terça-feira, 11 de dezembro de 2018

KNS128.04 Serpente pronta a dar a picada

Delaney reuniu o pessoal do «saloon» e todos o escutaram em silêncio. Quando acabou de expor o sucedido, Ron acrescentou:
— Todos podem ficar nos lugares que ocupam, com o mesmo ordenado. Não lhes prometo mais nada. Só o futuro dirá o que poderei fazer mais tarde. Entretanto, quero adverti-los de que não tolerarei aqui trapaças no jogo. E cada um terá a responsabilidade de fiscalizar as mesas, onde se jogar. Independentemente disso, vou abastecer o «saloon» das melhores qualidades de bebida.
As suas decisões calaram no ânimo de todos. A mudança de patrão foi acolhida com verdadeiro agrado e os empregados dispuseram-se a trabalhar com renovado ardor.
Babe Custer tinha exatamente a mesma autoridade no «saloon», que o seu amigo. O aspeto do pessoal agradava-lhe inteiramente, com exceção de um empregado de mesa, que ele prometeu a si próprio vigiar com o maior cuidado. Se se provasse alguma coisa, despedi-lo-ia. Ron e Babe foram nesse dia ao cartório do juiz, que era em sua própria casa.
Sem saber bem porquê, o jovem pressentia estar em frente de um inimigo. Um homem, que permitia a atuação de um poderoso «trust» numa povoação, cujos destinos regia, não podia ser honrado. Já não pelo facto de permitir a sua existência, mas pela ilegalidade dos seus processos. Lawrence Godfrey devia contar cinquenta anos, era de estatura média e seco e tinha um olhar duro. Foi ao encontro dos seus visitantes. Vestia um fato cinzento, de riscas brancas. Não mostrou a menor amabilidade ao dirigir-se-lhes:
— Que desejam?


— Chamo-me Ron Delaney. E este meu amigo é Babe Custer, meu sócio. Suponho que devia estar já inteirado da nossa presença em Broad Pace.
— Sim. O xerife informou-me e, pelo que me disse, o senhor parece ser muito impulsivo.
— Só quando me atacam...
— Isso não é nada bom para quem quer sobreviver nesta parte do Arizona.
— Pois eu confio em fazê-lo...
Godfrey franziu o cenho. O visitante expressava-se com arrogância, e isso lastimava o seu amor-próprio. Sentiu-se incomodado ao verificar a firmeza de Ron Delaney. Quis sustentar o seu olhar sereno, mas foi ele quem se viu obrigado a desviar a vista. Disse, então, com aspereza:
— Perguntei-lhes o que desejam!
Ron sorriu, e tirando do bolso o documento passado por Paul Adams, mostrou-lho sem articular uma só palavra. O juiz leu-o com a maior atenção. Ao que parece, ele estava ao corrente do ocorrido, pois na sua expressão fisionómica não havia o menor sinal de surpresa.
— Quer dizer que o senhor é o novo dono do «saloon»...
— Está aí bem expresso. E não pode haver dúvidas acerca da sua legalidade.
— Assim é! — replicou o juiz.
— Só desejava saber isso, senhor. Tive muito prazer em conhecê-lo.
Ron inclinou-se ligeiramente, sem lhe estender a mão. Foi então que Godfrey sorriu pela primeira vez, oferecendo-lhes a destra, que os dois amigos estreitaram, sem a menor cordialidade. — Se precisarem da minha ajuda, estou às vossas ordens.
— Muito obrigado, senhor.
Uma vez na rua, Delaney respirou a plenos pulmões, como se a presença do juiz Goldfrey lho tivesse impedido.
— Não me agrada nada este tipo.
— Nem a mim — concordou Babe. — Deu-me a impressão de uma serpente preparada para dar uma picada.
O jovem pôs-se a rir, ao ouvir a comparação feita pelo seu amigo, reconhecendo que se ajustava à realidade. Aquele homem devia ser cruel e orgulhoso, possuído pela vaidade do seu alto cargo. Existia grande diferença entre ele e o xerife. Enquanto o juiz parecia estar comprazido da sua posição e da forma como se desenrolavam os acontecimentos no vale, o xerife dava a impressão de tentar cumprir o seu dever, apesar da extensa rede que impedia os seus movimentos.
