Rand cavalgou para o Norte diretamente durante algumas léguas. Mas uma vez que passou para além dos últimos pastores e se internou nos bosques que formavam como uma barreira fronteiriça entre Valle Hermoso e os terrenos circundantes, modificou o seu rumo, procurando o rio Braços, o qual atravessou num ponto onde as águas, na estiagem, eram pouco profundas.
Na outra margem cavalgou na direção do Oeste, através dum terreno de colinas onduladas cheias de vegetação e de caça e, segundo parecia, também de índios, a julgar pelos sinais que ia encontrando.
Contudo, não se encontrou com nenhum pele-vermelha e apenas viu um caçador na margem de um regato, ocultando-se antes de que ele o visse. Não estava nos seus planos ser visto por alguém.
Caminhou durante todo o dia, descrevendo um arco de círculo que, ao anoitecer o deixou a sudoeste da povoação de Waco e a uns vinte quilómetros da mesma. Dormiu abrigado numa gruta profunda até ao nascer do sol e não se apressou a partir, parando também ao meio-dia durante várias horas.
Começava a entardecer quando avistou a primeira granja, onde um homem e um rapaz que trabalhavam num milheiral o olharam com desconfiança.
Parando o cavalo ergueu a voz e perguntou-lhes se havia alguma povoação perto dali.
— Wacco está a seis milhas, forasteiro. De onde vem você, se é que se pode saber?
— De Austin, amigo. Estive por lá a vender bíblias.
O camponês soltou uma gargalhada e o filho imitou-o. Segundo parecia a sua desconfiança havia-se desvanecido bastante.
— Essa é boa! Pois em Waco certamente encontrará clientela para a sua mercadoria. Por estes lados do país somos todos muito religiosos... Nunca deixamos de ler a Bíblica nem de cantar hinos...
Havia mais algumas granjas disseminadas pelos dois lados do caminho que partia da primeira para o Oeste, mas não pareciam demasiadamente prósperas. Duas delas estavam a ser reconstruídas, depois do assalto dos «comanches».
Rand encontrou-se com dois homens no caminho, granjeiros, sem dúvida, que o examinaram com o receio de todos os fronteiriços em relação aos desconhecidos.
Encontrou-se depois com uma carroça conduzida por uma mulher de meia idade, em cuja companhia iam duas crianças de ambos os sexos, alguns patos e um porco. Também o olharam com desconfiança...
Havia uma ponte rústica que atravessava o rio Braços, construída com pedras toscas e morteiro, aproveitando uma ilhota que estava a meio da corrente. Não era nenhuma obra de arte, mas parecia bastante forte para suportar as cheias da primavera e evitava ter de se procurar um lugar para vadear o rio.
A Oeste do rio, junto da ponte, encontravam-se algumas cabanas queimadas e em ruínas, à exceção de três ou quatro em reconstrução. Do outro lado a aglomeração era maior e compreendia meia dúzia de edifícios mais pretensiosos. De qualquer maneira, Waco não apresentava naquela tarde uma vista muito prometedora.
A povoação era formada por um largo terreiro de onde partiam duas ruas, uma continuada pela ponte e a outra na direção de Nordeste, além de três ruelas estreitas. O terreiro, de forma irregular, mas fazendo aproximadamente um polígono de cinco lados, era fechado por pesados edifícios muito representativos. Um «saloon», um armazém de vários géneros, um hotel, um estábulo e uma loja de ferreiro. Os edifícios eram casotas de adobe e madeira. Havia um grande olmo no centro do terreiro e uma fila deles a um lado da rua que se afastava para Nordeste.
Diante do «saloon» e do hotel estavam alguns cavalos atados, duas ou três mulheres e um grupo de crianças dos dois sexos entretinha-se a conversar e a brincar, mas só havia dois homens à vista, parados no alpendre do hotel.
Todos contemplaram com curiosidade o avanço de Rand Allen que conduzia pausadamente o seu cavalo através do terreiro na direção do hotel, tomando boa nota de tudo.
Os dois indivíduos que tomavam o fresco no alpendre não eram, isso via-se, granjeiros. Mais jovens que o próprio Rand, traziam revólveres nos cinturões repletos de balas e também facas de caçador. Examinaram-no com muita atenção enquanto desmontava e atava o cavalo sem pressa.
