quarta-feira, 16 de novembro de 2022

CLT022.07 O último beijo do condenado


Keith apoiava-se na parede, contemplando o bocado de céu que era visível entre as barras de ferro da janela. Mexeram na fechadura, e a porta abriu-se gemendo. No umbral apareceu o sheriff Beerman, que anunciou:

—Tem uma visita, Yerbi. São só cinco minutos.

Keith girou nos seus tacões, vendo que quem entrava na cela era Lucy Stanley. Ficaram imóveis, olhando-se frente a frente enquanto Beerman fechava a porta.

— Porque veio? — perguntou ele.

—Não sei ainda—respondeu a jovem, com voz suave. —Era um desejo que me esmagava, e quis conhecer a causa...

—Talvez fosse para ver a cara dum homem horas antes de ser enforcado?...

—Por favor, não se martirize, Keith...

Houve um silêncio, e ao fim dum bocado ele murmurou:

— Perdoe-me, Lucy. Lucy sorriu debilmente.

— Posso fazer algo por você?

—Penso que nada.

— Não tem família?

—Não.

—Nem amigos?

Keith caminhou para a janela, e quando chegou debaixo dela voltou-se, dizendo:

—O que eu lhe queria pedir, você não poderá cumprir.

—Porque não?

— Vai contra os seus interesses e os do seu futuro marido.

Lucy demorou algum tempo a responder, mas por fim manifestou-se:

—Seja o que for, cumprirei. Prometo-lhe.

—Está bem; diga a William Meredith que recorrer ao Tribunal Supremo contra a sentença do juiz Suyder; diga-lhe também que a Justiça vencerá por fim, e que ele e os seus voltarão aos campos e que...

De repente a jovem deu uma volta e inclinou a cabeça, soluçando.

—Que se passa, Lucy?

Ela tirou um lenço do bolso e disse, enquanto secava as lágrimas:

— Não poderei fazer o que me pede...

—Bem me parecia. Já lhe tinha dito que ia contra os seus interesses...

Lucy voltou-se rapidamente, e declarou:

—William Meredith morreu ontem.

Keith não se moveu, nem alterou um só músculo do rosto.

—Que disse? —inquiriu, com voz rouca.

— Não lhe posso dar detalhes, mas ouvi dizer que havia sido morto.

—Agora tudo está claro, não é verdade?

—Sinto muito, Keith.

— Clinton Hayden será o rei da comarca. Que mais pode desejar? Tinha comprados o juiz e o promotor, na sentença que reconhece direitos exclusivos sobre centenas de milhas quadradas, dentro em pouco possuirá a mulher mais formosa do Estado...

—Não me casarei com ele!

Yerbi sorriu sarcasticamente.

—Ignora que para Clinton não existem obstáculos. Se a quer, não se deterá diante de nada para que seja sua mulher.

— Venderei o rancho, e ir-me-ei embora da região!

—Não conseguirá escapar. Clinton sabe jogar as suas cartas no momento preciso...

Houve um novo silêncio. Lucy moveu a cabeça dum lado para o outro, exclamando:

— Se soubesse o que ia acontecer! Eu antes era diferente, Keith! Sempre fui admirada pelo meu valor, pelo meu sangue-frio... Muitos homens me temeram. Então, se não tivesse querido a Clinton e ele me tentasse obrigar a casar, não teria vacilado em dar-lhe um tiro... Mas agora, tenho medo, Keith!... Pela primeira vez na minha vida, tenho muito medo!...

Ele acercou-se da jovem, lentamente, e de repente ela lançou-se-lhe nos braços, soluçando.

—Lucy — disse ele apertando-a contra si. --Tens que voltar a ser forte. Serás se o quiseres...

— Não, Keith... Não posso. Não poderei sem ti... Amo-te, Keith... Quero-te mais que a nada no mundo...

Levantou a cara banhada em lágrimas, e Keith colou os seus lábios aos dela. A porta gemeu, e a voz de Beerman advertiu:

—Findou o tempo, menina Stanley...

Lucy separou-se dele, contemplando horrorizada o homem que mais amava.

— Não, Keith!... Não quero que morras!... Preciso de ti…

Yerbi teve que estrangular o nó que tinha na garganta.

—Esquece-te de mim, Lucy. Ser-te-á fácil. Não sou senão um aventureiro...

—Não, Keith — respondeu Lucy, chorando. —És o homem melhor que conheci. Desejaste que se fizesse justiça, e não te importaste em arriscar a vida... Não poderei esquecer-te jamais!... Sempre te amarei!... Beija-me, Keith! Beija-me!...

Voltaram a unir as bocas e separam-se lentamente, olhando-se nos olhos. Depois, quando ela chegou ao umbral da cela, voltou-se bruscamente e desapareceu. Beerman seguiu-a com o olhar pelo corredor, e quando os passos se perderam ao longe, voltou-se para Keith e disse:

— Já sabe que amanhã ao amanhecer se executará a sentença.

— Recordo-me perfeitamente.

—É costume que o condenado escolha a sua última refeição.