Detiveram-se em frente de um bazar. Ron pôs-se a ver a montra. Se antes de se aproximar dela tinha já a intenção de comprar alguma coisa, essa intenção fortaleceu-se ao ver dentro do estabelecimento a bela jovem que quase o atropelara com a sua carruagem.
— Vamos comprar tabaco, Babe.
Este seguiu-o com indiferença, não vendo na atitude do seu amigo nada que lhe fizesse desconfiar das suas intenções.
O dono do bazar atendia com toda a deferência os pedidos de Virgínia Hamilton, uma das suas melhores freguesas. A jovem pagou a importância das suas compras e pegou nos embrulhos que o dono do estabelecimento acabava de fazer.
Ao voltar-se, tropeçou com Ron, que se colocara atrás dela, de forma a dar-se esse encontro, como se fosse involuntário. A jovem retrocedeu um passo, mas um dos pacotes pequenos caiu-lhe no chão. Ron apressou-se a apanhá-lo e, descobrindo-se, disse:
— Perdoe a minha distração, menina!...
— Ah! É o senhor... — exclamou ela, ao reconhecê-lo.
— É prodigioso! Lembra-se de mim...
— Naturalmente... Existem tão poucas pessoas distraídas...
— Permita que me apresente: Ron Delaney, sempre às suas ordens.
— Creio não necessitar dos seus serviços, senhor. Não me seria possível confiar nas suas qualidades... Como disse há pouco, é muito distraído.
Ron mordeu os lábios, despeitado pela viva réplica de Virgínia. Quando ia para responder-lhe já ela tinha saído, com um ar indiferente. Babe pôs-se a rir.
— É um demónio esta rapariga...
— Se é!... Diabolicamente bonita. E com personalidade...
— Talvez demasiada.
O jovem continuava com o olhar fixo na porta, como se esperasse ver entrar de novo Virgínia. Mas sentiu-se defraudado. A jovem já ia bastante longe do bazar. Encolheu os ombros e voltou-se para o balcão.
— Que deseja, senhor Delaney? — perguntou o comerciante, a sorrir.
— O senhor conhece-me? — replicou ele, surpreendido.
— Não há ninguém em Boad Pace que não o conheça.
— E esta menina que acabou de sair daqui, também?!
— A menina Hamilton talvez o ignore... Ela não vive na povoação.
— É dona de algum rancho? — Desde que seu pai faleceu. O irmão é que o administra, mas ela ajuda-o.
— É interessante. Dê-me duas libras de tabaco picado, papel, de fumar e uma dúzia de caixas de fósforos.
Quando saíram, Babe Custer fitou-o com o seu olhar ingénuo. Ron franziu a testa. Sempre que Babe o olhava daquela maneira, era para censurá-lo e, nesse momento, ele sentia-se culpado.
— Que tens que dizer, Babe?!
— Portaste-te muito mal, Ron. O teu procedimento não foi de um cavalheiro.
— Não te percebo.
— Percebes de mais. Comigo não podes dissimular...
— Estava distraído, podes crer...
— Pois não creio. Tu não costumas cometer... distrações... Esperaste que ela se voltasse...
— Está bem. Fiz isso, de propósito. Parece-me que não é nenhum crime...
— Não é... Mas nesse jogo, podes perder...
— Ora! Conheço muito bem as mulheres...
— Já sei. Mas não conheces as meninas desta classe.
Ron soltou uma gargalhada, como se zombasse das palavras do seu fiel e dedicado amigo. Mas Intimamente não estava convencido. A beleza daquela rapariga impressionara-o, bem como a sua firmeza e domínio.
Ron desenvolveu uma extraordinária atividade, realizando algumas inovações no interior do «saloon». Mandou também fazer um novo letreiro a toda a largura da fachada, constituído por uma caixa, com tampa de vidro, iluminada por dentro. Babe auxiliava-o em tudo e, por vezes, dava-lhe conselhos judiciosos que Ron aceitava.
