sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

PAS179. Toiro de cobrição

Gonçalo ficou só, montado no seu cavalo, depois de ter visto partir o companheiro. A manada encontrava-se a umas centenas de metros. Mais outros dez ou doze vaqueiros rodeavam-na, vigilantes, atentos, enquanto as reses dormiam sobre a erva fofa.
A cerca, de postes de ferro e arame farpado, estava também À vista de Gonzalo. Sempre que fazia serviço de noite costumava colocar-se ali. O facto tinha explicação.
Ia à procura do grande toiro de cobrição, o «Senior», de raça Hereford, grande amigo seu, que admirava pela enorme corpulência, a mansidão, o desvelo contínuo pelas fêmeas e bezerros da manada, como um pai carinhoso.
Tirou de um saco que trazia à garoupa do cavalo, com as suas provisões, algumas grandes beterrabas doces, tão do agrado do gado, e partiu um par delas, com a navalha em pedaços pequenos. Depois, descendo do corcel, avançou lentamente para a manada, que ocupava uma grande extensão da pradaria. Começou a assobiar de uma maneira especial, com modulações, enquanto prosseguia no seu lento avanço.
Não tardou em destacar-se uma mancha escura, de entre as reses deitadas ou em pé. Era o grande «Senior», o toiro de cobrição que «Callahan, havia quatro anos, importara de Inglaterra, quando o animal ainda tinha apenas seis meses. Custara ao granadeiro dois mil dólares mais os gastos dos transportes.
O toiro mugiu surdamente. Um mugido amistoso, enquanto avançava pesadamente, apoiando as curtas patas no chão como se lhe desse trabalho movimentar a mole de cerca de setecentos quilos de peso.
- Cada dia mais preguiçoso, meu amigo – disse Gonzalo, rindo. – Ande e venha cá, faça um pouco de exercício. Venha; não pense que eu vou servi-lo de joelhos, sultão.
O touro mugiu, erguendo a grande cabeça vermelha com manchas brancas, em que mal se distinguiam os chifres. Era um belo exemplar, talvez o melhor de todo o grande rebanho de duas mil cabeças. Contava já numerosos filhos, alguns deles também grandes como ele e da sua pura raça.
O animal chegou por fim ao pé de Gonzalo que tinha na mão um bocado de beterraba. Deu-lhe um empurrãozito amistoso com a testa, no peito, que fez o homem recuar violentamente.
- Não sejas tão carinhoso, locomotiva – exclamou Gonzalo, sentido. – E come isto para teres sempre uma boa recordação do teu amigo – afagava-o na testa, atrás das orelhas, na concavidade da queixada, enquanto o touro comia deliciado a beterraba. – Não sabe que o patrão partiu para sempre, «Senior»? Foi ele quem o trouxe a esta bendita terra e a você parece que não lhe importa nada saber que ele foi assassinado…
O touro pediu outro bocado de beterraba, enquanto abanava amistosamente a longa cauda rematada por um penacho vermelho e branco. Não parecia, com efeito, ter-se dado por ciente daquela grande desgraça. Mastigava devagar a polpa adocicada, caindo-lhe da boca espessa saliva.
Gonzalo contemplava-o sempre com admiração. Agradava-lhe o seu grande tamanho, o seu enorme vigor, e, talvez, sobretudo, e com certa inveja, o facto de o animal ter tantos filhos robustos.
Gonzalo, solteiro, ansiava, naquele seu ofício ingrato, pelo amor: ter uma mulher de quem gostasse e que o amasse. É certo que havia no rancho algumas criadas mexicanas, e sobretudo Lolita agradava-lhe particularmente. Talvez se chegasse a casar com ela, apesar de Lolita ser coquete e gostar de fazer negaças.
Acabados os bocados de beterraba, «Senior», que tinha estado constantemente a voltar a cabeça na direção da manada como atento guardião das suas fêmeas e bezerros, deu meia volta, depois de mugir poderosamente e procurar o corpo de Gonzalito para dar-lhe outro empurrão de despedida, disposto a voltar ao seu lugar.
(Coleção Pólvora, nº 48)

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