sexta-feira, 11 de novembro de 2022

CLT022.02 Em busca de uma terra sossegada

 

PRIMEIRA PARTE

 


 


Keith Yerbi deteve a sua cavalgadura contemplando os bois mortos que estavam estendidos no prado. Contou até dezasseis. Desmontou e aproximou-se do boi mais próximo. Havia sido morto a tiro.

A matança devia ser recente, a julgar pelo aspeto dos orifícios das balas e o sangue fresco que tinha corrido pela pele do animal antes de formar um grande charco na erva.

Não gostou daquilo.

Ele vinha de uma comarca em que disparavam uma média de duas balas diárias para salvar a vida. Estava cansado de apertar o gatilho e de toda aquela gente. Tinha percorrido mais de quinhentas milhas nas últimas semanas.

Quando dois dias antes avistou o mar de erva disse para si mesmo que aquele era o país que procurava desde que tinha saído de Virgínia City. Ali não devia haver pistoleiros profissionais, nem jogadores, nem mulheres de má nota...

Aquele infinito campo verde fazia-lhe pensar que era um lago de águas tranquilas e pouco profundas, onde a vida deslizaria suave e agradavelmente.

E agora acontecia-lhe aquilo: à vista de novilhos mortos tinha a maior deceção para todos os se s anteriores pensamentos.

Não tinha outro remédio senão continuar o eu caminho. Ali também se lutava.

Começou a suspeitar se não andaria atrás duma utopia. Encolheu os ombros, e dispunha-se a montar, quando o ruído do tropel de cavalos nas suas costas o fez voltar. Viu uma dezena de cavaleiros que se aproximavam do sítio onde ele estava. Julgou oportuno esperá-los, imaginando que faziam parte dum dos bandos que estavam em guerra.

No minuto seguinte chegou o pequeno exército, e os cavalos detiveram-se relinchando. Doze pares de olhos convergiram para o homem que estava de pé, segurando nas mãos as rédeas do seu cavalo. Um indivíduo de barba comprida e olhos peque-nos, inquiriu:

—Veio ver o efeito da sua obra?

Keith franziu a sobrancelha e repontou:

—Não sei do que fala, amigo. Passava por aqui e ao ver estes animais, acerquei-me para examiná-los.

Fez-se um silêncio. Por fim outro homem perguntou:

—Como posso dar crédito ao que ele diz?

—Chamo-me Keith Yerbi, e nunca tinha pisado este solo antes de agora. Comprovo-o onde queira.

— Isso não é fácil.

—Ignoro o que se passou aqui. Não sei quem matou estes animais, nem porque o fizeram.

—E tão-pouco sabes quem somos nós?

—Pela forma que se dirigem a mim, suponho que serão os prejudicados.

— Bom, virás connosco, e o chefe decidirá o que fazer de ti.

— Não tenho intenção de deter-me nesta região. Confesso que os seus argumentos me fazem mudar de ideias.

Instantaneamente vários homens sacaram os revólveres. Keith sorriu e disse:

— Quando quiserem, senhores...

Subiu para o cavalo, e o homem que lhe tinha falado indicou-lhe que se pusesse a seu lado. Depois de cavalgarem durante meia hora, viram uma cerca, e depois uma porta sobre a qual havia um cartaz com letras gravadas a fogo. Keith leu: «Rancho Stanley».

Seguiram por um caminho emaranhado, e um quarto de milha depois Yerbi viu um edifício de madeira que se compunha de vários corpos. O central devia estar destinado para a vivenda dos donos, pelo melhor aspeto das portas, janelas e chaminé. Desmontaram, e o tipo que tinha falado com Keith disse:

— Siga-me.

Quando ia a obedecer, sentiu umas mãos apoderarem-se das suas armas. Quando se voltou, era demasiado tarde para evitá-lo.

— Pura precaução, senhor Yerbi — disse o seu guia.