Sem parecer notar, Rand subiu para o passeio de madeira e empurrou os batentes. Tinha a certeza de que iriam ver imediatamente a marca do seu cavalo, mas iam ter uma surpresa porque se tratava de um adquirido propositadamente por dom Pablo Cortés em Austin, de acordo com as suas instruções, e não marcado com o ferro de Valle Hermoso, o «Z» tão conhecido na região.
Também não seria fácil que, se ali houvesse algum dos sobreviventes do ataque de que haviam sido objeto no mês anterior, o reconhecesse. Uma barba de trinta dias pode desfigurar muito as feições do seu dono...
O hotel não tinha melhor aspeto por dentro que por fora. Uma mulher gorda e feia, vestida de negro, saiu-lhe ao encontro e examinou-o como se pensasse que havia entrado a roubar.
— Que deseja, forasteiro? — inquiriu sem grande amabilidade. —
Para já, um quarto.
— Tem dinheiro para pagar? Cinquenta centavos de dólar por dia, comida à parte.
— Não é muito dinheiro. Tome — tirou do bolso e arrojou sobre o largo balcão uma moeda de dez dólares, cujo brilho dulcificou a expressão da mulher. —Pague-se e dê-me o troco.
— Também quer comer?
— Claro que sim.
— Cinquenta centavos de dólar o almoço e outro tanto o jantar e vinte e cinco o pequeno almoço. Com o quarto faz... um dólar e setenta e cinco centavos por dia.
— Pague a cama e o jantar. Nunca se sabe o que se vai fazer no dia seguinte.
Ela fez uma careta, rebuscou na sua algibeira e tirou algumas moedas de prata que contou com muita lentidão, como se receasse enganar-se. Depois deu-lhe nove dólares.
— Agora dar-lhe-ei a sua chave para o caso de se querer lavar. Vou mandar-lhe água e sabão imediatamente. Tem de assinar.
A caneta era um desastre e o registo um simples livro barato. Como pôde, Rand assinou e depois pegou na chave que a hoteleira lhe oferecia.
O quarto era um simples cubículo de paredes caiadas e tecto de troncos por desbastar, sobre os quais haviam colocado uma caniçada e, por cima uma camada de adobe. Deviam abundar as goteiras quando chovia e agora abundavam o pó e as teias de aranha apesar de o edifício não poder ter mais de dois anos.
Um mau catre com dois lençóis velhos e remendados, de brancura suspeita, um cabide e uma cadeira, um armário por pintar, constituíam todo o mobiliário. A janela dava para o terreiro e por ela pôde ver como se acendiam as luzes do «saloon» e também como chegavam, vagarosamente, três cavaleiros, encaminhando-se para o hotel.
Alguém bateu à porta do quarto e entrou uma rapariguita de uns doze anos, desgrenhada, trazendo água, uma toalha e sabão.
Rand arranjou-se sumariamente e gastou depois muito mais tempo a limpar o seu revólver e a verificar o seu funcionamento. Aquela povoação sórdida podia ser simplesmente uma armadilha mortal, por muito pouco que se descuidasse...
Os três cavaleiros recém-chegados estavam a falar com a hoteleira, e sem dúvida tinham lido já o seu nome no registo. Dois eram mais ou menos da idade de Rand e o outro uns dez anos mais velho. Os três juntos teriam constituído um mau encontro em qualquer parte e não havia dúvidas de que o esperavam. Sem parecer ligar-lhe importância, Rand aproximou-se do balcão e colocou ali a chave.
—A que horas é o jantar?
—Dentro de uma hora.
A mulherzinha parecia estar à espera de alguma coisa.
— Bem.
Dispôs-se a sair. O mais velho do trio cortou-lhe a passagem deliberadamente. Os outros mantinham-se atentos. Rand parou e olhou o outro bem de frente. Tinha uma expressão cínica e malvada, uma cicatriz na face esquerda que lhe deformava o rosto e as mãos no cinturão.
— Afaste-se.
A sua ordem seca encheu o ar de tensão. O interpelado reforçou a sua expressão e não se moveu.
