domingo, 21 de novembro de 2021

BIS116.08 Sempre, sempre o irmão...

Clear levantou-se apressadamente da cadeira e, dando um saltinho ridículo, cumprimentou: 

— Viva, xerife, que surpresa! Não o esperávamos por aqui. Não é verdade, Pat? Quantos malfeitores já hoje prendeu? 

John Barton mal o olhou. Repugnava-lhe o seu abdómen proeminente e o seu sorriso falso. Vinha alegre e não queria preocupar-se com ele. 

—Estávamos... estávamos a conversar — acrescentou Claer. — Não é verdade, Pat? 

Nada disso interessava a John, pelo menos de momento. Dando as costas ao proprietário do «Ás de Copas», dirigiu-se ao irmão. 

—Quero falar contigo, Pat — disse. 

— Bom, então saio — decidiu Claer. — Não quero incomodar. 

Antes de sair, recordou a Pat o seu conselho, com um sinal que passou despercebido a John. Claer receava que John tivesse ouvido a proposta que acabava de fazer a Pat, mas John não parecia ter ouvido nada. Dava a impressão de estar muito contente. Era realmente mais cómodo que não tivesse ouvido. 

Pat seguiu Claer com o olhar, pálido e trémulo. John nem sequer nisso reparou. Quando o proprietário do «Ás de Copas» deixou o quarto, aproximou-se do irmão e exclamou, pondo-lhe as mãos sobre os ombros: 

— Vou casar-me, Pat, vou casar-me. 

Pat não o ouvia... continuava a escutar a voz de Claer: «...nunca deixo as coisas em meio... Se tu lhe falasses...». Insistentes, as palavras repetiam-se, martelando-lhe as têmporas, prolongando-se até ao infinito, enlouquecendo-o. 

Entretanto, John, feliz e contente, contava-lhe: 

—Falei com o juiz Smith. Não vê inconveniente em que eu me case com a filha... 

«Eu nunca deixo 'as coisas em meio» ouvia Pat no seu, íntimo. 

—Amamo-nos, sabes? — continuou John. — Ela é linda, não é verdade que é linda? Casamos antes do Outono. 

Repentinamente reparou que Pat não o escutava. Continuava a olhar para a porta, murmurando palavras ininteligíveis, com os dedos crispados nos braços da cadeira. 

— Que tens, Pat? 

Este ergueu a cabeça e fitou-o. 

—Escuta John — confessou. — Tens de deixar o lugar a outro. 

— A outro? Referes-te a Ann?! — inquiriu John estupefacto. 

Pat fez que não com a cabeça. Ann?... Que interessava Ann naquele momento! Eram eles dois e Claer. 

— Volta para o teu rancho e deixa que... façam o que quiserem — acrescentou. 

John franziu o sobrolho. Julgava que o assunte estava encerrado e que Pat não voltaria a insistir nisso. Obrigou-o a levantar-se e a olhá-lo de frente. 

—Que se passa contigo, Pat? Estás a tremer. 

Pat insistia teimosamente: 

—Vai para o teu rancho quando não... matam-te. 

Esquivou-se ao olhar do irmão, olhando para a porta. John compreendeu então o que estava ia passar-se. Na sua alegria, não tinha prestado atenção ao irmão quando entrara no quarto; mas agora recordava-se de tê-lo visto tremer e seguir com os olhos a figura sinistra de James Claer. 

Sem o largar, obrigou-o a voltar a cabeça para ele. 

—Foi Claer quem te aconselhou a dizeres-me isso, não é verdade? — perguntou. — Leio-o nos teus olhos, na tua cara. E ameaçou-te de Morte, se me disseres que foi ele — quase gritou. 

Pat quis libertar-se e rouquejou, histérico, aterrorizado: 

— Não, John, não é verdade, não foi ele. Claer veio cá por outra coisa. Quer que... eu volte para o «Ás de Copas» ... 

Não podia suportar o olhar do irmão. Sabia que mão conseguiria convencê-lo. Tinha a certeza de que ele via que estava a mentir; mas continuou no mesmo tom: 

— Claer é nosso amigo, e respeita-te. Acredita-me, John; tens de acreditar. 

