quarta-feira, 23 de novembro de 2022

CLT022.14 Uma armadilha para o ressuscitado


Tinha caído a noite. A rua principal de Watson City estava só iluminada a pequenos troços por raios de luz que procediam dos lugares de divertimento.

Beerman achava-se de pé junto da janela do seu escritório enquanto Paul lia um periódico da capital, debaixo da luz que pendia do tecto.

—Não gosto nada disto… —disse o sheriff, dando um estalo com a língua.

Paul levantou o olhar e franziu a testa, perguntando:

—Que é que não lhe agrada?

—Esta calma.

—Ë bom para nós. Eu tenho ganas de tirar uma noite sem ir impor a paz a um grupo de bêbados que estão dispostos a partir a cabeça por uma dessas mulheres.

—Sem dúvida, hoje fazem menos barulho.

—Não será que os cidadãos começam a comportar-se como tais?

—Temo que não.

Paul encolheu os ombros e recomeçou a leitura. O sheriff tirou um cigarro duma gaveta da mesa e depois de pô-lo entre os lábios acendeu-o calmamente. Ainda não tinha apagado o fósforo quando a porta se abriu de repente e quatro homens capitaneados por Burt Goodrich penetraram no quarto, de revólver na mão.

Paul deu um salto e iniciou um movimento para tirar a arma, mas deteve-o a voz de Goodrich.

—Quieto, ajudante, ou haverá fogo artificial antes da hora.

Beerman não se mexeu. Deu outra chupadela ao cigarro, aplicando ao seu extremo a chama do fósforo. Apagou este, e atirando-o fora inquiriu:

—Que é isto, Burt?

—Adivinhe-o.

— Segundo a Lei, violação de um escritório público e coação às forças encarregadas de manter a ordem.

— Nada mais? — sorriu o outro.

—Continue, e acumularei tantos cargos que necessitará das sete vidas de um gato para cumprir a pena que lhe sentenciará o tribunal do condado.

Clinton Hayden deslizou pela porta aberta, e advertiu:

—Não trate de assuntos com Burt, Beerman. Não terá tais cargos.

—Isso acredita você, Hayden. Está a ponto de terminar o seu reinado. Foi demasiado longe no seu caminho.

— Agora é quando estou chegando à meta.

— Será o seu funeral.

Clinton sorriu ironicamente, e disse:

—Haverá coroas, Beerman; mas nenhuma delas adornará meu caixão. Qual é a sua flor favorita?

— Não se atreverá a matar-nos, Hayden — repontou o sheriff.

—Claro que não, rapaz. Na capital do Estado saberão que você e o seu ajudante morreram cumprindo o seu dever. E sabe uma coisa? Eu mesmo irei a Austin dar a informação. Que pena e que orgulho o próprio governador sentirá quando se inteirar do seu falecimento! Será uma história comovedora. Pode ser que até a publiquem nos jornais do Este. A sua fama se estenderá por todo o país. Chamar-lhe-ão o «Herói Jonh Beerman», e os rapazes compará-lo-ão com Bufallo Bill e «Wild» Bill Hickok.

— Não está mal—concordou o sheriff. —E o que será o relato?

—Sensacional. Um réu chamado Keith Yerbi foi condenado à forca por um júri de Watson City. Executou-se a sentença, e um erro irreparável: deu-se por morto e foi enterrado. Mas vivia e saiu da sua sepultura. Era um delinquente nato, tinha sido enforcado por ter morto um enviado do Governo. Ao ver-se vivo, só teve na sua mente uma ideia. A de liquidar aqueles que o quiseram expulsar do mundo dos vivos. Primeiro matou o juiz, depois o promotor... Mas antes que pudesse continuar com o terceiro da sua lista, o valoroso sheriff de Watson City e o seu ajudante descobriram-no uma noite na cidade, quando se dirigia para assassinar o próprio advogado, que desinteressadamente o tinha defendido. Não imagina o final?

—Prefiro ouvi-lo dos seus lábios. —disse Beerman. — Resulta muito mais emocionante.

— Magnífico; eu o satisfarei. Entabulou-se um feroz tiroteio, e quando o terminou havia três mortos estendidos na rua. Eram os dois representantes da lei e Yerbi.

—Felicito-o. E uma grande história.

—Oh, obrigado. Naturalmente, em seu obséquio e para enaltecer as suas virtudes, direi que você viveu ainda uns minutos. Eu reclinei a sua cabeça no meu braço, e comuniquei-lhe que o bandido estava morto. Assim faleceu você com um sorriso na boca.

—Um final moralizador. Pelos vistos cuidou dos mais ínfimos detalhes.

—Precisamente, guiado por esse fim não quis vocês perdessem a primeira parte da representação.

—Em que consistirá, pode-se saber?

—Na morte última, total, absoluta, perfeita e definitiva do seu amigo Keith Yerbi.

—E faltou-lhe dizer somente «completa».

— Celebro que tome as coisas humoristicamente.

—Que outra coisa posso fazer? Mas, diga-me, senhor Hayden, como pensa acabar de forma tão fulminante com Yerbi?

—E o mais simples de tudo. Yerbi aparecerá por um dos extremos da rua ou por qualquer das ruas transversais, e dirigir-se-á para o Hotel Maxim, onde se hospeda Koehler. Pois bem, tenho uns cinquenta homens distribuídos por essa parte com ordem de coser com balázios o nosso ressuscitado.

