Clear levantou-se apressadamente da cadeira e, dando um saltinho ridículo, cumprimentou:
— Viva, xerife, que surpresa! Não o esperávamos por aqui. Não é verdade, Pat? Quantos malfeitores já hoje prendeu?
John Barton mal o olhou. Repugnava-lhe o seu abdómen proeminente e o seu sorriso falso. Vinha alegre e não queria preocupar-se com ele.
—Estávamos... estávamos a conversar — acrescentou Claer. — Não é verdade, Pat?
Nada disso interessava a John, pelo menos de momento. Dando as costas ao proprietário do «Ás de Copas», dirigiu-se ao irmão.
—Quero falar contigo, Pat — disse.
— Bom, então saio — decidiu Claer. — Não quero incomodar.
Antes de sair, recordou a Pat o seu conselho, com um sinal que passou despercebido a John. Claer receava que John tivesse ouvido a proposta que acabava de fazer a Pat, mas John não parecia ter ouvido nada. Dava a impressão de estar muito contente. Era realmente mais cómodo que não tivesse ouvido.
Pat seguiu Claer com o olhar, pálido e trémulo. John nem sequer nisso reparou. Quando o proprietário do «Ás de Copas» deixou o quarto, aproximou-se do irmão e exclamou, pondo-lhe as mãos sobre os ombros:
— Vou casar-me, Pat, vou casar-me.
Pat não o ouvia... continuava a escutar a voz de Claer: «...nunca deixo as coisas em meio... Se tu lhe falasses...». Insistentes, as palavras repetiam-se, martelando-lhe as têmporas, prolongando-se até ao infinito, enlouquecendo-o.
Entretanto, John, feliz e contente, contava-lhe:
—Falei com o juiz Smith. Não vê inconveniente em que eu me case com a filha...
«Eu nunca deixo 'as coisas em meio» ouvia Pat no seu, íntimo.
—Amamo-nos, sabes? — continuou John. — Ela é linda, não é verdade que é linda? Casamos antes do Outono.
Repentinamente reparou que Pat não o escutava. Continuava a olhar para a porta, murmurando palavras ininteligíveis, com os dedos crispados nos braços da cadeira.
— Que tens, Pat?
Este ergueu a cabeça e fitou-o.
—Escuta John — confessou. — Tens de deixar o lugar a outro.
— A outro? Referes-te a Ann?! — inquiriu John estupefacto.
Pat fez que não com a cabeça. Ann?... Que interessava Ann naquele momento! Eram eles dois e Claer.
— Volta para o teu rancho e deixa que... façam o que quiserem — acrescentou.
John franziu o sobrolho. Julgava que o assunte estava encerrado e que Pat não voltaria a insistir nisso. Obrigou-o a levantar-se e a olhá-lo de frente.
—Que se passa contigo, Pat? Estás a tremer.
Pat insistia teimosamente:
—Vai para o teu rancho quando não... matam-te.
Esquivou-se ao olhar do irmão, olhando para a porta. John compreendeu então o que estava ia passar-se. Na sua alegria, não tinha prestado atenção ao irmão quando entrara no quarto; mas agora recordava-se de tê-lo visto tremer e seguir com os olhos a figura sinistra de James Claer.
Sem o largar, obrigou-o a voltar a cabeça para ele.
—Foi Claer quem te aconselhou a dizeres-me isso, não é verdade? — perguntou. — Leio-o nos teus olhos, na tua cara. E ameaçou-te de Morte, se me disseres que foi ele — quase gritou.
Pat quis libertar-se e rouquejou, histérico, aterrorizado:
— Não, John, não é verdade, não foi ele. Claer veio cá por outra coisa. Quer que... eu volte para o «Ás de Copas» ...
Não podia suportar o olhar do irmão. Sabia que mão conseguiria convencê-lo. Tinha a certeza de que ele via que estava a mentir; mas continuou no mesmo tom:
— Claer é nosso amigo, e respeita-te. Acredita-me, John; tens de acreditar.
Não pensava no que poderia suceder ao irmão, mas sim no que sucederia a ele próprio, se John tentasse prender Claer e este conseguisse escapar-lhe. Claer iria procurá-lo e matá-lo-ia.