Não pensava no que poderia suceder ao irmão, mas sim no que sucederia a ele próprio, se John tentasse prender Claer e este conseguisse escapar-lhe. Claer iria procurá-lo e matá-lo-ia. 

— Tens de acreditar-me — repetiu. 

John fitava-o com uma expressão de comiseração e de asco. Pat ainda insistiu:

—Não vais incomodar Claer, pois não? Ia ficar aborrecido com as tuas suspeitas. — Depois mudou bruscamente de conversa, voltando à anterior: — Entrega essa estrela, John. Não dizias que ias casar-te? Ann não há de querer que estejas sempre em perigo e... 

John cortou-lhe a verborreia sacudindo-o brutalmente: 

—Quanto te ofereceram, se eu me demitir do meu cango 'de xerife? — quis saber. 

Pat não respondeu. Oferecer-lhe, não tinham oferecido nada. Apenas o tinham ameaçado. 

—Quanto te ofereceu Claer para me convencer... a demitir-me? — insistiu John. 

Pat nunca o vira tão furioso. Nunca tinha visto aquele brilho de aço nos seus olhos, nem semelhante esgar de repugnância na sua boca. Compreendeu que o desprezava como ele se desprezava a si próprio por não falar, por continuar guardando o segredo que podia salvar a vida de John. Esteve prestes a dizer-lhe tudo, a confessar que era Claer quem os ameaçava, que era o gordo proprietário do «Ás de Copas» quem se propusera comprar John para continuar a perpetrar, impune, todos os seus crimes. Mas não foi capaz. Mais forte do que a sua consciência era o instinto da sua própria conservação. Quando John o atirou com um empurrão para cima de tua cadeira e se preparava para sair daquela casa, Pat gritou: 

— Não vás, John, não vás. Matam-te! 

O irmão nem sequer voltou a cabeça. Transpôs o umbral com passo firme e decidido. No ar, ficou suspenso o grito agoirento de Pat: «Não vás, John, matam-te». 

Na, realidade, Pat Barton não pensava no perigo que ameaçava o irmão, mas sim na própria segurança. 

Aterrado, olhou em volta, como se James Claer pudesse surgir inopinadamente de qualquer recanto do quarto. 

Cambaleando, ergueu-se da cadeira e trancou a porta. Arfava, cansado, como se tivesse acabado de fazer una longa caminhada. Se Claer conseguisse escapar...! 

Tinha a certeza de que escaparia. Angustiava-o o pressentimento do perigo. 

Talvez o melhor fosse fugir antes que Claer cumprisse as suas ameaças. 

— Sim, é o melhor — afirmou em voz alta. — Que John se governe! Bem o avisei para, não se meter com Claer. Quem o manda ser teimoso? 

Pôs-se em pé e passeou pelo quarto, escutando, atento, o menor ruído. John sempre tinha sido excessivamente obstinado. Se lhe tivesse dado atenção, teria deixado os outros fazer o que quisessem. Claer tê-lo-ia recompensado com largueza. Não conseguia compreender a sua atitude. 

Mas o caso é que Claer ia pensar que ele tinha falado... Aproximou-se da porta e verificou que estava bem trancada. Respirou mais satisfeito. 

— Talvez consiga convencer Claer que tudo foram suposições .de John — murmurou. 

Entretanto, John encaminhou-se para o «Ás de Cepas». Tinha a certeza de que Pat estava ligado aos seus inimigos. O seu irmão, o seu «pequeno Pat», era um bandido como Claer e todos os que viviam do crime e do roubo em Winona. 

Tinha sido ele quem tentara suborná-lo para que deixasse de cumprir o seu dever. No entanto... era seu irmão. Por isso não o tinha obrigado a falar havia mais tempo. Não teria sido demasiado brando para com ele? 

Enquanto se encaminhava para o «saloon» em busca do seu proprietário, mordia os lábios furioso. Passou por diante de casa do juiz Smith. Ann viu-o e correu a abrir-lhe a porta. 

— John! — chamou. 

Mas John passou de largo e nem voltou a cabeça. Cumprimentavam-no, à sua passagem, e ele não correspondia. Seguia obcecado, com a ideia fixa de se defrontar com Claer. As suas mãos crispavam-se nervosamente nas coronhas dos revólveres... 