— Se eu quiser, homem. E não antes de me responder a algumas perguntas.
Tinha uma voz rouca e agressiva. Rand manteve a sua calma fria.
— Acaso o senhor é o xerife?
O outro riu como divertido.
— Ah, ah! Que lhes parece, rapazes! Se sou o xerife! Não, mas é...
Não teve tempo de continuar a falar. A mão esquerda de Rand saiu disparada e atingiu o rufião no queixo, convertendo a sua iniciada interjeição de surpresa num grunhido de dor ao cerrar-lhe a boca subitamente e ao ser atirado para trás.
Os seus dois amigos levaram as mãos às armas velozmente. Rand já tinha a sua na mão direita quando os outros ainda estavam a «sacar» e o agredido mal iniciava um gesto agressivo.
— Pois se não é acabou-se a brincadeira. Não gosto de fanfarrões insolentes. Larguem os ferros ou começo a disparar.
Eles não esperavam uma tão brusca modificação de situações. O atingido abriu e fechou as mãos de maneira espasmódica, com uma expressão de raiva impotente. Os outros dois pareciam estar a avaliar as probabilidades...
Mas a voz acerada de Rand e o cano negro da sua arma, que parecia apontar para todos sem o fazer para nenhum em especial, devem tê-los convencido de que, de momento, não tinham nenhumas. Largaram os revólveres que caíram no solo com pesados baques surdos e levantaram as mãos vagarosamente. Lia-se nos seus olhos a raiva e a ânsia de vingança.
— Tu, tira o teu e deixa-o cair. Só com dois dedos.
— Hei-de arrancar-te as tripas por isto, maldito sejas...
— Fecha a boca ou fecho-ta eu. Vamos.
— Isto vai custar-te caro, forasteiro — rosnou um dos outros dois.
Sem parecer olhar para ele, Rand fez um gesto desdenhoso.
— Será melhor não tentarem, bandidos. Costumo comer ao pequeno almoço os fígados de meia dúzia como vocês.
O agredido fez uma careta repugnante enquanto deixava cair a sua arma para o chão.
— Sim? Pois havemos de ver isso...
— Quando quiserem. Agora vou tomar uma bebida e depois voltarei para jantar. Se vir assomar por aí as vossas caras sujas de coiotes sarnosos, faço-lhes saltar os narizes com balas sem esperar por conversas inúteis. Soltem os cinturões agora. Vamos! Assim. E comecem a andar para a parede. Quietos aí.
Obedeceram-lhe entre maldições. Inclinando-se apanhou um dos revólveres e, com um golpe seco contra o bordo de pedra do dintel torceu-lhe o percutor, repetindo com os outros dois a mesma operação. Depois apanhou-lhes os cinturões e falou-lhes desdenhosamente:
— Fora daqui, bandidos.
Obedeceram-lhe rapidamente quando lhes aplicou alguns pontapés nos traseiros. A mulher não se tinha movido e parecia muito impressionada. Já era quase noite fechada e havia mais animação, menos crianças, nenhuma mulher e, pelo menos, uma dúzia e meia de homens à vista.
Toda a gente deixou o que estava a fazer para observar como expulsava o trio para o terreiro, abrigando-os a ir à frente dele, com as mãos ao alto.
Um homem jovem e atlético, de barba revolta e loura e mais bem vestido que o comum dos homens da região, apareceu na porta do «saloon» na companhia de outro mais baixo e magro. Parou ao vê-los aproximarem-se, disse uma praga e saltou para o terreiro, avançando velozmente ao seu encontro seguido pelo seu companheiro.
Rand notou não só a mudança de atitudes dos seus prisioneiros, mas também como as pessoas se afastavam da possível linha de tiro...
A dez passos dos três bruscos e derrotados valentões o ruivo parou e falou com uma nota de incredulidade na voz:
— Raios do inferno! Que significa isto, Jones?
O interpelado, que não era outro senão o que havia sido socado antes por Rand, respondeu-lhe com uma blasfémia e uma ordem raivosa.
— Dá-lhe um tiro, Frankie! Apanhou-nos de surpresa...