Antes do meio-dia chegou um numeroso rebanho de reses. Os vaqueiros, depois de guardá-lo numa cerca, nos arrabaldes da povoação, acudiram ao «saloon» para limpar as gargantas do pó do caminho. Chalaceavam alegremente, mas o homem que marchava à frente deles permanecia sério, como se a sua chegada a Broad Pace não lhe causasse alegria.
Ron adivinhou os seus pensamentos. Aquele homem era, decerto, o dono das reses. Devia ser triste vendê-las por um preço mais baixo do seu real valor e ver que pessoas pouco escrupulosas levavam-lhe o lucro que ele podia ter, só pelo simples facto de impor-se uma lei apoiada nos revólveres de inúmeros pistoleiros.
Os vaqueiros ocuparam o comprido balcão. O «barman» tinha de multiplicar-se para ir colocando diante deles jarros de cerveja, deixando os vazios em fila, para mais facilmente fazer as contas.
Ron e Babe olharam-se. O «saloon» constituía um bom negócio. O jovem tinha o pressentimento de que Bert Savold não tardaria a aparecer. Os seus homens já deviam tê-lo informado da chegada daquela manada de reses. E havia de querer comprá-las ao preço imposto pela sua vontade, sem ter em conta os interesses dos ganadeiros.
Tinha curiosidade em saber como procederia e se, quando o visse, tentaria puxar pelo revólver. Se assim fosse, os acontecimentos precipitar-se--iam, pois ele não estava de acordo com os métodos empregados pelo «trust», e dispunha-se a lutar contra o seu poder.
Aquela povoação do Arizona era do seu agrado, o seu futuro apresentava-se lisonjeiro, as suas características não podiam ser melhores. Se as autoridades locais insistissem junto do governador do Estado, conseguiriam decerto que fosse ali construída uma estação de caminho de ferro e um ramal de desvio para o embarque do gado da região.
Para tornar possível semelhante perspetiva, era necessário fazer desaparecer esse «trust» que não deixava progredir Broad Pace. O vale converter-se-ia numa esplêndida cidade. Ron progrediria, ao mesmo tempo. O seu «saloon» seria sempre o melhor. Já começava a estar farto de andar de um lado para o outro. Construiria uma casa, para ele e Babe viverem tranquilos.
Se Bert Savold adotasse uma atitude ameaçadora, ele não hesitaria em travar uma luta decisiva. Se não ocorresse assim, e o rancheiro se mostrasse conciliador, empreenderia uma campanha contra o «trust». Prometera a si mesmo vingar-se da bofetada que ele lhe dera, e cumpriria a promessa, embora perdesse a vida nesse intento.
Ron não se enganara. Na Rua Maior, acabavam de aparecer cinco cavaleiros, a galope, e à frente deles, Bert Savold. Detiveram-se à porta do «saloon». O rancheiro, balanceando o seu forte corpanzil, empurrou os batentes da porta. Os seus olhos sanguinolentos pousaram no ganadeiro, enquanto os seus lábios se abriram num sorriso jovial, a que aquele apenas respondeu com um leve movimento de cabeça.
— Então, Johnson? Que tal foi a jornada?
— Só perdemos uma rês, ao vadear o rio... Assim dá gosto conduzir gado.
— A como pagam cada cabeça?
— Ao mesmo preço da última vez.
— É muito pouco dinheiro, Savold. Não ganhando nada, assim não podemos continuar...
 -- Eu sei, mas não podemos oferecer mais... Não nos é possível. Nós também vendemos o gado com uma margem de lucro tão pequena que quase não podemos pagar aos condutores e aos rapazes que têm de defender-nos dos foragidos. Se esse preço não lhe convém, não serei eu quem o obrigue a isso... Depois, não se queixe das consequências.
Johnson crispou os punhos, contendo a sua impotência. Devia aceder à proposta do seu interlocutor, consciente da exploração de que era vítima. De forma alguma podia reatar a marcha. O mais provável era que, no meio do caminho, surgisse algum grupo de bandoleiros que os atacassem a tiro e nenhum homem escaparia da matança. E ele não podia expor os seus vaqueiros.
— Está bem, Savold. A manada é sua.
