sábado, 21 de dezembro de 2013

PAS197. O segredo de Soledad

A pessoa recém-chegada à Missão era uma belíssima mulher. Desmontou agilmente e com o lenço que trazia em volta do pescoço enxugou o suor do rosto. Depois, desprendeu um pequeno saco do arção da sela, deixou as rédeas caídas no solo, aos pés do animal, e dirigiu-se para a entrada da pequena igreja. 0 padre Damian, com o Crucifixo nas mãos, saiu ao seu encontro.
— Boa tarde, minha filha — saudou, estudando-a com os olhos. — Vens em missão de paz a esta casa do Senhor?
A rapariga fitou-o com os seus formosos olhos negros. Era uma jovem dos seus vinte e cinco anos, alta e esbelta. A roupa que trazia vestida estava bastante maltratada e calçava umas botas cujos canos subiam acima dos joelhos. Sob a jaqueta de pele de rena, orlada de franjas, entreviam-se dois revólveres; do lado esquerdo da sela do cavalo, havia uma espingarda «Henry», de doze tiros.


Avançou um passo, tirou o chapéu que lhe cobria a farta cabeleira negra e beijou a cruz que o franciscano lhe estendia.
— Chamo-me Soledad — replicou — ... Soledad, «A Mestiça», padre... Venho, efetivamente, com fins pací­ficos, e a prova é que gostaria de lhe oferecer este pequeno presente. Constou-me que tem falta de víveres e não pude resistir à tentação de lhe trazer uns queijos e uns boiões de doce. Aceite-os, padre, por favor.
Frei Damian sorriu bondosamente e as suas sobran­celhas embranquecidas pela idade ergueram-se ao olhar para o belo rosto moreno da visitante.
— Receio — disse — nada te poder dar em troca. Os índios não me trazem nada nem os pobres tão pouco. Assim, apenas te poderei pagar com a Divina Graça e as minhas orações. Julgo que é melhor eu não aceitar isso. Pode fazer-te falta.
Soledad fez um gesto negativo e colocou-lhe o saco nas mãos.
— Rogo-lhe que aceite, padre. Ficarei largamente recompensada se me escutar durante alguns minutos. Es­pero que me faça, um grande favor. Pode ser, padre?
O frade concordou e conduziu a jovem à sala de estar, onde lhe ofereceu uma cadeira para se sentar.
A tarde morria lentamente e os raios oblíquos do Sol quebravam-se através dos vitrais pintados, proje­tando tons multicores sobre a figura de Soledad que se encontrava de costas pana uma pequena estante com livros. «A Mestiça» atirou para trás a jaqueta de pele, deixando a descoberto a blusa de seda estampada.
— Diz-me, então, de que se trata, minha filha — disse o padre Serra, com a sua calma costumada, após ter-se acomodado defronte da sua mesa de madeira de pinho sem verniz.— Em que posso eu servir-te? Queres confessar-te?
Ela esboçou um sorriso que lhe iluminou o semblante moreno.
— Por enquanto, não, padre — retorquiu. — Trata-se de outro assunto. — Remexeu-se, inquieta, na cadeira, e prosseguiu, com esforço:—Disseram-me que o senhor sabe falar a língua «apache» e agradecia-lhe que me deci­frasse o conteúdo de um mapa. — Fez uma pausa para sorrir timidamente e concluiu :- Virei bem encaminha­da, padre?
— Ora vejamos, minha filha. Há muito tempo que não vejo manuscrito desse género, mas... farei o que esteja ao meu alcance.
Soledad tirou de um dos bolsos da sua jaqueta uma carteira e, de dentro desta, um pergaminho que desdo­brou diante do frade. Frei Damian endireitou-o com a mão e contemplou-o detidamente. Ao cabo de algum tem­po de absoluto silêncio, o franciscano ergueu cabeça e murmurou impassível:
— Fala-se aqui de um tesouro fabuloso, minha filha. Não creio que te convenha saber exatamente o que se diz aqui. O ouro sempre foi e há-de ser a perdição da Humanidade.
A rapariga pôs-se de pé. As suas pupilas negras relampejaram e o seu peito, sob o tecido leve da blusa, agitou-se com o ritmo da respiração acelerada.
— Mas, padre! — exclamou, aproximando-se da mesa. — Não é possível que o senhor esteja a falar a sério! O ouro é a perdição daqueles que o não sabem administrar. Para os outros, para os que lhe conhecem o valor, é uma dádiva do Céu. Se eu encontrar esse ouro espalharei o bem à minha volta; até mesmo esta pobre ermida ganharia...
(Coleção Bisonte, nº 47)

 

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