— Mentira. És um cão mentiroso e um cobarde. Quanto a si, senhor Frankie, se deseja tanto saber o que se passou, dir-lhe-ei que os seus amigos se dispuseram, segundo parece, a brincar comigo e encontraram forma para o seu pé; isto é tudo.
O chamado Frankie olhava-o fixamente. Era homem de uns vinte e cinco a trinta anos, quase bem-posto, com os lábios semelhantes a um golpe sob o nariz comprido e afilado. Um tipo perigoso à simples vista; muito mais que os três derrotados por Rand.
— De modo que os dominou, eh? — o seu olhar frio tinha uma nota cautelosa. — Pode saber-se como o conseguiu?
— Faz demasiadas perguntas. Acaso é o xerife?
— Não. E faço as perguntas que me apetecem e quero que me respondam.
— Pode ser que alguns o façam. Eu falo quando quero e agora não tenho vontade de falar.
O chamado Frankie encolheu-se levemente. Assemelhava-se a um grande felino prestes a atacar...
— Fala muito de alto, amigo — disse com uma suavidade de mau agoiro.
Rand não se moveu.
—Nunca falo de alto; não gosto. Aqui tem a prova.
—Porque esperas, Frankie? Mata-o de uma vez...!
— Cala-te, idiota. Sim, pode ser que não estejas a cantar de alto. E nesse caso, senhor não sei quê...
— Chamo-me Allen.
— Ah... Allen... Bem, bem... Bem, senhor Allen nesse caso procuraremos dar-lhe novas oportunidades para o demonstrar... a seu devido tempo. Agora a festa terminou. Deixe esses rapazes em paz e vá beber.
— É você quem dá as ordens nesta povoação, Frankie não sei quê?
O ruivo encolheu-se uma vez mais e as suas mãos delgadas crisparam-se junto das coronhas das pistolas que levava nos coldres.
— Chamo-me Frankie Douglas, Allen. Não esqueça, Frankie Douglas. Sim, sou eu quem dá as ordens aqui e às quais obedecem todos os homens sensatos.
— Sou muito sensato, quando me convém. — Movendo-se de maneira que pareceu desinteressar-se dele, Rand encarou o trio. — Vocês ouviram o que lhes disse. Longe da minha vista. Se lhes volto a pôr a vista em cima nem todos os amigos chegarão para os salvar.
— Deixarás...?
— Cala-te! Faz o que ele disse. Isso os ensinará a serem mais hábeis e mais prudentes de futuro. Peguem nos cavalos e voltem para o rancho.
Resmungando por entre os dentes, obedeceram, Rand atirou-lhes com os cinturões para o chão, como última humilhação. Eles apanharam-nos olhando-o de soslaio e praguejando. Depois aproximaram-se dos cavalos, montaram no meio do silêncio do terreiro e afastaram-se velozmente pela rua na direção de Este.
A voz de Frankie Douglas soou lenta e com um leve matiz de admiração.
— É um homem duro, sem dúvida, Allen. Pode-se saber o que o trouxe a Waco?
Sustentando-lhe o olhar, Rand demorou algum tempo a responder. Sabia que estava diante do homem de confiança de Seth Markham, de um homem, na opinião de dom Pablo e Isabel, muito mais perigoso que o próprio Markham, famoso pela sua crueldade sádica, pelo seu sangue-frio e pela sua tremenda habilidade com as pistolas. Além disso, dizia-se, era um homem inteligente e educado...
— Evidentemente que se pode, Douglas. Disseram-me em Austin que por aqui tem um rancho um tal Seth Markham. Vim fazer-lhe uma visita.
— Para quê?
— Isso não lhe interessa. É assunto meu.
Houve outra pausa. O ar parecia impregnado de eletricidade. A voz de Douglas quebrou-o.
— Não volte a falar-me assim, Allen, se tem algum amor à sua pele. Eu não sou como esses que acabou de dominar. Não lhe daria tempo nem a puxar pela sua arma, não esqueça. E sou o capataz-chefe de Seth Markham.
— Ah... Sei defender a minha pele, Douglas. E, uma vez que acaba de se apresentar, dir-lhe-ei que conheço Markham desde a infância. Andámos juntos na escola e suponho que lhe vou fazer uma surpresa quando me vir entrar no seu rancho.
