terça-feira, 24 de dezembro de 2013

PAS202. A epopeia da DILIGÊNCIA

Os assíduos leitores de «westerns» têm ouvido falar, com frequência, das carreiras que abriram os caminhos para o Oeste da América do Norte. Esses movimentos, digamos assim, fazem parte da própria História dos Estados Unidos e acham-se intimamente vinculados com todos os passos do progresso nos territórios vizinhos do Pacífico. Para cultivar, colonizar e civilizar as terras longínquas do «Wild West»  necessitava-se, principalmente, de caminhos que rasgassem o selvagismo de planícies, vales e ciclópicas montanhas. Os homens do campo, das caravanas e das carreiras — homens esforçados e de coragem indómita — foram os verdadeiros promotores da imigração no Oeste, onde a fortuna esperava os recém-chegados sob a forma de ubérrimas pastagens, minas riquíssimas e terras produtivas.
A par da fortuna, estava a morte, representada por setas de índios, cordas de cânhamo e balas de chumbo.
Por isso, para garantir maior segurança, estabeleceram-se fortes fronteiriços e criaram-se os cargos de polícias de comarca e de xerifes. Durante as décadas perigosas quo assinalam o progresso e o início da verdadeira História norte-americana, milhões de famílias sulcaram esses caminhos e foram dando uma fisionomia própria às selváticas vastidões de Oeste. Diariamente se descobriam novos trilhos e surgiam novas quimeras. Primeiro, foi a corrida para Oregon, rota de colonos, camponeses, pessoas que procuravam diferentes horizontes. Depois, nasceu a da Califórnia, a senda do ouro, do banditismo, onde os atrevidos medravam ao calor das areias auríferas, e surgiram os grandes «trusts» mineiros que tornaram próspero o Estado colonizado pelos espanhóis.
Mais tarde, foi a corrida para Santa Fé, caminho de negociantes e de vendedores ambulantes, de entendimento entre homens de sangue latino e saxão. Mormon Trail que levou os adeptos de Brigham Young a Utah. Depois, a rota do Texas, longuíssimo percurso de gado e fonte inesgotável de narrativas lendárias. Abriu-se, enfim, o Território índio de Oklahoma, permitindo a conquista de terras a quantos participaram na Grande Corrida, Long Trail, por desérticas paragens, ambição dos perseguidos pela Lei.
Seria interminável a relação, porque, fazê-la, equivaleria a fazer História, e neste curto bosquejo não se pretendeu tal coisa. Os leitores de língua espanhola, ligados por vínculos raciais, religiosos e sociais aos primitivos povoadores do Sudoeste americano, têm-se regalado com as inúmeras novelas que, a respeito do Oeste, apareceram já e continuarão a aparecer. A literatura do Oeste é eterna, como eternos são os impulsos que fizeram nascer as primitivas rotas sobre a terra virgem, poeirenta e inóspita.
Uma das mais famosas e dignas de nota foi talvez a rota que, iniciando-se em Missouri e correndo ao longo de Arkansas, Texas e Novo México, ia acabar nas rudes povoações de Arizona. Refiro-me, naturaimenle, à história «The Butterfield Trail», o caminho das diligências. Tive de ouvir, a miúdo, as opiniões dos amadores de «westerns», discordantes a respeito da puerilidade e truculência com que eram tratados os temas de vaqueiros, salteadores e homens da planície. Aquilo não podia ser verdade! Sim, amigos. Foi assim a realidade — uma realidade crua, dura, envolta em nuvens de pólvora negra.
O desejo de dar a conhecer a autêntica aventura do Oeste — e não a lenda — leva-me a apresentar hoje um argumento de ficção, vivido nos cenários que actualmente se consideram monumentos nacionais do Novo México. Os lugares que se descrevem nesta novela existiram e ainda existem, nos nossos dias. Talvez, a pátina do tempo tenha velado o seu encanto romântico, e, onde outrora houve pradaria calcinada pelo sol, erguem-se hoje cidades, cinemas e campos de aviação. É verdade! Acabaram-se os revólveres de seis tiros e as tribos rebel¬des. Mas tudo isso foi devido ao progresso, ao esforço persistente, às corridas e às carreiras que abriram caminhos para, enfim, se povoarem as extensões desérticas.
