Zacarias Koehler tirava roupa dum armário e atirava-a para cima da cama, na qual havia uma maleta de couro. De repente, bateram à porta, e deu um grito de sobressalto. Depois, contendo a respiração, empunhou nervosamente um revólver.
—Quem... quem é?
—Abra, Koehler!... Sou Hayden, Clinton Hayden!...
—Como... como é que é você?...
—Deixe-se de dizer idiotices e abra!...
Com as pernas a tremer aproximou-se da porta, colado à parede, e advertiu:
—Se ao abrir não o vejo com os braços ao alto, dispararei!...
— Valente imbecil!
Ele fez girar a chave e abriu a porta. Pela fresta comprovou que efetivamente se tratava do ganadeiro. Este perguntou:
— Ficou satisfeito?
Koehler deixou-o entrar, e fechou a porta rapidamente.
—Posso saber o que se passa, Koehler? Parece uma velha assustada!
—Clinton deitou ma olhadela ao quarto, e ao ver a roupa e a maleta sobre a cama, perguntou:
— Que é isso?
—Vou-me embora! —respondeu o advogado, com a voz trémula.
—Vai-se? Perdeu a cabeça?
—Se fico é que...
—Não o compreendo, Zacarias—disse Clinton, franzindo as sobrancelhas. —Explique-se!...
Koehler guardou a pistola, aproximou-se da cama, abriu a mala e começou a meter camisas e roupa interior numa completa confusão.
—Que espera para falar? — gritou Hayden irritado.
—Ê que isto não está bastante claro? —respondeu o outro, sem interromper o seu trabalho. — Primeiro mataram Chandler, e depois calhou a Greene!... Que cargos ocupavam nesta comunidade? 'Um era juiz e o outro promotor. Quem será a próxima vítima? — Perguntou, voltando-se para o rancheiro. —Não dá conta da relação que existe entre ambas as mortes? O próximo cadáver será o meu, e por todos os infernos vou tratar de me pôr a andar para não me enterrarem em Watson City!...
Apanhou uma jaleca, e atirou-a para a maleta. Hayden aproximou-se do advogado, e de repente agarrou-o pelo colarinho da camisa com uma mão, e com a mitra esbofeteou-o repetidas vezes.
—Porco cobarde!... Tem medo, hem... Devia partir-lhe o nariz!... Merece que o pise como um verme!...
— Não me bata! — gemeu o advogado.
Hayden deu-lhe um empurrão, atirando-o contra a parede.
—Dá-me asco, Zacarias Não sei como me contenho e não o espanco!...
— Deixe-me ir embora... —respondeu Koheler, com os olhos assustados. — Sempre o servi sem pestanejar... Preciso de descansar.
— Até ao presente não lhe correu mal a vida em Watson City, é verdade? Enchi de dinheiro os seus bolsos. Pois bem, agora terá oportunidade de redobrar a sua fortuna...
—Tenho o suficiente para viver, Hayden. Não quero mais.
—Estou-lhe oferecendo o cargo de juiz do condado, Koheler. Não esperava, verdade?
O aludido humedeceu os lábios, e respondeu:
—Agradeço a sua deferência, mas não posso aceitar nestas circunstâncias...
— Que circunstâncias? — frisou o rancheiro. —Deixa-se levar pelo histerismo! Admito que as mortes de Chandler e Greene possam estar relacionadas, mas isso não quer dizer que você também esteja na lista. Apanharemos esse assassino, seja quem for!... Pôr-lhe-ei uma guarda especial, Zacarias. Dois homens, os melhores atiradores de revólver do Estado, se alternarão para lhe servir de guarda-costas...
— Mas não sabemos quem é o assassino! Matar-me-á sem que a sua sentinela possa fazer nada para evitá-lo!...
—Já soube que esse tipo matou sem mostrar a cara? Jamais se atreveu a disparar na rua, porque isso acarretaria a sua própria morte. Ele esconde-se, ampara-se nas sombras. Estudei cuidadosamente os casos do juiz e do promotor, e cheguei à conclusão de que o homem que os eliminou tem medo. Caçá-lo-emos quando quiser abrir um pouco os olhos.
