terça-feira, 22 de novembro de 2022

CLT022.13 O segredo para manter vivo um homem enforcado


A porta abriu-se dum golpe dando lugar ao sheriff Beerman, que levava o revólver na mão. Lucy olhou-o assombrada.

— Perdoe-me que me apresente desta forma, menina Stanley, mas não me deixam vê-la.

—Que se passa?

Beerman fechou a porta, e manifestou-se:

— Preciso ver Keith Yerbi.

A jovem não respondeu, e ele continuou a falar.

— Supunha que o sabia, Lucy. Encontrou-se com ele, não é verdade?

—Há um bocado estive com ele. Antes de ir para seu lado desconhecia tudo.

—Tem que dizer-me agora mesmo o lugar em que que se encontra.

—Não conseguirá arrancar-me nada, sheriff.

—Nesse caso, você será responsável pelo que se possa passar.

— Assumo, gostosamente, essa responsabilidade.

Beerman aproximou-se da rapariga, que falava ao pé duma janela, e disse:

—Talvez devesse ter-lhe dito antes que Clinton Hayden sabe a estas horas que Yerbi não está morto.

—De que forma o soube?

—Yerbi falou com Koehler, que pôs de sobreaviso Hayden. Este teve as suas dúvidas e como eu não lhas conseguisse dissipar, foi ao cemitério comprová-lo o que havia de verdade no assunto. Dum momento para o outro desenterraram o caixão de Keith sem ele lá dentro,

—E você não tinha dúvidas sobre a sua morte?

—O meu ajudante e eu preparámos a comédia do enforcamento.

—Porque o fez?

--Yerbi era inocente, e foi condenado por um tribunal corrompido. Quando jurei, no momento em que tomei o meu cargo, disse que serviria a justiça. Não fiz mais que cumprir essa promessa.

— Não pensa que deveria ter avisado Yerbi dos seus propósitos?

— Pensei que tudo sairia bem, e que quando despertasse estaríamos a seu lado. Mas falhou a droga que lhe demos...

—A droga?

— Antes de saímos da prisão demos-lhe uma chávena de café na qual tínhamos diluído umas plantas que adormecem. Paul viveu alguns anos com os índios, e conhecia essa planta, mas enganou-se na quantidade. A verdade é que levámos Keith para o lugar da execução e Paul pôs-lhe a corda, previamente preparada a fim de que não provocasse a estrangulação —Beerman fez uma pausa e prosseguiu: — Foi enforcado, e então chegou a primeira contrariedade. Pensávamos trasladar o corpo de Keith para casa de Paul, e esperar que ele ali abrisse os olhos. Mas Greene ficou em nossa companhia, querendo presenciar o enterro. Tivemos que mudar o nosso projeto. Afortunadamente, Paul pôde fazer uns furos no caixão, e assim ocorreu-me dizer a Greene que dias antes Yerbi tinha escrito uma carta a um irmão, rogando-lhe que fosse enterrado em Abilene, sua povoação natal. Disse ao promotor que o irmão não tardaria a chegar, e assim justifiquei o carácter provisório da sepultura. O meu ajudante e eu, enterrámo-lo, colocando as pedras em pequena porção, temendo que, por pretender salvar um inocente, podíamos produzir, involuntariamente, uma morte mil vezes mais terrível que a da forca.

O sheriff calou-se, e Lucy animou-o a continuar.

—Que se passou depois?

—Paul e eu fomo-nos embora com Greene. Quando este se separou de nós, ao chegar à poVoação, perguntei ao meu ajudante quanto tempo estaria Keith debaixo do efeito da droga, e ele disse-me que não podia despertar antes de vinte horas. Foi isso que falhou! Quando chegámos ao cemitério encontrámos as pedras removidas e a sepultura vazia. Procurámos Yerbi pela comarca durante horas e horas, até que se fez dia. Comecei a acreditar que Yerbi tinha pensado que tinha sido enterrado com vida por erro, e ao encontrar-se vivo tinha fugido. Era o mais lógico. Abandonámos a busca, e desejei de todo o coração que Yerbi tivesse mais sorte para onde se dirigisse.

