Clinton Mayden entrou sem bater no escritório do promotor Greene, e este, que estava trabalhando numa secretária, levantou a cabeça, e disse:
—Olá, Clinton, que te traz por aqui?
O rancheiro não falou até se ter sentado numa cómoda poltrona.
—Clark Smith, um dos meus rapazes, matou outro do rancho Z.
— Ouvi falar qualquer coisa acerca dele. Acontece algo de anormal? É o costume, não? Legítima defesa.
—Não me agrada a atitude adotada por Beerman.
—Que fez?
—Meteu no cárcere Clark. Diz que tem testemunhas que presenciaram a luta. Clark disparou sobre o outro, sem que este tivesse dado motivo para isso.
Greene encostou-se para trás, e entrelaçou os dedos sobre o ventre.
— Qual foi a causa da disputa?
—A de sempre; uma mulher. Ameacei Beerman em retirar-lhe o meu apoio, mas parece que ele não faz caso.
O promotor sorriu, dizendo:
—Não compreendo porque dás tanta importância a um assunto que não a tem.
—Não suporto parvoíces de ninguém! E muito menos duma pessoa que me deve o lugar que ocupa!
—A Beerman subiu-lhe a estrela à cabeça, mas ele não pode enfrentar-se contigo porque sempre o levarás a perder.
—Não vim aqui para ouvir o que sei perfeitamente! Quero a liberdade do meu cowboy e, por cima de tudo, a promessa de que não haverá julgamento! Já ajustarei contas com Beerman!
—Não é mais que isso? O sheriff cumpre o seu dever. Detém Clark e prende-o; prepara a acusação e entrega-ma a mim. Eu não tenho mais que interrogar «as testemunhas», o que me levará à conclusão de que o teu rapaz sacou o revólver no momento em que o outro punha em perigo a sua vida. Vês como é simples?
Hayden assentiu com a cabeça e pôs-se de pé:
—Quero que Clark durma esta noite no rancho, entendido, Paul?
O promotor também se levantou, respondendo:
—Claro que sim, Clinton. E assunto meu. A propósito, ainda não te perguntei que opinião tens sobre a morte de Chandler...
—Está claro. Assalto. Foi encontrado no seu quarto de dormir em completa desordem. O ladrão foi surpreendido pelo nosso juiz, e aquele matou-o para sair-se do apuro.
—Foi o que tinha pensado, mas sempre gostei de ouvi-lo a um amigo.
— Queres dizer que pode haver mais possibilidades?
—Não faças caso. Mas já sabes. Temos trabalhado juntos com algumas coisas...
—Tens medo agora?
—Não. Porque havia de o ter? Tu estás por detrás de nós...
Olharam-se de frente uns segundos, e por fim Clinton despediu-se, retirando-se.
Greene voltou para os seus papéis, e esteve trabalhando durante trinta minutos. Depois dirigiu-se ao estabelecimento de bebidas mais próximo do seu escritório, e bebeu um par de whiskies.
Eram três e meia da tarde quando entrou no pequeno escritório do sheriff Beerman, que se encontrava sentado, com os pés em cima da mesa, tirando com a ponta da navalha, um bocado de madeira.
— Olá, John — saudou o visitante.
—Que tal, promotor? Não se senta? Coloque-se debaixo da janela, e receberá ma nuca o ar fresco. Hoje está um sol quentíssimo.
Greene aceitou a sugestão do outro, e perguntou:
—Que se propõe, John?
—Sobre o quê?
— Sabes a que me refiro.
—Oh, sim, suponho que se trata desse jovem, Clark Smith.
—Acertou. Que há com ele?
—Matou um homem—disse Beerman, sem abandonar a sua atividade de indolência, e observando o outro.
—Isso é alguma coisa nova em Watson City?
—Não. Mas eu aceitei uma candidatura para o lugar de sheriff e não para o de empresário de pompas fúnebres.
—Porque não és mais claro, John?
Beerman fixou os seus olhos nos do seu interlocutor.
— Já é tempo de que os métodos mudem em Watson City, parece-lhe, promotor?
—Não me dei mal de todo com os que até agora temos vindo a praticar.