Keith confirmou com a cabeça, já que não podia fazer outra coisa. Penetraram na casa, e foram para um quarto confortavelmente mobilado. Tinha três poltronas, um divã, uma pequena biblioteca com estantes encostadas à parede, vários quadros, e a mulher. Yerbi considerou esta não só como a coisa decorativa de tudo que existia ali dentro, mas também a mais transcendente das ruivas que tinha visto durante a última década.

Devia ter uns vinte e dois ou vinte e três os, era esbelta, de compridas pernas e ancas Iargas, torneadas, cintura estreita, busto apertado e dimensões simétricas; cabeça redonda com uns olhos verdes, brilhantes, e lábios frescos, vermelho como cerejas.

O loiro e compacto cabelo emoldurava o rosto de cútis branca que prometia a suavidade da seda.

—Que há, Burt? — perguntou a deusa, dirigindo um olhar de curiosidade ao desconhecido.

— Este homem, menina Stanley — respondeu o aludido. — Encontrámo-lo no prado, ao pé das rezes que foram mortas pelo bando de Meredith...

—E porque o trazes? — reprovou a jovem, com aspereza. —O senhor Hayden deu uma ordem!... Devias tê-lo enforcado!...

—Pensei que...

— És pago para que obedeças! Há outros que pensam por ti!...

— De acordo — resmungou Burt, mordendo o lábio inferior.

Voltou-se para Keith e juntou:

— Vamos, Yerbi!

Este manifestou-se, olhando para a mulher.

— Sou de opinião que na situação atual deve dar--me oportunidade de alegar qualquer coisa em minha defesa, menina Stanley.

—Juízo enganado!

—Porquê? Todo o réu deve ser considerado inocente até que se demonstre a sua culpabilidade. E ainda que você seja partidária do princípio inverso, sempre existirá um processo...

A jovem olhou atentamente o rosto do homem que assim falava.

—Que quer dizer? — inquiriu.

—Repetir o que já disse anteriormente a Burt. Não sei nada dos seus problemas: acabo de chegar à comarca, e nunca ouvi falar desse Meredith em toda a minha vida.

—Como se chama?

—Keith Yerbi.

—Supondo que o acreditava, que vem fazer aqui?

— Procurava um lugar tranquilo para fazer uma cura de repouso. Pelo que vi, equivoquei-me na direção.

A menina Stanley olhou fixamente a cara do seu interlocutor e comentou:

—Não tem aspeto de estar enfermo.

—Não disse isso. Somente acho-me um pouco cansado.

Burt apertou o braço de Keith e repetiu:

—Vamos, Yerbi!... Não seja teimoso.

O forasteiro voltou-se como um raio, e aplicou o seu punho direito na mandíbula quadrada de Burt, que caiu estrondosamente. Depois saltou sobre o caído, e tirou-lhe as duas pistolas. Tudo havia sucedido em menos de três segundos. A menina Stanley abriu a boca, mas não chegou a gritar por ninguém, porque Keith apontou-lhe unia das pistolas, dizendo:

— Serene, preciosa...

A mais profunda indignação refletiu-se no rosto da bela mulher. Os seus olhos lançaram chamas raivosas enquanto dizia:

—Vejo que tinha razão... Já devia supor que um tipo sujo como você só poderia trabalhar para Meredith...

—Reconheço que o meu aspeto deixa bastante a desejar. Cavalguei durante muitos dias, e não tive ocasião de tomar banho...

— Foi um truque. Meredith pagou-lhe para matar-me. Corrente, mas saiu-se bem do truque, que espera para disparar?

—Não tem medo?

—Por acaso espera que me ponha de joelhos e suplique a vida? Conheço os homens da sua categoria, senhor Yerbi...

— São da sua amizade, suponho.

A rapariga sentiu-se de novo arrebatada pela ira.

—E necessário esta conversa? — replicou com os dentes apertados.

—Não; não o é. Mas já que as circunstâncias deram lugar a ela, não vejo inconveniente em continuá-la... Qual é o seu nome?

—Vá para o inferno!

Keith deu um estalo com a língua recriminosamente, e repontou:

—Sugiro-lhe que responda às minhas perguntas. Devo recordar-lhe que agora sou eu o amo e senhor...

—Meredith não lhe disse como me chamava?

