quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

KNS128.06 Entra o irmão da beldade

Ron Delaney passeava pelo «saloon», que a essa hora estava cheio. Os clientes pareciam satisfeitos com ele. A sova dada a Savold granjeara-lhe simpatia e popularidade.
Entraram três jovens vaqueiros. Como sempre fazia com novos clientes, Ron examinou-os dos pés à cabeça. Um deles chamou-lhe mais a atenção do que os outros dois. A sua fisionomia era-lhe quase familiar. De súbito, recordou-se. Devia ser irmão da beldade que o ia atropelando.
Precisamente nesse momento, o jovem Hamilton dirigiu-se-lhe:
— É o senhor Ron Delaney?
— Exatamente.
— Estava com imenso desejo de conhecê-lo. Tenho ouvido falar muito no senhor. Sobretudo por causa da tareia que propinou a esse javali do Savold.
— Cala-te, Danny — apressou-se a dizer um dos seus companheiros...
— Porque me hei-de calar? Há muito tempo que ele precisava de uma lição dessas. Só lamento que não fosse eu quem lha desse.
Já estavam ao balcão, a beber.
— E lamento também não ter visto o espetáculo.
— Foi uma coisa sem importância. Uma simples peleja de «saloon».


— Quer jogar uma partida de póquer?
Ron fitou-o, hesitante. Depois, pretextou :
— Desculpe-me, mas tenho de prestar atenção a tudo quanto se passa...
— Pela primeira vez que aqui entro, dê-me essa honra e esse prazer. Sente-se connosco.
Delaney viu-se obrigado a aceitar. Os vaqueiros podiam não levar muito dinheiro e lamentaria se ganhasse. Mas encolheu os ombros e sentou-se. Começaram a jogar. Ainda não tinha decorrido uma hora, um deles levantou-se.
Ao cabo de uma hora, Danny perdia duzentos e cinquenta dólares, tudo quanto possuía.
— Pode-me emprestar duzentos dólares ?
Sem uma palavra, Ron deu-lhe o dinheiro. Em menos de meia hora, o jovem já não tinha outra vez um cêntimo.
— Desculpe-me. Chamo-me Danny Hamilton, e possuo um rancho na região... Pode tornar a emprestar-me?...
— Não, senhor... Já perdeu bastante.
— Dê-me a oportunidade de desforrar-me...
— Já lhe disse — interrompeu-o Ron. — Não é por desconfiança. Mas um jovem como o senhor, não deve jogar. É um conselho que lhe dou...
— Eu não lhe pedi conselho, mas um empréstimo...
Ron não podia aceder ao seu pedido. Danny teria vinte e quatro anos, mas era excessivamente jovem para adquirir esse vício, além de que tratava-se do irmão de Virgínia Hamilton.
— Não lho farei...
— E se a sua negativa me molestar?
— É natural. Mas amanhã compreenderá que foi para seu bem...
— Deixe-se de tolices. Julga, porventura, que sou um garoto?!
Ron crispou as mãos. Danny havia falado em voz alta, atraindo a atenção dos clientes. Levantou-se, guardou o dinheiro que ganhara e fez uma ligeira inclinação de cabeça. Hamilton olhou-o indignado, julgando-se ofendido.
— Não confirmou a impressão que eu tinha a seu respeito.
Ron ouviu estas palavras, mas tornou a conter-se, afastando-se sem voltar a cabeça, enquanto na sala se ouviu um leve murmúrio.
Todos ficaram surpreendidos por Ron Delaney não dar o merecido castigo ao jovem rancheiro. A maioria dos clientes fora testemunha de outros casos, como a sua luta com Savold, e ninguém compreendia nesse momento a sua atitude. Talvez ele não tivesse querido dar-se por aludido, em vista da inexperiência do jovem rancheiro. Fosse pelo que fosse, todos ficaram desconcertados. A conduta do dono do «saloon» desagradara-lhes.
