cuidado. Arranjou um inimigo terrível...
— Obrigado. Mas procurarei não ser apanhado desprevenido.
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