—Não quero que o Município exceda os seus gastos.

—De acordo— Beerman fez uma pausa, e depois perguntou: —Posso fazer algo por si?

—Sim.

—De que se trata?

—Como mataram Meredith?

— Quando soube do assassinato do juiz especial e de que você era considerado culpado, Meredith pôs-se à cabeça dos seus e lançou-se contra o rancho de Clinton Hayden. Aconteceu o que tinha que acontecer. As forças de Clinton eram três vezes as de Meredith. Este e meia dúzia de agricultores foram mortos em combate.

—E os sobreviventes?

— Já não têm chefe, e estão desmoralizados. Penso que renunciaram a continuar a luta, e reconheceram a sentença do juiz Suyder. Segundo esta concede-lhes um prazo de vinte dias para abandonarem os seus campos.

—E o que faz você, Beerman?

— Que quer que faça? Os direitos de Clinton Hayden estão reconhecidos pela assinatura dum enviado do Departamento de Justiça!

—Sim; tem razão—concordou Keith, pensativamente. — Foi a grande jogada de Hayden. Conseguiu dar forma legal à sua ambição...

O sheriff encolheu os ombros, e perguntou:

—Mais alguma coisa, Yerbi?

—Não; obrigado.

Beerman saiu da cela. Yerbi estendeu-se na cama, e dormiu até que lhe trouxeram o jantar. Depois de comer, fumou um cigarro atrás de outro, ao pé da janela, contemplando as estrelas e vendo, segundo a segundo, como o Sol ia abrindo caminho entre as trevas.

Às seis da manhã apareceu Beerman com um dos seus ajudantes. O sheriff disse:

—Bem, Yerbi. Chegou a tua hora.

— Estou preparado. Quando queira.

Beerman fez um sinal ao seu ajudante, que foi para trás de Keith, juntou-lhe as mãos nas costas e atou-as. A. porta da rua estava um carro, e em redor estavam a cavalo Clinton Hayden, o juiz Chandler, o promotor Greene, o advogado Koehler e Burt Goodrich.

Yerbi deteve-se à porta, olhando fixo os olhos dos cinco homens que tinham colaborado para enviá-lo para a forca.

—Os corvos não quiseram perder o fim da sua presa — comentou.

— Que espera, sheriff? — interpelou Hayden, com aspereza.

Beerman empurrou o réu, e este subiu para o carro. A comitiva pôs-se em movimento. Dirigiram-se para os arredores da povoação e detiveram-se diante duma árvore. O ajudante do sheriff preparou em poucos minutos a corda. Clinton disse mordazmente:

—Qual é a sua última vontade, Yerbi?

O aludido olhou o seu carrasco e respondeu:

—Receberá o castigo que merece, Hayden. Você e os que estão do seu lado…

—Terminemos duma vez! —disse o juiz Chandler.

—Porquê? — sorriu o rancheiro. —O senhor Yerbi tem direito a dizer-nos um sermão. Mas não seja longo, peço-lhe.

Keith respondeu:

—Já disse o que tinha a dizer. Só ajuntarei que nenhum de vocês morrerá na cama... Continue com a representação, sheriff I...

Foi o ajudante de Beerman quem passou o laço pela cabeça do réu. Depois, este ficou sozinho na plataforma do carro. O sheriff bateu com um chicote nas ancas dos cavalos, e estes arrancaram.

Por um instante as botas de Yerbi resvalaram na superfície de madeira, e de repente ficou suspenso no vazio. As testemunhas viram que o corpo estremecia várias vezes, até que por fim ficava balanceando levemente, sem vida.

—Acabou-se — decretou Hayden. — Voltemos para o rancho.

Antes que começassem a galopar, aproximou-se um ginete a galope.

—Que se passa, Sam? —perguntou-lhe o rancheiro quando este chegou a seu lado.

— Boas notícias, chefe — respondeu o vaqueiro, olhando primeiro o corpo do enforcado. — Os agricultores estão preparando as suas equipagens para abandonar a comarca...

Clinton sorriu, e o juiz Chandler opinou:

—Conseguiu tudo, Hayden. Você é um homem de sorte.

—Tudo não—replicou o aludido, com os olhos relampejantes. —Mas terei tudo muito depressa. Antes de um mês casar-me-ei com Lucy Stanley. Então não haverá ninguém mais poderoso que eu no Oeste... Regressemos!

Greene disse que ficaria com Beerman, e os outros foram-se embora.

— Baixa-o Paul — indicou o sheriff. —E enterremo-lo agora mesmo.

—Alguém reclamou o corpo? —perguntou o promotor. — Esta manhã disse-me que escreveu a um irmão rogando-lhe que lhe desse sepultura na sua povoação natal.

De repente uns passos aproximaram-se. Beerman voltou-se e viu Desi Farwell. O idiota aproximou-se vacilante, olhando unicamente o corpo que Paul colocava de novo em cima do carro.

—Era meu amigo—disse. —Não deviam fazer--lhe mal... Era meu amigo...




FIM DA PRIMEIRA PARTE

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