Danny Hamilton saiu. Ia desgostoso, aborrecido, não pela perda do dinheiro, mas pelo que acontecera. Sentia-se arrependido, não devia ter provocado Delaney.
Entretanto, Ron continuou na sala, com expressão indiferente, como se o incidente não tivesse importância. Acendeu um cigarro. Ouviu uma gargalhada. Os nervos puseram-se-lhe tensos.
— Teve medo de Danny Hamilton...
Voltou-se lentamente e viu perto de si dois homens, com o aspeto de pistoleiros. Deitou o cigarro fora.
— Disse alguma coisa?
— Disse, sim. Chamou-me a atenção a sua cobardia...
Sorrindo, Ron deu dois passos para o pistoleiro.
— Sabe que isso pode custar-lhe caro?
O pistoleiro empalideceu ligeiramente, levando a mão ao lado. Mas não chegou a tocar no «Colt». Ron dera um salto e com a mão esquerda agarrou-lhe o pulso com tanta força, torcendo-o, que o tipo teve de desistir de puxar pelo «Colt». Apesar disso, levantou o braço esquerdo para agredir Ron. Este, porém, sem se mover do mesmo sítio, deu-lhe uma pancada no pescoço, com a mão aberta, de cutelo, fazendo-o cair de joelhos.
— Agora, vai pedir-me desculpa pela ofensa que me dirigiu.
O pistoleiro endireitou-se.
— Eu... não quis...
— Fale mais alto... Como há bocado...
O tipo mordeu os lábios, enraivecido. Parecia querer atirar-se a Ron, mas a serena atitude deste conteve-o.
— Então, ficou mudo? Não queira que eu lhe puxe pela língua...
— Bem. Eu não quis dizer que o senhor tivesse cometido uma cobardia...
— Isso já é outra coisa... Agora já pode ir-se embora. Não quero tornar a vê-lo aqui... Percebeu? Dispenso clientes como você...
O pistoleiro, lívido, mal moveu a cabeça e avançou para a porta. A voz de Ron fê-lo deter-se.
— Esqueceu-se do revólver. Delaney estendeu-lhe a arma, com um gesto calmo, da mão esquerda.
O outro pegou na coronha e guardou o revólver na funda, saindo então. Todos os que assistiram à cena, respiraram livremente, pois haviam receado que o pistoleiro nesse momento disparasse o seu «Colt». Ao mesmo tempo estavam impressionados pelo valor e sangue-frio de Ron Delaney. Se algum dos presentes ainda tinha dúvidas acerca da coragem do dono do «saloon», essas dúvidas depressa se dissiparam.
Ron sentia-se molestado. O antagonismo que surgira entre si e Danny desassossegava-o, embora ele não tivesse culpa alguma. Se fosse outro, Danny teria de dar-lhe uma satisfação em forma.
O aventureiro notou-se num estado de ânimo que não lhe era habitual, como se todas as suas ilusões se tivessem desvanecido, de súbito. A vida para ele tinha sido uma luta contínua.
Apesar da sua existência de aventura, mantivera sempre incólume a honradez. A ambição nunca lhe fizera mossa. Nunca ficara impassível perante uma injustiça, intervindo sempre sem olhar a riscos.
A sorte acompanhara o seu temperamento audacioso, conseguindo sair sempre ileso de todos os lances em que se tinha metido. As mulheres mostraram-se-lhe propícias, atraídas pelo seu físico e porte elegante, sem que ele se sentisse apaixonado.
Faltavam-lhe poucos meses para completar trinta anos. Em segredo, no seu íntimo ansiava encontrar a mulher idealizada nos seus sonhos para fundar um lar.
Agora, que tinha chegado essa ocasião, a fatalidade parecia opor-se aos seus anseios. Enamorara-se perdidamente da irmã do jovem Hamilton. A beleza e a inteireza de carácter de Virgínia atraíam-no irresistivelmente. Por sua vez, ele não tinha nada de que se censurasse nem reprovasse. A sua vida estava limpa. Mas, ao que parecia, ser dono de um «saloon» podia representar um obstáculo insuperável. Para aumentar essas dificuldades naturais, aparece-lhe Danny e entre eles, um antagonismo, de que ele, aliás, não fora o culpado.