— Eu diria que deram resultado muito bom para certas pessoas. E isso é o que você e eu devemos averiguar! A lei é igual para todos!...
— Remorsos de consciência, sheriff — sorriu Greene.
—Não trate de colocar-me a seu nível, Greene. Eu cumpri o meu dever. Desgraçadamente, nesta complicada máquina da justiça sou a peça menos importante A minha intervenção termina apenas iniciada. Prendo os delinquentes e acabou-se.
As maçãs do rosto do fiscal tornaram-se vermelhas. Com voz rouca replicou:
—Não quis dar crédito a Clinton Hayden, mas agora estou convencido. Onde quer ir parar?
—Não permitirei arbitrariedades na minha jurisdição!
—Põe-se termo, hem? Agora irá dizer que o seu lugar está entre o povo.
— Meterei no cárcere quem não cumpra a lei e as ordens, seja quem seja! Não me importará o aspeto das suas mãos ou a cor da sua camisa.
—Devo admiti-lo como um repto?
—Faça o que quiser. Congratule-me que tenha vindo, porque assim não lhe surpreenderá a minha conduta a partir de agora...
—E você quem se vai surpreender, John... E asseguro-lhe que muito depressa!...
—Sei com quem me enfrento, e não me admirarei de nada.
—Nesse caso, saiba que antes de duas semanas você deixará de ser o sheriff de Watson City.
Greene levantou-se com o queixo erguido, e encaminhou-se para a porta. Beerman estendeu, ainda mais as pernas sobre a mesa, inclinando a cadeira, e sugeriu:
— Vai pôr em prática mais um dos seus métodos, não é assim, promotor? Far-me-á cair em cima a inspeção dos comissários?
Greene voltou-se com a mão posta na maçaneta, respondendo:
—Pela última vez, sheriff, põe em liberdade esse homem?
—Não.
—Recordo-lhe que como promotor deste condado anularei a acusação.
—Sei-o.
—E a sua resposta continua sendo a mesma?
— Completamente.
Greene abandonou o escritório atirando com a porta. Minutos depois encontrava-se de novo diante da sua secretária, escrevendo uma carta ao Inspetor Chefe dos Comissários do Estado. Estava quase a terminá-la quando bateram à porta.
—Entre! — autorizou.
Um homem entrou no quarto, e ficou imóvel envolto na penumbra.
—Que deseja? —perguntou o promotor
— Falar consigo.
—Pode vir noutra altura? Agora tenho trabalho.
—Esperarei. O meu é mais importante.
Greene vacilou, mas decidiu-se por fim, influenciado pela firmeza da voz do recém-chegado.
—Está bem, sente-se e já o avisarei.
O homem avançou uns passos, e quando o promotor acreditava que ia ter a possibilidade de contemplar o seu rosto, aquele sentou-se de costas, numa cadeira muito afastada da secretária. Green fez um trejeito, e continuou escrevendo.
Pouco depois assinou a carta, meteu-a num sobrescrito e pôs-lhe a direção. Afastou-a para o lado para que secasse, e então indicou:
—Já o posso atender, quem é?
O desconhecido não se moveu, mas os seus lábios responderam:
—Matei alguém, promotor.
Greene ficou suspenso meio minuto, e exclamou:
—Esta sim que é bem boa!... Que se passa com os cidadãos de hoje? É a segunda morte que me anunciam neste dia. Mas tenho de adverti-lo que se equivocou no caminho. A quem deve apresentar-se é ao sheriff...
—Já o sei, mas preferi acudir a si.
—Porquê? Nada posso fazer.
—Um amigo informou-me do contrário.
—Que amigo?
—Não importa o nome, mas sim o que ele me disse.
—Deve ser interessante, pois seguiu as suas instruções.
—Sim, assim o creio. Ele viu-se numa enrascadela parecida à que me encontro agora, e você tirou-o de lá
— Devia ser inocente do delito que o culpavam, e então o mérito não é meu.
— Era culpado como o próprio diabo!...
A seca resposta do visitante ensombrou o rosto de Greene, que, carraspeando, disse:
—Parece-me que vai muito longe nas suas afirmações.