Hayden sorriu, juntando:

—Você pensará que Yerbi pode chegar ao hotel cruzando os telhados. Eu também o pensei, e com duas dezenas de homens cortarei em seco o seu caminho.

—Tem tudo estudado.

—Ponto por ponto, Não tem possibilidades de escapar.

Beerman deu uma chupada no cigarro, e perguntou:

—Posse pedir-lhe um favor especial?

—Naturalmente.

—Não quero perder essa cena que descreveu. Podemos contemplá-la dum bom lugar? Isto está muito afastado do Hotel Maxim.

Hayden riu e disse:

—Siga-me, mas antes deixe-me desarmá-lo.

Minutos mais tarde o grupo tinha-se refugiado num canto escuro da ampla porta dum armazém, que se encontrava a trinta jardas do Maxim.

— Agora ordeno-lhes que guardem silêncio —murmurou o ganadeiro com voz dura. —À menor palavra que pronunciem, dispararemos contra vocês.

Beerman e Paul olharam-se. O primeiro deles mostrava-se agora nervoso, não porque temesse o seu destino, mas pela sensação de impotência que o invadia lentamente ao ver que não podia romper a suja armadilha de Hayden.

Foram-se passando inexoravelmente os minutos. A rua estava silenciosa. Dir-se-ia que naquela desapiedada armadilha participava toda Watson City. De repente, uns segundos antes da meia-noite, ouviu-se o galope longínquo dum cavalo.

— Aí está o ressuscitado! —anunciou Clinton, com grande emoção. — Siga cada um as instruções!

O ruído produzido pelos cascos do potro foi-se aproximando. Subitamente um ginete apareceu no alto da rua. Beerman, ouviu ranger os dentes do rancheiro, e compreendeu quanto ódio havia sentir pelo homem que ingenuamente se dirigia ao Maxim.

Paul tocou com o cotovelo suavemente no seu chefe. O ginete achava-se já muito próximo. Talvez o impressionasse o estranho silêncio que rodava a cidade, e deixou que a sua cavalgadura seguisse a trote curto.

«Se tivesse retrocedido!» — pensou o sheriff. Mas já não podia salvar-se. Nas suas costas teria não menos de vinte revólveres. Quantos canos apontariam para o ginete? Vinte jardas o separavam deles. Quinze, dez...

De repente, Paul gritou:

— Cuidado, Yerbi!

Burt pregou-lhe uma pancada na cabeça, exclamando:

—Maldito!

O ginete, ao ouvir a voz, fixou as esporas nos flancos do cavalo, e este saltou disparado como uma bala.

—Fogo sobre ele! — bramou Hayden, abandonando o canto, e apertando o gatilho.

Um, dois, quatro, oito estampidos ressoaram na noite, e depois oito mais. O ginete lançou um grito ao receber um projétil nas costas, e caiu do cavalo. Mas o seu pé ficou enganchado no estribo e foi arrastado pela rua. Então viu-se um espetáculo macabro. De ambos os lados apareceram labaredas, e todas as armas dispararam sobre o seu corpo que se contorcia e estremecia a cada impacto. Mas o nobre cavalo prosseguia na sua corrida, como se intentasse salvar o seu dono num supremo esforço.

Beerman triste, deu-se conta de que Keith Yerbi tinha morrido de verdade. O seu corpo devia estar convertido numa autêntica passadeira.

— Vão por ele! — ordenou Hayden. — A cavalo! Trá-lo-emos em seguida!

O potro desapareceu no outro extremo da rua arrastando sempre o desditoso ginete. Paul voltou a si e foi obrigado a levantar-se, mercê dum pontapé do próprio Burt.

—Agradou-lhe, Beerman? —perguntou Clinton, voltando para o sheriff.

Este não pôde conter-se.

—Você é o pior canalha com que me encontrei na vida, Hayden.

— Ih, Ih... ----riu o rancheiro. — Não tínhamos ficado em que o meu plano merecia a sua aprovação?

— Termine de uma vez! Que espera para assassinar-nos?

Um tropel de cowboys tinha saído em busca do cadáver de Yerbi. Clinton disse, olhando Beerman:

—Oh, referia-se à segunda parte da representação. Permite que façamos um descanso? Ê costume, de verdade? Molharemos a garganta. Confessará que esta primeira parte foi altamente emocionante. Obedeçam. Tratem de andar para o saloon mais próximo.

O estabelecimento em que entraram encontrava--se sem um cliente. Detrás do balcão havia dois homens com cara de espanto.

—Whisky para todos! — gritou Clinton.

Um dos assustados colocou sobre o balcão de madeira oito copos, e foi-os enchendo tremendo.

— Que lhe parece, Beerman? — inquiriu o ganadeiro. —Por quem bebemos? —Soltou uma gargalhada. — À saúde de Keith Yerbi?... Pela sua morte ou pela sua própria ressurreição?

—Pela sua ressurreição—disse uma voz atrás do grupo.

Todos se voltaram com rapidez, ficando estupefactos. Ali, no umbral da porta oscilante, achava-se Keith Yerbi com um revólver em cada mão.

 

 

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