—Esquece-se de algo no seu relato, sheriff —disse Lucy.

—O quê?

—A inscrição da cruz da sepultura vizinha à de Keith.

Beerman enrugou as sobrancelhas:

—Não sei ao que se refere.

—E possível? Nessa cruz dizia-se que quem estava debaixo dela tinha morrido no ano de 1897. Keith leu-a, e acreditou realmente que era um ressuscitado.

—E algo curioso.

—E a isso temos que juntar que Yerbi veio ao rancho, e viu a filha da minha irmã e esta. Influenciado pela data da cruz e pela parecença de Ana comigo, chegou ã conclusão definitiva. Então só viveu para a sua vingança.

—E inaudito, nós temos que o admitir como dois factos absolutamente casuais. Essa gravação da tumba...

—Já o disse a Keith, mas não acredita que se pudessem dar tantas coincidências.

—Ele sugere que foi induzido ã confusão premeditadamente?

—Sim. É algo que está por deslindar.

—Dir-me-á agora onde se esconde?

Lucy olhou fixamente nos olhos o sheriff, e respondeu:

— Primeiro tem que me dizer o que é que pode acontecer a Keith se não cair nas suas mãos.

—Nas minhas? Se eu sou o autor da representação!

— Mas então não tinha morto ninguém. Agora tem que responder por duas vidas, a de Chandler e a de Greene.

Beerman deu um suspiro, e declarou:

—Tal como as coisas estão, se a Yerbi acontecesse algo, também haveria culpas para mim. Dá--se conta? Preciso-o vivo; e não sou eu só. Necessitam também os agricultores.

—Há um lugar para mim?

Beerman sorriu e disse:

— Quere-o, de verdade?

—Sim, quero-o, e não poderia suportar que «morresse» outra vez.

—Ajude-me, então!

Lucy voltou a cara para a janela, cruzando os braços.

—Dá-se conta do que me pede, Beerman? Tudo isso que me contou parece bastante verosímil, mas...

— Não a forço a isso. Mas asseguro-lhe que estamos perdendo um tempo precioso. Hayden fará uma armadilha a Keith. Se não o aviso agora...

Lucy voltou-se decidida, e revelou:

—Encontrá-lo-á na cabana abandonada do Barranco do Lobo.

— Obrigado, menina Stanley.

Beerman fez uma inclinação de cabeça e saiu do quarto. Ainda ressoavam os seus passos ao longe, quando entrou Clinton Hayden.

— Que veio fazer aqui o sheriff? — perguntou com indolência, olhando Lucy.

A jovem pensou se teria estado escutando atrás da porta.

—Esta é a minha casa, Clinton — disse. — E nela entram todas as pessoas que aprecio.

— Oh, sim, claro. O sheriff é um homem muito simpático. Lastima que tenhamos que prescindir dele...

—Que quer dizer?

—Ultimamente a sua saudação deixa a desejar. Com toda a possibilidade sentir-se-á melhor noutros ares. Ele não quer compreendê-lo assim, mas eu sou um bom amigo seu, e decidi preocupar-me com ele.

— Porque não deixas os sarcasmos para melhor ocasião?

Pelas pupilas do ganadeiro cruzou um raio de ira.

—Não haverá melhor ocasião para Beerman nem para Yerbi!

Fez-se um silêncio. Ao fim de um minuto, Lucy perguntou:

— Porque não concretizas a tua ameaça?

—Não vejo inconveniente. Yerbi voltará à sepultura donde saiu, e abrirão uma nova para o sheriff. Não ficas contente? Eles são nossos inimigos.

— Teus inimigos, Clinton.

—E teus também! — gritou fora de si Clinton, aproximando-se da rapariga. —Que se passa, Lucy? Deixaste-te enganar por esse vagabundo? O que pudeste ver nele?