Chegou ao «Ás de Copas». Era o local, onde se reunia toda a escumalha de Winona. Homens suados e por barbear, «cowboys» de olhar torvo, trapaceiros e pesquisadores de ouro chegados de terras distantes, batoteiros e mulheres de vida fácil: massa de gente sem honra e sem escrúpulos. Ali bebiam, riam, disputavam aos gritos até ficar roucos, numa atmosfera carregada de fumo e de cheiros nauseabundos. 

John Barton parou à porta e olhou em torno. A maioria dos clientes voltou os olhos para ele. Alguns esconderam as cartas marcadas com agilidade de prestidigitadores, e outros procuraram safar-se dali, com igual presteza. «Quem procuraria ele?», pensaram. 

O xerife, no entanto, não parecia fixar a sua atenção em nenhum dos homens meio bêbados ou mesmo totalmente bêbados, que tinham emudecido repentinamente ao vê-lo chegar. 

Havia pouco tempo ainda que estava no exercício do seu cargo, mas já todos tinham tido ocasião de comprovar a sue retidão e a sua coragem, sobretudo quem por esta ou por aquela razão tinha algum peso na consciência. 

Com o sobrolho franzido e os olhos brilhantes de indignação, John percorreu, o salão com o olhar. Não via ali James Claer. Passou por entre um grupo de bebedores que se afastaram sem, no entanto, largarem a garrafa que tinham na mão. 

—Olá, xerife — grunhiram. 

O xerife naturalmente, não lhes ligou atenção. Tinha um objetivo determinado e esse objetivo era James Claer. Onde se teria ele metido? 

Não fosse ele surgir de súbito, continuava com as mãos nas coronhas dos «Colts». Conhecia bem Claer e sabia que era um magnífico atirador. 

James Claer estava no «Ás de Copas», mas John não o via. Um dos seus homens tinha ido avisá-lo da presença do xerife mal o vira chegar. 

— Cuidado, Claer, que vem aí o xerife. 

Claer logo pensou o que ele queria. Raivou entre dentes: 

—O porco do Psit...! Deu com a língua nos dentes. 

Pat tinha falado por fim, atrevera-se a confessar ao irmão que fora ele quem sugerira que deixasse tudo como estava e não se metesse a querer moralizar Winona. 

Pensou no que lhe convinha fazer. Defrontar-se com John era perigoso. As pessoas começavam a pôr-se do seu lado e, além disso, manejava os revólveres maravilhosamente. Meteu-se, de um pulo, no seu gabinete e foi dali que o viu penetrar no «saloon». Esteve a observá-lo atentamente, por detrás das cortinas. John não era como o Irmão, Pat, nem que se parecesse. A sua tranquilidade era impressionante. Não havia dúvida de que o procurava. 

Acariciou, com deleite, as coronhas dos seus revólveres, praguejou e cuspiu para o chão, raivosamente o resto de charuto que tinha na boca. Sacou um dos «Colts». 

John Barton avançava para o seu gabinete por entre os bebedores que lhe abriam caminho. Começou a ouvir-se pelo «saloon»: 

—Vem por causa do Claer. —Desta não escapa. 

John cravou os olhos nas cortinas. Tal como Claer tinha feito, empunhou um «Colt». À sua volta fizera-se um silêncio impressionante. 0 tipo que matraqueava ao piano parou de repente. Todos estavam pendentes do que ia suceder. 

Todos esperavam' que, de um momento para o outro, Claer começasse a disparar contra o xerife. Não sucedeu, assim, porém. John, sem largar o seu «Colt», apontando-o ao gabinete, deu um esticão saio reposteiro e entrou no aposento de um salto: 

—Olá, xerife — saudaram-no. — Que o traz por aqui? 

Não era Claer quem falava, mas sim um homem gordalhudo e vesgo que ocupava o lugar do proprietário do «Ás de Copas». 

Sentado comodamente numa cadeira, com os pés em cima da mesa, atirou o chapéu para trás e acrescentou: 

— Procurava alguém, xerife? 

Sorria trocista, com um palito entre os 'dentes. John compreendeu que tinha chegado demasiado tarde. De qualquer forma, perguntou: 

— Onde está Claer? 