— Os homens da minha qualidade recebem os encargos duma forma bastante peculiar. Só necessitam saber a descrição da vítima e o lugar onde a hão-de encontrar. Responde agora?

—Lucy Stanley.

— Não soa mal. E a proprietária de tudo isto?

— Sim.

—Pois aposto que é um bom bocado. Deve ter atrás das suas saias todos os homens solteiros da comarca.

Lucy cruzou os braços e ergueu o queixo desafiante. Keith bateu-lhe no peito com o cano do revolver, enquanto perguntava:

—Já elegeu o seu eleito?

—Você é um impertinente!

—Bem; não se ruborize por isso.

—Ruborizar-me eu? Dispare agora que pode, porque se não o fizer arrepender-se-á das suas brava-tas!

Yerbi riu sarcasticamente, e ao ver que Burt recuperava os sentidos, aproximou-se dele e voltou a tirá-los com uma suave e certeira coronhada.

—Passemos a outra coisa, Lucy—disse, olhando para a jovem.

—Porque é essa guerra com esse Meredith?

—Não se exceda na sua bravura, senhor Yerdi? Penso que está perdendo um tempo precioso...

—Não tenho nada que fazer e o tempo é meu. Responda.

Lucy entrelaçou os dedos numa atitude de furiosa impotência e declarou:

—William Meredith é um desses agricultores da região. Chegaram aqui há pouco tempo, e usurparam as terras de pasto para cultivá-las. Levantaram cercas impedindo a passagem do gado e roubaram a água..., quer mais, Senhor Yerdi?

—Tenho a impressão de que esta região é enorme. Não haveria a possibilidade de que os rancheiros e agricultores coexistissem nela pacificamente?

— Isto foi sempre uma terra de pastagem. É nosso, de nossos pais e avós!

—De acordo. Mas eles não estiveram aqui desde o princípio dos séculos, tiraram-no aos índios e estes podiam acusar seus pais e avós do mesmo que vocês acusam os agricultores...

—Pretende convencer-me?

— Simplesmente, quis-lhe mostrar o reverso da medalha.

—Pois já terminou!

—Custa-me a acreditar que você, com essa cara tão bonita, seja capaz de consentir que este formoso país fique inundado de sangue. Quem lhe meteu essas ideias na cabeça?

—Não responderei mais!

Keith viu-a indómita, selvagem, e aproximou-se dela, sorrindo.

— Agrada-me, Lucy. Tive uma vez uma potra tão selvagem como você. Demorei a domá-la, mas consegui-o. Depois, quando um dia, corria ao meu encontro, ela acariciava-me a cabeça com o focinho.

A jovem não retrocedeu. Parecia uma gata irada, pronta a saltar sobre o seu inimigo. Keith aproximou-se dela, abraçou-a pela cintura e atraiu-a contra o seu peito, beijando-a na boca com fúria. Ao separar-se dela, viu-a ofegante, mais exasperada que nunca.

—Pagará isto bem caro...! —exclamou enquanto seu peito se agitava.

— Sabe uma coisa, Lucy? —perguntou, como se falasse a uma pessoa amiga. — Tinha pensado em continuar a cavalgar, mas depois de conhecê-la fiquei com ganas de ficar aqui. Está decidido. Ficarei aqui. Se me afastasse agora, não poderia resistir. Confesso que fiquei preso a si.

—Pois fará bem em afastar-se com o diabo para bem longe deste lugar se quer tornar a ver nascer o sol...!

—Tem assim tanto desejo de ver-me morto? Não acredito— Keith atirou as duas pistolas de Burt sobre a poltrona mais próxima da rapariga.

Esta correu para as armas, e apanhou uma.

—Devo levantar os braços, preciosa? —riu Keith.

—Não me chame preciosa! —repontou ela, apontando-lhe a pistola.

—De acordo, preciosa.

Lucy pôs o dedo indicador no gatilho. Houve um silêncio. Os olhos deles fixaram-se. Ao fim de um momento, Lucy perguntou:

— Está bom de juízo, senhor Yerbi?