— Tens de acreditar-me — repetiu.
John fitava-o com uma expressão de comiseração e de asco. Pat ainda insistiu:
—Não vais incomodar Claer, pois não? Ia ficar aborrecido com as tuas suspeitas. — Depois mudou bruscamente de conversa, voltando à anterior: — Entrega essa estrela, John. Não dizias que ias casar-te? Ann não há de querer que estejas sempre em perigo e...
John cortou-lhe a verborreia sacudindo-o brutalmente:
—Quanto te ofereceram, se eu me demitir do meu cango 'de xerife? — quis saber.
Pat não respondeu. Oferecer-lhe, não tinham oferecido nada. Apenas o tinham ameaçado.
—Quanto te ofereceu Claer para me convencer... a demitir-me? — insistiu John.
Pat nunca o vira tão furioso. Nunca tinha visto aquele brilho de aço nos seus olhos, nem semelhante esgar de repugnância na sua boca. Compreendeu que o desprezava como ele se desprezava a si próprio por não falar, por continuar guardando o segredo que podia salvar a vida de John. Esteve prestes a dizer-lhe tudo, a confessar que era Claer quem os ameaçava, que era o gordo proprietário do «Ás de Copas» quem se propusera comprar John para continuar a perpetrar, impune, todos os seus crimes. Mas não foi capaz. Mais forte do que a sua consciência era o instinto da sua própria conservação. Quando John o atirou com um empurrão para cima de tua cadeira e se preparava para sair daquela casa, Pat gritou:
— Não vás, John, não vás. Matam-te!
O irmão nem sequer voltou a cabeça. Transpôs o umbral com passo firme e decidido. No ar, ficou suspenso o grito agoirento de Pat: «Não vás, John, matam-te».
Na, realidade, Pat Barton não pensava no perigo que ameaçava o irmão, mas sim na própria segurança.
Aterrado, olhou em volta, como se James Claer pudesse surgir inopinadamente de qualquer recanto do quarto.
Cambaleando, ergueu-se da cadeira e trancou a porta. Arfava, cansado, como se tivesse acabado de fazer una longa caminhada. Se Claer conseguisse escapar...!
Tinha a certeza de que escaparia. Angustiava-o o pressentimento do perigo.
Talvez o melhor fosse fugir antes que Claer cumprisse as suas ameaças.
— Sim, é o melhor — afirmou em voz alta. — Que John se governe! Bem o avisei para, não se meter com Claer. Quem o manda ser teimoso?
Pôs-se em pé e passeou pelo quarto, escutando, atento, o menor ruído. John sempre tinha sido excessivamente obstinado. Se lhe tivesse dado atenção, teria deixado os outros fazer o que quisessem. Claer tê-lo-ia recompensado com largueza. Não conseguia compreender a sua atitude.
Mas o caso é que Claer ia pensar que ele tinha falado... Aproximou-se da porta e verificou que estava bem trancada. Respirou mais satisfeito.
— Talvez consiga convencer Claer que tudo foram suposições .de John — murmurou.
Entretanto, John encaminhou-se para o «Ás de Cepas». Tinha a certeza de que Pat estava ligado aos seus inimigos. O seu irmão, o seu «pequeno Pat», era um bandido como Claer e todos os que viviam do crime e do roubo em Winona.
Tinha sido ele quem tentara suborná-lo para que deixasse de cumprir o seu dever. No entanto... era seu irmão. Por isso não o tinha obrigado a falar havia mais tempo. Não teria sido demasiado brando para com ele?
Enquanto se encaminhava para o «saloon» em busca do seu proprietário, mordia os lábios furioso. Passou por diante de casa do juiz Smith. Ann viu-o e correu a abrir-lhe a porta.
— John! — chamou.
Mas John passou de largo e nem voltou a cabeça. Cumprimentavam-no, à sua passagem, e ele não correspondia. Seguia obcecado, com a ideia fixa de se defrontar com Claer. As suas mãos crispavam-se nervosamente nas coronhas dos revólveres...