— Claer? Não sei. Há que tempos que não o vejo — mentiu descaradamente o vesgo. 

Continuava a sorrir muito divertido. Sabia, evidentemente, para onde tinha ido Claer, mas não o diria. 

—Com que então não sabes, hã? 

—Tal e qual, xerife — repetiu, encolhendo os ombros, displicente, e acentuando a palavra «xerife». 

Entretanto, John reparava numa magnífica «Winchester» pendurada numa das paredes do gabinete. 

—E essa «Winchester»? 

O vesgo voltou a cabeça para lá. Empalideceu. Ia dizer que também não sabia, mas já era mentir demasiado, demasiado cinismo. Admitiu: 

— É de Claer. 

— Já desconfiava — murmurou John, entre dentes. — E agora vais dizer-me, sem demora, onde está Claer. 

E não se limitou a perguntar. Com tipos como o vesgo, o melhor era utilizar meios mais duros. Agarrou-o pelo pescoço, ergueu-o em peso e manteve-o no ar, sacudindo-o como um boneco. 

—Não me dizes onde está Claer? 

O vesgo, com o apertão no pescoço, ficou com a língua de fora. Balbuciou, meio asfixiado, esperneando no ar. 

— Largue-me, não tem o direito…

—Não me dizes onde está Claer? 

Acabou por ceder, dizendo que sim com a cabeça, conforme pôde. John largou-o e instou: 

— Fala Imediatamente. 

Mas não falou. Pôs-se a dar gritos, querendo fazer valer os seus direitos de cidadão. 

—A lei está por mim — dizia. — Não fiz mal a ninguém. Você... 

Um soco nos queixos interrompeu-lhe os protestos. Os punhos do xerife eram duros, como ferro, e por várias vezes fizeram sentir a sua contundência. 

—Para onde foi Claer? — repetia. 

Com um olho fechado, os lábios em sangue, meio atordoado, o vesgo pediu misericórdia: 

— Deixe-me, deixe-me…

— Dizes agora onde foi Claer? 

O vesgo voltou a anuir com a cabeça e John interrompeu o corretivo. Aquele sistema de soltar as línguas dos recalcitrantes não era muito do seu agrado, mas, indubitavelmente, surtia magníficos efeitos. 

Depois de cuspir um dente que John lhe fizera saltar, o vesgo confessou por fim: 

— Quer saber onde foi Claer? 

— Há que tempos estou a perguntar-te. 

Apesar do dente, não obstante o olho inchado e os queixos partidos, o vesgo voltou a sorrir. Demorou, deliberadamente, a resposta. John estava quase a iniciar uma nova sessão de massagens quando ele se decidiu a falar. 

— Claer foi procurar o seu irmão, xerife. Pat é um porco e merece que ele o mate. 

John pareceu não ter ouvido bem. Agarrou o vesgo pelas abas do casaco, puxou-o com força e ordenou--lhe: 

— Repete o que, disseste — e a voz tremia-lhe a seu pesar. 

E o vesgo repetiu com todo o vagar: 

— Claer foi matar o seu irmão. 

John largou-o de súbito. O homem foi cair sobre a mesa e bateu com os rins numa 'esquina do tampo. Proferiu uma maldição. Depois disse: 

— Vá depressa, xerife, se quer chegar a tempo. 

John Barton já não o escutava. Depois de soltá-lo deu meia-volta e saiu a correr do gabinete. No «saloon», empurrou vários dos que andavam por ali e lhes estorvavam a passagem. 

--Diabo, que pressa leva! — resmungou um. 

— Podia ver por onde anda — refilou outro. 

—Aonde irá? — quis saber um terceiro. 

O gordalhudo e vesgo saiu do gabinete e ficou a olhá-lo, com o olho inchado. 

—Vais chegar tarde, xerife! — gritou. 

— Aonde é que vai chegar tarde? — tentou averiguar um dos presentes. 

— E a ti que te importa? — respondeu o vesgo. 

O pianista matraqueava no instrumento com raivoso entusiasmo quando John Barton saiu do «Ás de Copas», depois de abrir as portas volantes com um formidável pontapé. O gordalhudo e vesgo ria às gargalhadas. 


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