Bert sorriu, satisfeito. Tirou da carteira de cabedal um maço de notas do Banco, que contou e entregou ao rancheiro. Este recebeu-as com um ar triste e resignado. Se aquele estado de coisas continuasse, teria de abandonar aquela região. Não poderia continuar a trabalhar para que os lucros fossem parar às mãos daquele bando de pistoleiros.
O sorriso de satisfação de Bert Savold desapareceu dos seus lábios, quando a esbelta figura de Delaney surgiu na sua frente. Um clarão de ódio passou pelo seu olhar. Estava inteirado do que se passara na noite anterior, a forma atrevida como ele adquirira o «saloon» e como se impusera aos seus fregueses, impedindo que estes linchassem Paul Adams. Tratava-se de um homem temível.
Savold, porém, já havia traçado o seu plano. Apesar da sua rapidez como atirador, Delaney não tardaria a aparecer morto no meio do seu «saloon».
— Então como está, Savold?
Ron falou em voz alta, enquanto os seus olhos se cravavam com dureza nos do rancheiro. Este ficou desconcertado, sem saber que atitude tomar. Não lhe convinha, de forma alguma, um duelo com aquele aventureiro, que era destro com uma arma na mão. Apesar disso, contava que fosse vencido.
— Com que então não seguiu o meu conselho?! — disse Savold, com suavidade.
— Como vê, não. Gosto desta terra e resolvi ficar nela.
— Acho bem — replicou Bert, num tom conciliador. — E vejo que está a prosperar...
— É cedo de mais para dizer isso. Acabo de adquirir o «saloon» e não sei qual será o seu futuro.
— Pois eu não tenho dúvida a esse respeito... Paul Adams estava satisfeito com os lucros obtidos...
— Sim. Mas teve de partir imediatamente. A mim, pode acontecer-me o mesmo.
— Não creio. O senhor é um homem decidido.
— Sempre o fui. — Se lhe puder ser útil em alguma coisa, não hesite...
— Não precisarei do seu auxílio — retorquiu Ron, com firmeza.
— O senhor não pode afirmar isso... — disse Savold, sorrindo.
— Tenha a certeza disso... Ainda que me custe a vida.
— O senhor é rancoroso!
— Não posso esquecer... o peso da sua mão.
— Oral... Um incidente sem importância.
— Gostaria de ver se o senhor é capaz de me fazer frente, sem precisar da proteção dos seus homens.
Bert Savold corou, os seus olhos brilharam e um sorriso cruel fez entreabrir os seus lábios. Aquilo era outra coisa. Já não se tratava de empunhar o revólver, mas de lutar corpo-a-corpo. Confiava na sua força física. Pulverizaria o seu adversário entre as suas mãos. E quando o tivesse vencido, apertar-lhe-ia o pescoço até deixá-lo sem vida. Desafivelou o cinturão com um movimento rápido e entregou-o a um dos seus homens. Com esse gesto fazia desaparecer o perigo de uma luta a tiro. O seu sorriso cruel acentuou-se.
— O senhor é muito valente, Delaney. Mas creio que confia demasiadamente nas suas forças.
Ron não lhe respondeu. Despiu com elegância a jaqueta, que entregou a Babe. Depois entregou--lhe também o cinturão.
— Permaneçam quietos! — ordenou uma voz.
O xerife acabava de aparecer à porta. Savold voltou-se para ele.
— Que mosca lhe picou?
O rosto do xerife endureceu-se. Ia responder, mas a voz serena de Ron não lho permitiu:
— Trata-se de uma simples discussão. O outro dia, Bert Savold agrediu-me, protegido pelas armas dos seus vaqueiros, que estavam apontadas para mim. Agora é diferente. Estamos frente a frente, e tenho curiosidade de saber se é capaz de tornar a bater-me.
O xerife pareceu refletir. Depois disse :
— Está bem. Quando quiserem...
A alegria voltou aos rostos de todos aqueles homens. Recearam por momentos ver suspensa aquela luta, que prometia ser emocionante, embora a maioria se inclinasse pela vitória de Savold. A sua contundência era conhecida por todos, o que junto à sua brutalidade, o convertia num temível adversário.

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