—Nobreza, espírito de justiça e valor.

—Como podes falar assim dum tipo que nos combate, que pretende dar aos agricultores o que nos pertence?

—Tens má memória, Clinton. Os direitos dos agricultores foram reconhecidos pelo Governo.

—Mas agora temos uma sentença que os nega!...

—A que preço a conseguiste?

— Não importa o seu custo!

—Isso já o sabia. Nem te tinha importado converter o prado num mar de sangue, para veres realizado o teu propósito.

—Sim! Não teria vacilado nem vacilaria, se algum dia for necessário! Tu é que mudaste, Lucy. Esta terra é nossa, de nossos pais! Legaram-na a nós, entendes? Eles conquistaram-na, e souberam-na defender contra tudo.

—Eu mudei porque não necessitamos dos acres que concederam aos agricultores, e pensei que essas famílias vinham de muito longe fundar aqui os seus lares. Porque não concedes uma oportunidade de melhorar a vida aos que nada possuem, sabendo que a nós nos sobra o que a eles faz falta?

—Podes dizer-me quando se te meteu na cabeça esse sentimento tão sublime?

Lucy não respondeu.

— Eu direi! — gritou novamente o rancheiro. — Foi quando falou contigo esse maldito Yerbi!...

—E se foi assim? Suponhamos que estava cega, que vivia envenenada com os preconceitos, com os nossos absurdos direitos feudais, esses mesmos direitos que tanto temos criticado a respeito dos europeus; iria continuar encerrada no meu egoísmo? De acordo! Esse homem fez-me compreender que nós estávamos equivocados!... Que não tínhamos direito, que ninguém tem direito a interpor-se na marcha inexorável da civilização!... O futuro do nosso país está amparado por uma constituição em que se diz que um homem é livre e os seus direitos serão protegidos!... Nós estávamos manchando essa liberdade e atacando esses direitos à pistola!... Coagíamos os agricultores queimando os seus campos, atacando as suas casas, e tu, obrando por tua conta, chegaste a tirar-lhes a vida... Até quando vais mantendo diante dos teus olhos essa venda que te impede de ver?

Clinton, com o rosto lívido, contemplava Lucy que falava como transformada, cheia de fervor.

—Enamoraste-te dele? — declarou com voz rouca.

—Sim; estou enamorada de Keith.

O ganadeiro apertou os dentes e replicou:

—Mas será comigo com quem te casas.

—Isso não acontecerá jamais.

—Serás minha mulher, ainda que para consegui-lo tivesse que aliar-me ao próprio diabo.

Hayden deu meia-volta, e dirigiu-se para a porta. No umbral-girou sobre os tacões, juntando:

— Quando regressar a esta casa, Keith Yerbi terá morrido definitivamente, juro-to.

Lucy sentiu um estremecimento e foi para dizer algo, mas já Clinton tinha deixado a sala. Nervosamente, triste, assustada, passeou de um lado para o outro apertando as mãos, consultando o relógio a cada instante.

Tinham transcorrido noventa minutos, quando ouviu o galope de um cavalo no exterior, e ao aproximar-se da janela, o coração deu-lhe um salto. Era o sheriff Beerman quem desmontava à porta de sua casa. Pouco depois entrava no quarto, e Lucy olhou-o na cara querendo ver nela a antecipação das notícias que trazia.

— Que aconteceu, sheriff?

Beerman humedeceu os lábios antes de responder.

—Keith... não estava na cabana...

—Deus meu!...

—Cheguei demasiado tarde. Agora só cabe esperar que tenha intuição para escapar à armadilha que lhe pôs Hayden... Não podemos ajudá-lo.

O homem e a mulher ficaram a olhar-se nos olhos. Em ambos os olhares existia a mesma desconfiança a respeito da única possibilidade que ficava a Keith Yerbi de salvar pela segunda vez a vida.

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