Koehler não estava muito convencido, e, todavia, tremia dos pés à cabeça. Hayden prosseguiu:
—Há qualquer coisa que talvez o ajude a suportar o risco. Dar-lhe-ei mil dólares quando o assunto estiver terminado...
O advogado arqueou as sobrancelhas, e perguntou:
—Que há acerca da nomeação?
— Numa semana conseguirei a ratificação na capital.
Fez-se um silêncio. Koehler parecia ponderar os prós e os contras da oferta que lhe havia sido feita. Ao fim de um momento, disse:
—De acordo, Hayden. Com a condição de que os meus guarda-costas comecem o trabalho imediatamente. Irão para todos os lados comigo, e ficarão à porta do meu quarto enquanto durma...
Clinton sorriu, dirigiu-se para a porta.
—Tenha cuidado. Dir-lhe-ei que obedeçam às suas ordens. Subirão daqui a pouco para que os conheça bem.
Pouco depois o rancheiro apresentava a Koheler os seus guardas. Chamavam-se Ben Joyce e Normal Le Roy. O primeiro era alto, delgado, maçãs do rosto salientes, contrastando com o outro, robusto, de poderosas pernas, amplo tórax e rosto sardento.
Estabeleceu-se que Joyce começasse a guarda, e alternassem cada doze horas. O advogado, quando Hayden e Le Roy se foram embora, pôs uma cadeira no corredor, e disse a Joyce que enquanto ele estivesse no quarto, apoiasse as costas da cadeira à porta, e permanecesse sentado até receber novas instruções.
Aquela noite passou sem que nada viesse alterar o sono do novo juiz do condado nem a tranquilidade do Hotel Maxim, no qual se hospedava.
Durante o dia seguinte, teve atrás dos seus calcanhares Le Roy como se este fosse a sua sombra. Os olhos de Koheler moviam-se perscrutadora-mente, pensando descobrir em cada indivíduo o assassino que temia. Mas tão-pouco houve motivo para que o seu guarda interviesse em cumprimento da obrigação contraída.
Quando chegou outra vez a noite, Koheler retirou-se para o seu quarto de dormir, depois de jantar, correspondendo a vigilância a Joyce na mesma posição indicada no dia anterior. O advogado estava a despir-se quando ouviu ruídos de riso no piso superior. Alguém se divertia com uma mulher, pensou.
Deitou-se e subiu a roupa até ao pescoço, fechando os olhos. Passaram quinze minutos. O barulho não só continuava em cima, como também parecia que ia aumentando. Não podia conciliar o sono com aquele barulho infernal. Levantou-se maldizendo em voz baixa, e aproximou-se da porta chamando o seu guarda.
—Está aí, Joyce?
—Sim. Passa-se qualquer coisa?
— No quarto de cima estão fazendo barulho. Pode-me fazê-los calar?
—Decerto. Será uma questão dum minuto.
Ouviu os passos de Joyce afastando-se da porta, até que se perderam. Ao fim dum momento cessaram os ruídos em cima.
—Bem — disse para si mesmo—, este rapaz sabe impor-se.
Deitou-se de novo, e passado um par de minutos ouviu que Joyce regressava de novo e se sentava na cadeira. Fechou os olhos e principiou a adormecer. De repente chamaram à porta, e ele ficou sentado na cama dum salto.
—Que se passa, Joyce?
— Perdoe-me, senhor Koehler. Acabaram-se-me os fósforos.
—Oh, bem. Dar-lhe-ei uma caixa —respondeu, enquanto metia os pés nas pantufas. Pôs-se em pé, e às cegas procurou o seu robe até encontrar o que procurava. Caminhou depois para a porta, abriu-a uns centímetros, e pôs a mão de fora dizendo: —Aí a tem.