Encolheu os ombros, resolvido a seguir o exemplo fatalista dos peles-vermelhas: deixar que o destino seguisse o seu curso.
***
Virgínia estava furiosa. Acabava de saber que seu irmão tinha jogado e perdido dinheiro que lhes fazia falta. E o pior era a dívida contraída com o aventureiro. Encontravam-se em sérios apuros.
Ao falecer seu pai, sem reparar nos esforços, o rapaz amoldara-se à situação, sem fazer qualquer reparo. Em consequência da imposição do «trust», todos se sentiam oprimidos, visto que os lucros passavam quase integralmente para as mãos daqueles pistoleiros. Seu pai debatera-se em vão, para se livrar das garras desses homens e a sua impotência fora a causa principal da sua morte.
— Virgínia! Dá-me duzentos dólares ! — pediu Danny, pela segunda vez.
— Pois não compreendes que esse homem é um jogador profissional?
— Já te disse. Esse homem não é nenhum batoteiro.
Danny já estava arrependido do que dissera. Compreendia que Delaney lhe negara o dinheiro, para seu bem, sem fazer caso das suas palavras ofensivas.
— Ron Delaney é um farsante.
— Garanto-te que não é.
— A mim, não me engana. Terá de me ouvir...
— Não falarás com ele. Esse assunto é de homens.
Virgínia sentia-se desgostosa. Iria falar com esse aventureiro. Desejava desabafar a sua amargura. Ela vivera sempre feliz e despreocupada, antes de conhecê-lo. E agora, depois da cena da rua, quando esteve quase a atropelá-lo e do encontro no bazar, sentia-se atraída por ele. Era a primeira vez que um homem se apossava do seu coração.
Procurou informar-se discretamente, e soube que, na noite da sua chegada à povoação, matara um vaqueiro de Bert Savold e na noite seguinte vencera Paul Adams. Em boa verdade, reconhecia que a sua conduta não encerrava nada desonesto, mas não restava dúvidas de que se tratava de um aventureiro e ela não podia amar um homem desse estofo. Só faltava que tivesse ganho a seu irmão, que ainda por cima lhe ficara a dever duzentos dólares. Sim. Estava resolvida a ir falar com ele, para lhe pagar a dívida e dizer-lhe o que pensava a seu respeito. Teria de ouvi-la. Homens como ele abundavam na região.
Viu, impassível, que seu irmão se afastava furioso, pela sua negativa. Ainda esteve para chamá-lo. Talvez tivesse razão e o mais lógico seria pagar a dívida e esquecer esse assunto aborrecido.
Danny mostrava-se aborrecido. Tinha a certeza de que não tornaria a jogar. Mas, não. Franziu os lábios, mantendo-se firme. Ron Delaney teria de ouvi-la. Na realidade, não se tratava apenas da dívida contraída por seu irmão, mas também a terrível ferida que aquele homem lhe abrira no coração.
Preparou a carruagem e, levando consigo o dinheiro, tomou o caminho da povoação. Ao entrar na Rua Maior, moderou a marcha dos cavalos, parando a carruagem, antes de chegar ao «saloon». Apeou-se de um salto. Não se via na rua quase ninguém.
Encaminhou-se resoluta para o «saloon», mas quando empurrou os batentes da porta e entrou, toda a sua decisão foi abaixo. Deteve-se, hesitante. Mas um criado aproximou-se dela, perguntando-lhe cortesmente:
— Que deseja, menina Hamilton?
— Falar com o senhor Delaney.
— Faça o favor de esperar um momento.
O criado afastou-se perplexo, sem compreender o motivo da visita da jovem. Mas lembrou-se do incidente da véspera, entre seu patrão e Danny Hamilton. A jovem esperou, reprimindo a curiosidade de observar à sua volta.

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