— Por me ter enamorado de si de repente e por acaso, acha que isso indica que não o estou. Qual é a sua opinião a respeito disso?

—Não sei se rir-me ou dar-lhe um tiro.

—Ria-se. É muito mais são..., para mim.

—Faz parte da sua vida ser tão insolente?

—Parece-lhe que o sou? Teria que apresentar-lhe minhas desculpas.

Lucy deu um suspiro e concluiu:

— Está bem; falemos sensatamente. E verdade que não tem nada a ver com Meredith?

—Em absoluto.

—E a quem quer?

—A si.

A jovem marcou bem as palavras:

— Disse-lhe para falarmos sensatamente.

— Nunca falei mais sério, Lucy. Sugiro-lhe que nos casemos quanto antes. Para que havemos de perder o tempo com preâmbulos? Se quer que lhe conte o que fiz desde que nasci, jantemos juntos esta noite. Há lua cheia e podemos passear no jardim...

—Mas... mas... —balbuciou Lucy, num tom de assombro. — Você é diferente... você é... o homem mais exasperante que conheci em toda a vida...!

Naquele instante a porta abriu-se e entrou um indivíduo duns trinta e cinco anos, alto, forte e de feições corretas. Deu uns passos no quarto, caminhando para Lucy, e de repente deteve-se contemplando com surpresa a cena que se oferecia a seus olhos.

Burt caído no chão sem sentidos, a jovem com um revólver na mão, e aquele indivíduo desconhecido que voltava a cabeça para ele com curiosidade.

— Que se passou aqui? — inquiriu, enrugando o nariz.

Ninguém respondeu.

—Que dizes, Lucy? — insistiu.

— Mas... bem, Burt tropeçou. Foi isso, Clinton. Caiu, e bateu com a cabeça na sela...

O homem a que chamava Clinton perguntou de novo:

—E que fazes com esse «Colt» na mão?

—Ê de Burt, sabes? Tirei-lho para que não pesasse tanto quando o levantássemos. Ia a atirar o revólver para a poltrona para o lado do outro...

— Bem; suponho que esse homem é o que foi encontrado junto das reses mortas...

—Sim; mas ele não tem nada que ver com isso.

—Como o sabes? Disse-to ele?

—Estou certa.

—Lucy querida, acredito que o teu débil coração nos traga más consequências qualquer dia — Clinton examinou dos pés à cabeça Keith, e expôs: — Deixa-o por minha conta, e te direi dentro dum momento se trabalha ou não para Meredith.

—Já está resolvido, Clinton! —De qualquer forma indagarei.

— Sou eu quem dá ordens no rancho Stanley! — exclamou ela em voz seca.

Houve uma pausa. Clinton olhava com ar surpreendido Lucy. Ao fim dum minuto disse:

—Está bem, querida. Não se fala mais nisto.

O desmaiado levantou-se, tocando na cabeça e gemendo.

— Burt! — chamou a rapariga.

O aludido fechou e abriu os olhos, e ao fixar Keith Yerbi apontou com um dedo gritando:

—Esse homem...!

— Esse homem — interrompeu a jovem —, fica agregado deste momento à equipa do rancho Stanley.

Clinton perguntou:

—Pediu-to ele?

Foi o próprio Keith que respondeu:

— Sim, senhor. Pedi-lho. Não há nada neste mundo que deseje com maior força.

Lucy ordenou:

— Recolhe os teus revólveres, Burt, e mostra ao senhor Yerbi o seu novo alojamento.

Burt pegou nas armas, e encaminhou-se para fora sem deixar de tocar na cabeça. Keith olhou para Lucy sorrindo, e manifestou:

—Será um prazer trabalhar para si, menina Stanley. — Caminhou atrás de Burt, e quando estava no umbral do quarto voltou-se para juntar: — suponho que poderei tomar um banho antes de começar a trabalhar, menina. Não me agradaria que quando me vissem por aí dissessem que sou um tipo sujo.

— Toma! — exclamou Lucy, com as pupilas chamejantes. Keith inclinou-se em sinal de agradecimento e saiu, fechando a porta.

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