Butterfield foi a primeira carreira estabelecida para passageiros. Quem não possuísse um cavalo ou uma carroça não podia viajar para o Oeste. 0 caminho de ferro transcontinental ainda era uma utopia, e continuou a ser por muitos anos mais. A carreira meridional de diligências começou a funcionar em 1858 e deu por terminada a sua atividade heróica em 1881, contando, em todo esse período, apenas uma interrupção: durante a Guerra Civil. Vinda de Leste, a viagem principiava em Tripton (Missouri), para acabar no Parador Stein (Estalagem Stein), no Vale de S. Simão, dentro dos limites territoriais do Arizona. Quem viajar pelo Novo México, poderá ver ainda a casa de postas de Shakespeare, a pousada favorita da carreira, onde existe uma placa, mandada colocar pelo Estado, com os seguintes dizeres:
OFFICIAL SCENIC HISTORIC MARKER SHAKESPEARE On U. S. 80
A FAVORITE STOP ON THE FAMOUS BUTTERFIELD TRAIL OVER WHICH STAGE COACHES OPERATED BETWEEiN 1'858-1881
A viagem completa foi calculada para 25 dias, embora se tivesse reduzido a 23, e o mínimo alcançado por alguns hábeis cocheiros descesse a 21. As diligências, a princípio, saíam duas vezes por semana, mas depois, em vista da afluência de passageiros, começaram a fazer-se diariamente. O preço do bilhete variava segundo o percurso fosse feito para Leste ou para Oeste. É interessante salientar este facto rigorosamente verídico. As pessoas que iam para Leste pagavam 100 dólares-ouro, e 200 as que adquiriam passagem para Oeste, terra da promissão e de esperanças, onde os sonhadores julgavam não tardar a converterem-se em milionários, e, afinal, na maior parte das vezes, eram enterrados em valas comuns. As cartas pagavam a taxa de 10 cêntimos por cada onça de peso.
As diligências e os carros de abastecimentos em caravana para Oeste faziam uma paragem de algumas horas em Fort Tilmore, construído em 1853 para proteger os colonos dos ataques de índios. Depois, seguiam viagem, fazendo soar ferraduras e rodas sobre o cascalho do rio, até La Mésilla, anos antes primitiva capital de Arizona. A Carreira continuava através de Hondonada Magdalena — teatro das sangrentas investidas de Victorio, o popular chefe dos apaches — até à estalagem de Cook’s Spring, perto da qual se encontra Cook’s Canyon, quatro duras milhas de passagem montanhosa, apropriadamente chamada Guantelete de la Muerte. Refere a tradição que 400 imigrantes e soldados perderam a vida nesta apertada garganta, sítio predileto dos assaltos apaches.
Não quero fatigar os leitores, embora disponha de copiosa informação acerca destes lugares. Como disse no princípio, não pretendo fazer história, mas oferecer um padrão adequado àquela época e situar nele um argumento que sirva para distrair e, ao mesmo tempo, mostrar o muito que de verdadeiro encerram as novelas de «westerns». É este um relato dedicado aos homens cujos erros e delitos acabaram por ser redimidos, e cujos defeitos se converteram em virtudes ao serem norteados por mãos de uma mulher. As mulheres sempre escassearam no Oeste. Se tivessem existido em maior número talvez se houvesse evitado muito derramamento de sangue. Não devo encerrar a introdução sem dizer que esta novela é também um épico e agradecido ao móvel volante mais caraterístico daquela época: A DILIGÊNCIA.
O autor

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