De fora pegaram na caixa, e quando pretendeu fechar a porta, uma bota pôs-se ma abertura e impediu-o.
— Que se passa, Joyce? — inquiriu.
—Deixe-me entrar. Há uma corrente no corredor.
Aquela voz produziu-lhe uma impressão estranha. Não lhe pareceu a do seu guarda, mas quando ia a raciocinar empurraram-no para o centro do quarto. Um fósforo raspou na lixa da caixa, e apareceu uma chama.
Koehler deu um grito de horror, recuando.
—Aconselho-o a não gritar, advogado—disse o homem que segurava o fósforo, apagando-o com um sopro. —Só queria que me visse. Agora já sabe quem sou...
—Mas... Mas Joyce...
—Tem a fazer-me alguma sugestão em contrário?
— Não me mate!... Eu não fiz nada! Alguém tinha que defendê-lo, e correspondeu a mim!... Fiz o melhor que pude!...
—Cale-se!
—Tem que acreditar-me —começou a choramingar Koehler. —Obrigaram-me a isso. Eu não o condenei. Recorde-se.
—Mas foi um cúmplice. Em quantos delitos participou? Terá esquecido até o número!...
—É verdade que!... —De repente o advogado pareceu recordar-se de alguma coisa, e gritou: —O senhor foi enforcado!... Santo Deus!...
E não disse mais porque desmaiou, de terror.
Quando voltou a si viu todo o quarto envolto em escuridão, e pensou que aquela cena da luz iluminando o rosto do homem que tinha morrido, fazia parte dum sono. Pôs-se em pé, apertando as fontes, e então uma voz advertiu-o:
— Procure não voltar a desmaiar, porque nunca mais despertaria.
— Então é verdade! — exclamou aflitivamente.
—Vou-lhe dar uma oportunidade, Koehler...
—Uma... oportunidade?
— Quero desmascarar Hayden. Você foi colaborador dele muito tempo, e está ao corrente das suas trapalhices e crimes...
—Não sei nada! Eu só...
—Escolha entre uma bala e a confissão que solicito!
Durante um momento ouviu-se no quarto a respiração angustiada do advogado.
—Que decide? —perguntou, em tom áspero, o seu visitante.
—Que tenho que fazer?
—Um relato minucioso dos actos ilegais cometidos por Hayden.
— Mas isso significa que me ponho a mim mesmo uma corda em volta do pescoço!...
—Você assinará a confissão, o que será considerado um dia pelo tribunal. Constatará que foi espontânea, ou seja, que eu não o obriguei a isso. Nestas condições, terá uma pena não superior a dez anos. Ou isso ou a morte agora mesmo.
—Não deixa escolher. Você ganha.
— Não, Koehler, você. Quero fazer-lhe notar que deve dar maior atenção ao caso relativo aos direitos dos agricultores. Quanto à forma como Hayden atuou para que o juiz Suyder se decidisse a dar uma sentença a seu favor, e o que se passou na sala quando me introduzi no escritório...
— Vi Clinton fazer um sinal a um dos seus homens que estavam por detrás dele.
—Tem papel e tinta?
—Sim.
— Faça essa confissão esta noite e envie-a amanhã pelo correio. O destinatário é o Presidente do Tribunal de Apelação de Austin. Advirto-o de que se não cumpre as minhas ordens, não preciso dizer--lhe que o matarei no caso de não as seguir. Amanhã voltarei a visitá-lo à meia-noite.
—Mas...
— Nem uma palavra disto ao guarda que deixei em cima. Quando vier para baixo, censure-o pela sua demora. Esse Joyce ficará contente por vê-lo vivo.
O intruso deu uns passos na escuridão para a porta. Koehler balbuciou:
— Quero... fazer-lhe uma pergunta.
— Faça-a...
—Como é possível que tenha...
— ...Ressuscitado?
— Sim. — concordou o advogado, sem poder evitar um estremecimento.
— Também eu o ignoro.
Abriu e fechou a porta, ficando no quarto unicamente o seu aterrorizado inquilino.
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