— Se puder entrar. Isso ainda não se sabe. Tinha dito há pouco que pensava tomar uma bebida. Bem, eu convido. Tem alguma coisa a objetar?
— Eu, nada. Um trago grátis nunca vem mal.
Na outra margem cavalgou na direção do Oeste, através dum terreno de colinas onduladas cheias de vegetação e de caça e, segundo parecia, também de índios, a julgar pelos sinais que ia encontrando.
Contudo, não se encontrou com nenhum pele-vermelha e apenas viu um caçador na margem de um regato, ocultando-se antes de que ele o visse. Não estava nos seus planos ser visto por alguém.
Caminhou durante todo o dia, descrevendo um arco de círculo que, ao anoitecer o deixou a sudoeste da povoação de Waco e a uns vinte quilómetros da mesma. Dormiu abrigado numa gruta profunda até ao nascer do sol e não se apressou a partir, parando também ao meio-dia durante várias horas.
Começava a entardecer quando avistou a primeira granja, onde um homem e um rapaz que trabalhavam num milheiral o olharam com desconfiança.
Parando o cavalo ergueu a voz e perguntou-lhes se havia alguma povoação perto dali.
— Wacco está a seis milhas, forasteiro. De onde vem você, se é que se pode saber?
— De Austin, amigo. Estive por lá a vender bíblias.
O camponês soltou uma gargalhada e o filho imitou-o. Segundo parecia a sua desconfiança havia-se desvanecido bastante.
— Essa é boa! Pois em Waco certamente encontrará clientela para a sua mercadoria. Por estes lados do país somos todos muito religiosos... Nunca deixamos de ler a Bíblica nem de cantar hinos...
Havia mais algumas granjas disseminadas pelos dois lados do caminho que partia da primeira para o Oeste, mas não pareciam demasiadamente prósperas. Duas delas estavam a ser reconstruídas, depois do assalto dos «comanches».
Rand encontrou-se com dois homens no caminho, granjeiros, sem dúvida, que o examinaram com o receio de todos os fronteiriços em relação aos desconhecidos.
Encontrou-se depois com uma carroça conduzida por uma mulher de meia idade, em cuja companhia iam duas crianças de ambos os sexos, alguns patos e um porco. Também o olharam com desconfiança...
Havia uma ponte rústica que atravessava o rio Braços, construída com pedras toscas e morteiro, aproveitando uma ilhota que estava a meio da corrente. Não era nenhuma obra de arte, mas parecia bastante forte para suportar as cheias da primavera e evitava ter de se procurar um lugar para vadear o rio.
A Oeste do rio, junto da ponte, encontravam-se algumas cabanas queimadas e em ruínas, à exceção de três ou quatro em reconstrução. Do outro lado a aglomeração era maior e compreendia meia dúzia de edifícios mais pretensiosos. De qualquer maneira, Waco não apresentava naquela tarde uma vista muito prometedora.
A povoação era formada por um largo terreiro de onde partiam duas ruas, uma continuada pela ponte e a outra na direção de Nordeste, além de três ruelas estreitas. O terreiro, de forma irregular, mas fazendo aproximadamente um polígono de cinco lados, era fechado por pesados edifícios muito representativos. Um «saloon», um armazém de vários géneros, um hotel, um estábulo e uma loja de ferreiro. Os edifícios eram casotas de adobe e madeira. Havia um grande olmo no centro do terreiro e uma fila deles a um lado da rua que se afastava para Nordeste.
Diante do «saloon» e do hotel estavam alguns cavalos atados, duas ou três mulheres e um grupo de crianças dos dois sexos entretinha-se a conversar e a brincar, mas só havia dois homens à vista, parados no alpendre do hotel.
Todos contemplaram com curiosidade o avanço de Rand Allen que conduzia pausadamente o seu cavalo através do terreiro na direção do hotel, tomando boa nota de tudo.
Os dois indivíduos que tomavam o fresco no alpendre não eram, isso via-se, granjeiros. Mais jovens que o próprio Rand, traziam revólveres nos cinturões repletos de balas e também facas de caçador. Examinaram-no com muita atenção enquanto desmontava e atava o cavalo sem pressa.