—Não me agrada andar pelas nuvens, promotor. O meu amigo recomendou-me que lhe mostrasse o meu jogo desde o princípio.
—E qual é?
—Mil dólares, e você demonstra a minha inocência.
Reinou um grande silêncio no escritório até que Greene afirmou:
—O seu amigo está equivocado. Não sou dessa classe de gente.
—Mil e quinhentos.
—Esse homem devia estar bêbado quando falou consigo.
—Dois mil, nem mais um, promotor. E tudo o que tenho.
— Quer comprar a justiça?
— É esse o único objeto da minha visita, e repito-lhe que não posso dar-lhe nem um dólar mais...
Greene sorriu comentando:
—O seu amigo deve conhecer-me bem.
—Assim me assegurou ele.
—Tem os dois mil dólares aí?
—Sim, mas não lhes entregarei até que me demonstre que aceita o meu encargo.
—De acordo. Não lhe digo que seja fácil para mim…
—Não me interessam as dificuldades que encontra senão o seu resultado.
—Está bem, a quem matou?
—Ao juiz Chandler.
Greene deu um salto, inclinando o busto sobre a secretária.
—A quem disse? —Ma ... mas... então, você é um ladrão!
—O juiz Chandler.
—Não houve nenhum ladrão. Desordenei o quarto do juiz, e levei alguns dólares para que acreditassem que se tratava dum roubo.
— Porque... porque fez isso?
O desconhecido não respondeu enquanto se levantava da cadeira e ficava na penumbra. Greene viu umas pupilas fosforescentes, mas o rosto a quem pertenciam continuava envolto na sombra.
—Matei-o porque a justiça estabelecida não podia fazê-lo, já que era ele o seu representante.
— Assassinou-o por vingança!
—Não tanto pelo dano que me tenha causado, mas pelo que ele produziu desde que violou o seu julgamento...
— Essas palavras!... —tartamudeou Greene.
— Recordam-lhe algo?
—Sim, e não... Porque veio até mim? Podia ter fugido...
O promotor deteve-se assombrado pelas suas próprias conclusões.
—Terminarei o que comecei—manifestou o desconhecido. —A minha vida não corre perigo, pois ninguém me pode acusar como o agressor do juiz Chandler. Mas vim oferecer-lhe estes dois mil dólares pela minha liberdade, porque o teria feito se não havia possibilidade de ser preso?...
Greene sentiu-se subitamente aterrorizado, e deu um passo atrás tropeçando na cadeira em que havia estado sentado.
—Di-lo-ei também, promotor—continuou o outro. — Queria verificar que o senhor é o rato de sarjeta que tinha suposto... Ajuda-o isto a recordar-se de mais alguma coisa?...
—Sim! — gritou Greene. —Mas é impossível...
—Eu também não acreditava e, porém...
O desconhecido caminhou em direção ao centro do escritório, e o seu rosto ficou iluminado pelos raios de sol que se filtrava através do cortinado da janela.
— Pare! — gritou o promotor. —O senhor... o senhor é!...
—Não tenho nome. Olhe para mim somente como uma vítima desses métodos que usa. Estou morto, entende-me? Estou morto para o mundo!... Menos para si e seus amigos!...
Greene aproximou-se da mesa e começou a puxar suavemente por uma gaveta, dizendo:
—Ê um fantasma!... Não pode ser outra coisa!...
O seu interlocutor deu uma gargalhada.
—Acredita em fantasmas, promotor? Pensei que não acreditava em mais nada senão no dinheiro.
Greene meteu a mão na gaveta. Os seus dedos roçaram a culatra de um revólver.
—Como pôde fazê-lo? — perguntou.
—Depois explicar-lhe-ei. Agora quero que se sente e faça uma confissão da sua comparticipação nos crimes e de outros delitos de Clinton Hayden.
—De acordo.
Greene sentou-se, e então sacou do revólver. Não teve tempo de apertar o gatilho, porque antes viu surgir uma labareda em frente de si, e simultaneamente um projétil penetrou-lhe na testa nublando-lhe o cérebro. Foi caindo lentamente, mas muito antes de tocar o chão tinha-se escapado a vida do seu corpo.
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