Chegou ao «Ás de Copas». Era o local, onde se reunia toda a escumalha de Winona. Homens suados e por barbear, «cowboys» de olhar torvo, trapaceiros e pesquisadores de ouro chegados de terras distantes, batoteiros e mulheres de vida fácil: massa de gente sem honra e sem escrúpulos. Ali bebiam, riam, disputavam aos gritos até ficar roucos, numa atmosfera carregada de fumo e de cheiros nauseabundos.
John Barton parou à porta e olhou em torno. A maioria dos clientes voltou os olhos para ele. Alguns esconderam as cartas marcadas com agilidade de prestidigitadores, e outros procuraram safar-se dali, com igual presteza. «Quem procuraria ele?», pensaram.
O xerife, no entanto, não parecia fixar a sua atenção em nenhum dos homens meio bêbados ou mesmo totalmente bêbados, que tinham emudecido repentinamente ao vê-lo chegar.
Havia pouco tempo ainda que estava no exercício do seu cargo, mas já todos tinham tido ocasião de comprovar a sue retidão e a sua coragem, sobretudo quem por esta ou por aquela razão tinha algum peso na consciência.
Com o sobrolho franzido e os olhos brilhantes de indignação, John percorreu, o salão com o olhar. Não via ali James Claer. Passou por entre um grupo de bebedores que se afastaram sem, no entanto, largarem a garrafa que tinham na mão.
—Olá, xerife — grunhiram.
O xerife naturalmente, não lhes ligou atenção. Tinha um objetivo determinado e esse objetivo era James Claer. Onde se teria ele metido?
Não fosse ele surgir de súbito, continuava com as mãos nas coronhas dos «Colts». Conhecia bem Claer e sabia que era um magnífico atirador.
James Claer estava no «Ás de Copas», mas John não o via. Um dos seus homens tinha ido avisá-lo da presença do xerife mal o vira chegar.
— Cuidado, Claer, que vem aí o xerife.
Claer logo pensou o que ele queria. Raivou entre dentes:
—O porco do Psit...! Deu com a língua nos dentes.
Pat tinha falado por fim, atrevera-se a confessar ao irmão que fora ele quem sugerira que deixasse tudo como estava e não se metesse a querer moralizar Winona.
Pensou no que lhe convinha fazer. Defrontar-se com John era perigoso. As pessoas começavam a pôr-se do seu lado e, além disso, manejava os revólveres maravilhosamente. Meteu-se, de um pulo, no seu gabinete e foi dali que o viu penetrar no «saloon». Esteve a observá-lo atentamente, por detrás das cortinas. John não era como o Irmão, Pat, nem que se parecesse. A sua tranquilidade era impressionante. Não havia dúvida de que o procurava.
Acariciou, com deleite, as coronhas dos seus revólveres, praguejou e cuspiu para o chão, raivosamente o resto de charuto que tinha na boca. Sacou um dos «Colts».
John Barton avançava para o seu gabinete por entre os bebedores que lhe abriam caminho. Começou a ouvir-se pelo «saloon»:
—Vem por causa do Claer. —Desta não escapa.
John cravou os olhos nas cortinas. Tal como Claer tinha feito, empunhou um «Colt». À sua volta fizera-se um silêncio impressionante. 0 tipo que matraqueava ao piano parou de repente. Todos estavam pendentes do que ia suceder.
Todos esperavam' que, de um momento para o outro, Claer começasse a disparar contra o xerife. Não sucedeu, assim, porém. John, sem largar o seu «Colt», apontando-o ao gabinete, deu um esticão saio reposteiro e entrou no aposento de um salto:
—Olá, xerife — saudaram-no. — Que o traz por aqui?
Não era Claer quem falava, mas sim um homem gordalhudo e vesgo que ocupava o lugar do proprietário do «Ás de Copas».
Sentado comodamente numa cadeira, com os pés em cima da mesa, atirou o chapéu para trás e acrescentou:
— Procurava alguém, xerife?
Sorria trocista, com um palito entre os 'dentes. John compreendeu que tinha chegado demasiado tarde. De qualquer forma, perguntou:
— Onde está Claer?