Sem parecer notar, Rand subiu para o passeio de madeira e empurrou os batentes. Tinha a certeza de que iriam ver imediatamente a marca do seu cavalo, mas iam ter uma surpresa porque se tratava de um adquirido propositadamente por dom Pablo Cortés em Austin, de acordo com as suas instruções, e não marcado com o ferro de Valle Hermoso, o «Z» tão conhecido na região.
Também não seria fácil que, se ali houvesse algum dos sobreviventes do ataque de que haviam sido objeto no mês anterior, o reconhecesse. Uma barba de trinta dias pode desfigurar muito as feições do seu dono...
O hotel não tinha melhor aspeto por dentro que por fora. Uma mulher gorda e feia, vestida de negro, saiu-lhe ao encontro e examinou-o como se pensasse que havia entrado a roubar.
— Que deseja, forasteiro? — inquiriu sem grande amabilidade. —
Para já, um quarto.
— Tem dinheiro para pagar? Cinquenta centavos de dólar por dia, comida à parte.
— Não é muito dinheiro. Tome — tirou do bolso e arrojou sobre o largo balcão uma moeda de dez dólares, cujo brilho dulcificou a expressão da mulher. —Pague-se e dê-me o troco.
— Também quer comer?
— Claro que sim.
— Cinquenta centavos de dólar o almoço e outro tanto o jantar e vinte e cinco o pequeno almoço. Com o quarto faz... um dólar e setenta e cinco centavos por dia.
— Pague a cama e o jantar. Nunca se sabe o que se vai fazer no dia seguinte.
Ela fez uma careta, rebuscou na sua algibeira e tirou algumas moedas de prata que contou com muita lentidão, como se receasse enganar-se. Depois deu-lhe nove dólares.
— Agora dar-lhe-ei a sua chave para o caso de se querer lavar. Vou mandar-lhe água e sabão imediatamente. Tem de assinar.
A caneta era um desastre e o registo um simples livro barato. Como pôde, Rand assinou e depois pegou na chave que a hoteleira lhe oferecia.
O quarto era um simples cubículo de paredes caiadas e tecto de troncos por desbastar, sobre os quais haviam colocado uma caniçada e, por cima uma camada de adobe. Deviam abundar as goteiras quando chovia e agora abundavam o pó e as teias de aranha apesar de o edifício não poder ter mais de dois anos.
Um mau catre com dois lençóis velhos e remendados, de brancura suspeita, um cabide e uma cadeira, um armário por pintar, constituíam todo o mobiliário. A janela dava para o terreiro e por ela pôde ver como se acendiam as luzes do «saloon» e também como chegavam, vagarosamente, três cavaleiros, encaminhando-se para o hotel.
Alguém bateu à porta do quarto e entrou uma rapariguita de uns doze anos, desgrenhada, trazendo água, uma toalha e sabão.
Rand arranjou-se sumariamente e gastou depois muito mais tempo a limpar o seu revólver e a verificar o seu funcionamento. Aquela povoação sórdida podia ser simplesmente uma armadilha mortal, por muito pouco que se descuidasse...
Os três cavaleiros recém-chegados estavam a falar com a hoteleira, e sem dúvida tinham lido já o seu nome no registo. Dois eram mais ou menos da idade de Rand e o outro uns dez anos mais velho. Os três juntos teriam constituído um mau encontro em qualquer parte e não havia dúvidas de que o esperavam. Sem parecer ligar-lhe importância, Rand aproximou-se do balcão e colocou ali a chave.
—A que horas é o jantar?
—Dentro de uma hora.
A mulherzinha parecia estar à espera de alguma coisa.
— Bem.
Dispôs-se a sair. O mais velho do trio cortou-lhe a passagem deliberadamente. Os outros mantinham-se atentos. Rand parou e olhou o outro bem de frente. Tinha uma expressão cínica e malvada, uma cicatriz na face esquerda que lhe deformava o rosto e as mãos no cinturão.
— Afaste-se.
A sua ordem seca encheu o ar de tensão. O interpelado reforçou a sua expressão e não se moveu.
— Se eu quiser, homem. E não antes de me responder a algumas perguntas.
Tinha uma voz rouca e agressiva. Rand manteve a sua calma fria.
— Acaso o senhor é o xerife?
O outro riu como divertido.
— Ah, ah! Que lhes parece, rapazes! Se sou o xerife! Não, mas é...
Não teve tempo de continuar a falar. A mão esquerda de Rand saiu disparada e atingiu o rufião no queixo, convertendo a sua iniciada interjeição de surpresa num grunhido de dor ao cerrar-lhe a boca subitamente e ao ser atirado para trás.
Os seus dois amigos levaram as mãos às armas velozmente. Rand já tinha a sua na mão direita quando os outros ainda estavam a «sacar» e o agredido mal iniciava um gesto agressivo.
— Pois se não é acabou-se a brincadeira. Não gosto de fanfarrões insolentes. Larguem os ferros ou começo a disparar.
Eles não esperavam uma tão brusca modificação de situações. O atingido abriu e fechou as mãos de maneira espasmódica, com uma expressão de raiva impotente. Os outros dois pareciam estar a avaliar as probabilidades...
Mas a voz acerada de Rand e o cano negro da sua arma, que parecia apontar para todos sem o fazer para nenhum em especial, devem tê-los convencido de que, de momento, não tinham nenhumas. Largaram os revólveres que caíram no solo com pesados baques surdos e levantaram as mãos vagarosamente. Lia-se nos seus olhos a raiva e a ânsia de vingança.
— Tu, tira o teu e deixa-o cair. Só com dois dedos.
— Hei-de arrancar-te as tripas por isto, maldito sejas...
— Fecha a boca ou fecho-ta eu. Vamos.
— Isto vai custar-te caro, forasteiro — rosnou um dos outros dois.
Sem parecer olhar para ele, Rand fez um gesto desdenhoso.
— Será melhor não tentarem, bandidos. Costumo comer ao pequeno almoço os fígados de meia dúzia como vocês.
O agredido fez uma careta repugnante enquanto deixava cair a sua arma para o chão.
— Sim? Pois havemos de ver isso...
— Quando quiserem. Agora vou tomar uma bebida e depois voltarei para jantar. Se vir assomar por aí as vossas caras sujas de coiotes sarnosos, faço-lhes saltar os narizes com balas sem esperar por conversas inúteis. Soltem os cinturões agora. Vamos! Assim. E comecem a andar para a parede. Quietos aí.
Obedeceram-lhe entre maldições. Inclinando-se apanhou um dos revólveres e, com um golpe seco contra o bordo de pedra do dintel torceu-lhe o percutor, repetindo com os outros dois a mesma operação. Depois apanhou-lhes os cinturões e falou-lhes desdenhosamente:
— Fora daqui, bandidos.
Obedeceram-lhe rapidamente quando lhes aplicou alguns pontapés nos traseiros. A mulher não se tinha movido e parecia muito impressionada. Já era quase noite fechada e havia mais animação, menos crianças, nenhuma mulher e, pelo menos, uma dúzia e meia de homens à vista.
Toda a gente deixou o que estava a fazer para observar como expulsava o trio para o terreiro, abrigando-os a ir à frente dele, com as mãos ao alto.
Um homem jovem e atlético, de barba revolta e loura e mais bem vestido que o comum dos homens da região, apareceu na porta do «saloon» na companhia de outro mais baixo e magro. Parou ao vê-los aproximarem-se, disse uma praga e saltou para o terreiro, avançando velozmente ao seu encontro seguido pelo seu companheiro.
Rand notou não só a mudança de atitudes dos seus prisioneiros, mas também como as pessoas se afastavam da possível linha de tiro...
A dez passos dos três bruscos e derrotados valentões o ruivo parou e falou com uma nota de incredulidade na voz:
— Raios do inferno! Que significa isto, Jones?
O interpelado, que não era outro senão o que havia sido socado antes por Rand, respondeu-lhe com uma blasfémia e uma ordem raivosa.
— Dá-lhe um tiro, Frankie! Apanhou-nos de surpresa...
— Mentira. És um cão mentiroso e um cobarde. Quanto a si, senhor Frankie, se deseja tanto saber o que se passou, dir-lhe-ei que os seus amigos se dispuseram, segundo parece, a brincar comigo e encontraram forma para o seu pé; isto é tudo.