— Claer? Não sei. Há que tempos que não o vejo — mentiu descaradamente o vesgo.
Continuava a sorrir muito divertido. Sabia, evidentemente, para onde tinha ido Claer, mas não o diria.
—Com que então não sabes, hã?
—Tal e qual, xerife — repetiu, encolhendo os ombros, displicente, e acentuando a palavra «xerife».
Entretanto, John reparava numa magnífica «Winchester» pendurada numa das paredes do gabinete.
—E essa «Winchester»?
O vesgo voltou a cabeça para lá. Empalideceu. Ia dizer que também não sabia, mas já era mentir demasiado, demasiado cinismo. Admitiu:
— É de Claer.
— Já desconfiava — murmurou John, entre dentes. — E agora vais dizer-me, sem demora, onde está Claer.
E não se limitou a perguntar. Com tipos como o vesgo, o melhor era utilizar meios mais duros. Agarrou-o pelo pescoço, ergueu-o em peso e manteve-o no ar, sacudindo-o como um boneco.
—Não me dizes onde está Claer?
O vesgo, com o apertão no pescoço, ficou com a língua de fora. Balbuciou, meio asfixiado, esperneando no ar.
— Largue-me, não tem o direito…
—Não me dizes onde está Claer?
Acabou por ceder, dizendo que sim com a cabeça, conforme pôde. John largou-o e instou:
— Fala Imediatamente.
Mas não falou. Pôs-se a dar gritos, querendo fazer valer os seus direitos de cidadão.
—A lei está por mim — dizia. — Não fiz mal a ninguém. Você...
Um soco nos queixos interrompeu-lhe os protestos. Os punhos do xerife eram duros, como ferro, e por várias vezes fizeram sentir a sua contundência.
—Para onde foi Claer? — repetia.
Com um olho fechado, os lábios em sangue, meio atordoado, o vesgo pediu misericórdia:
— Deixe-me, deixe-me…
— Dizes agora onde foi Claer?
O vesgo voltou a anuir com a cabeça e John interrompeu o corretivo. Aquele sistema de soltar as línguas dos recalcitrantes não era muito do seu agrado, mas, indubitavelmente, surtia magníficos efeitos.
Depois de cuspir um dente que John lhe fizera saltar, o vesgo confessou por fim:
— Quer saber onde foi Claer?
— Há que tempos estou a perguntar-te.
Apesar do dente, não obstante o olho inchado e os queixos partidos, o vesgo voltou a sorrir. Demorou, deliberadamente, a resposta. John estava quase a iniciar uma nova sessão de massagens quando ele se decidiu a falar.
— Claer foi procurar o seu irmão, xerife. Pat é um porco e merece que ele o mate.
John pareceu não ter ouvido bem. Agarrou o vesgo pelas abas do casaco, puxou-o com força e ordenou--lhe:
— Repete o que, disseste — e a voz tremia-lhe a seu pesar.
E o vesgo repetiu com todo o vagar:
— Claer foi matar o seu irmão.
John largou-o de súbito. O homem foi cair sobre a mesa e bateu com os rins numa 'esquina do tampo. Proferiu uma maldição. Depois disse:
— Vá depressa, xerife, se quer chegar a tempo.
John Barton já não o escutava. Depois de soltá-lo deu meia-volta e saiu a correr do gabinete. No «saloon», empurrou vários dos que andavam por ali e lhes estorvavam a passagem.
--Diabo, que pressa leva! — resmungou um.
— Podia ver por onde anda — refilou outro.
—Aonde irá? — quis saber um terceiro.
O gordalhudo e vesgo saiu do gabinete e ficou a olhá-lo, com o olho inchado.
—Vais chegar tarde, xerife! — gritou.
— Aonde é que vai chegar tarde? — tentou averiguar um dos presentes.
— E a ti que te importa? — respondeu o vesgo.
O pianista matraqueava no instrumento com raivoso entusiasmo quando John Barton saiu do «Ás de Copas», depois de abrir as portas volantes com um formidável pontapé. O gordalhudo e vesgo ria às gargalhadas.
Sem comentários:
Enviar um comentário