O chamado Frankie olhava-o fixamente. Era homem de uns vinte e cinco a trinta anos, quase bem-posto, com os lábios semelhantes a um golpe sob o nariz comprido e afilado. Um tipo perigoso à simples vista; muito mais que os três derrotados por Rand.
— De modo que os dominou, eh? — o seu olhar frio tinha uma nota cautelosa. — Pode saber-se como o conseguiu?
— Faz demasiadas perguntas. Acaso é o xerife?
— Não. E faço as perguntas que me apetecem e quero que me respondam.
— Pode ser que alguns o façam. Eu falo quando quero e agora não tenho vontade de falar.
O chamado Frankie encolheu-se levemente. Assemelhava-se a um grande felino prestes a atacar...
— Fala muito de alto, amigo — disse com uma suavidade de mau agoiro.
Rand não se moveu.
—Nunca falo de alto; não gosto. Aqui tem a prova.
—Porque esperas, Frankie? Mata-o de uma vez...!
— Cala-te, idiota. Sim, pode ser que não estejas a cantar de alto. E nesse caso, senhor não sei quê...
— Chamo-me Allen.
— Ah... Allen... Bem, bem... Bem, senhor Allen nesse caso procuraremos dar-lhe novas oportunidades para o demonstrar... a seu devido tempo. Agora a festa terminou. Deixe esses rapazes em paz e vá beber.
— É você quem dá as ordens nesta povoação, Frankie não sei quê?
O ruivo encolheu-se uma vez mais e as suas mãos delgadas crisparam-se junto das coronhas das pistolas que levava nos coldres.
— Chamo-me Frankie Douglas, Allen. Não esqueça, Frankie Douglas. Sim, sou eu quem dá as ordens aqui e às quais obedecem todos os homens sensatos.
— Sou muito sensato, quando me convém. — Movendo-se de maneira que pareceu desinteressar-se dele, Rand encarou o trio. — Vocês ouviram o que lhes disse. Longe da minha vista. Se lhes volto a pôr a vista em cima nem todos os amigos chegarão para os salvar.
— Deixarás...?
— Cala-te! Faz o que ele disse. Isso os ensinará a serem mais hábeis e mais prudentes de futuro. Peguem nos cavalos e voltem para o rancho.
Resmungando por entre os dentes, obedeceram, Rand atirou-lhes com os cinturões para o chão, como última humilhação. Eles apanharam-nos olhando-o de soslaio e praguejando. Depois aproximaram-se dos cavalos, montaram no meio do silêncio do terreiro e afastaram-se velozmente pela rua na direção de Este.
A voz de Frankie Douglas soou lenta e com um leve matiz de admiração.
— É um homem duro, sem dúvida, Allen. Pode-se saber o que o trouxe a Waco?
Sustentando-lhe o olhar, Rand demorou algum tempo a responder. Sabia que estava diante do homem de confiança de Seth Markham, de um homem, na opinião de dom Pablo e Isabel, muito mais perigoso que o próprio Markham, famoso pela sua crueldade sádica, pelo seu sangue-frio e pela sua tremenda habilidade com as pistolas. Além disso, dizia-se, era um homem inteligente e educado...
— Evidentemente que se pode, Douglas. Disseram-me em Austin que por aqui tem um rancho um tal Seth Markham. Vim fazer-lhe uma visita.
— Para quê?
— Isso não lhe interessa. É assunto meu.
Houve outra pausa. O ar parecia impregnado de eletricidade. A voz de Douglas quebrou-o.
— Não volte a falar-me assim, Allen, se tem algum amor à sua pele. Eu não sou como esses que acabou de dominar. Não lhe daria tempo nem a puxar pela sua arma, não esqueça. E sou o capataz-chefe de Seth Markham.
— Ah... Sei defender a minha pele, Douglas. E, uma vez que acaba de se apresentar, dir-lhe-ei que conheço Markham desde a infância. Andámos juntos na escola e suponho que lhe vou fazer uma surpresa quando me vir entrar no seu rancho.
— Se puder entrar. Isso ainda não se sabe. Tinha dito há pouco que pensava tomar uma bebida. Bem, eu convido. Tem alguma coisa a objetar?
— Eu, nada. Um trago grátis nunca vem mal.
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