quinta-feira, 4 de novembro de 2021

ARZ133.09 Atraído ao local do crime

Chovia ligeiramente naquela noite, como prenúncio da tempestade que pairava no ar. O vento uivava nas árvores que se erguiam ao longo do paredão. 

De longe, ouviu-se o galope de um cavalo. Um pouco mais tarde, o cavaleiro apareceu na travessa e avançou mais algumas jardas. Chegado a umas grandes portas falsas, desceu do cavalo e, sem o largar, abriu e entraram. 

O xerife O'Farrell saiu do esconderijo formado por um recanto entre a fachada e o paredão. Ficou imóvel diante da entrada, expectante e silencioso. Não ouvia nenhum ruído lá dentro, nem passos, nem o cavalo mexer-se. O mesmo acontecia na rua. 

Aproximou-se da porta, empunhou o revólver e levantou o fecho. Rapidamente, entrou na cavalariça. Olhou à sua volta. Era um barracão que servia para resguardar dois carros. Mais adiante havia um pátio e a seguir uma cavalariça. Fora em tempos remotos a casa solarenga dos Coleman, mas o último descendente não a utilizava. 

Os carros estavam velhos e estragados. Na cavalariça não havia outro animal, excetuando o que o vereador acabava de amarrar. Medindo os seus passos, O'Farrell alcançou o pátio e espreitou, cauteloso, para a divisão contígua. Teve de levantar a vista para descobrir Coleman, que se encontrava no palheiro, entre fardos de feno, sentado no pavimento de madeira, alumiado por um candeeiro de petróleo. 

O xerife sentiu a comoção de ver o cofrezinho de que lhe falara o prefeito. Estaria cheio de notas? A tentação era fascinante para um homem que se julgava a dois passos de desvendar o terrível segredo. 

Chegou à escada e subiu os degraus sem largar o «Colt». Depois arrastou-se um bom bocado e ficou estendido atrás de um monte de feno, provavelmente ali posto dez ou doze anos antes. 

Afastou um pouco as palhas e viu Coleman no mesmo lugar, a contar notas e a metê-las no cofre. Sem se excitar, friamente, como quem cumpre uma tarefa rotineira. Não parecia entusiasmado com o dinheiro nem com a tarefa de o contar. 

O xerife olhou à sua volta, para ter uma ideia exata da posição que ocupava. O palheiro era comprido e estrei-to, de pouco mais de dois metros de altura. Não havia nenhum fardo desfeito nem se notava que tivessem pisado repetidas vezes a palha. Dava a impressão de nada ter sido tocado havia muito tempo. Para lá de Coleman encontravam-se sucessivas pilhas de erva seca. 

No momento em que Coleman fechava o cofre e esboçava o gesto de se pôr em pé, O'Farrell resolveu intervir. Levantou-se primeiro do que o outro e apontou-lhe a arma. 

— Entregue-se, Coleman! — intimou-o. — Apanhei-o com o produto dos seus roubos. 

A reação do vereador foi rápida. Puxou do revólver e atirou-se ao solo, ao mesmo tempo que disparava. 

— Comigo não dão resultado as emboscadas! — gritou. 

O'Farrell foi ferido num ombro, mas imediatamente se escondeu atrás dos fardos de palha, donde cruzou as suas balas com as do seu adversário. Passado o primeiro minuto, o xerife notou que Coleman interrompera o tiroteio. Olhou por cima de um fardo e descobriu uma perna de Coleman, contra a qual disparou Sem perda de tempo, saiu do esconderijo, disposto a prendê-lo vivo. 

— Levante os braços, Coleman! Mato-o se tenta fazer fogo! 

Coleman não se mexeu. A luz débil do candeeiro, que iluminava uns metros em redor, o xerife viu que o seu adversário estava estendido no chão, de bruços, com a mão enclavinhada no revólver. 

— Está morto! — exclamou. 

Abaixou-se junto do cadáver. Tinha um ferimento no pescoço, proveniente de uma bala que lho atravessara e que o devia ter matado instantaneamente. O ferimento da perna era secundário. 

O'Farrell ficou uns segundos indeciso, sem poder compreender como pudera atingi-lo no pescoço e por detrás. As suas balas deveriam acertar-lhe em plena cabeça, nos ombros, visto encontrar-se deitado no chão, atrás dos fardos, mas muito dificilmente o feririam em tal parte do pescoço. 

De súbito, teve uma ideia. Com o revólver numa das mãos e com o candeeiro na outra, percorreu o palheiro da esquerda para a direita. Nenhum pormenor anormal chamou a sua atenção. Fez uma careta de espanto e incompreensão. Depois revistou o cofre. Continha mil oitocentos e trinta e três dólares, pequenas economias de uma exploração que devia produzir uma fortuna respeitável. 

Desde o princípio lhe parecera absurdo que um homem tão astuto como Coleman escondesse o seu dinheiro numa propriedade abandonada e que adorasse o cofre todas as noites. Coleman nunca fora um anormal; pelo contrário, distinguira-se sempre pela sua vivacidade e oportunismo. 

Meditou durante longos minutos, num esforço mental para compreender aquela situação. Percorreu de novo o palheiro, o que demonstrava que não estava convencido. Não prestou muita atenção à abertura ou boqueirão que dava para a travessa, por onde se costumava meter a palha moída, atirada da rua, a uns quatro metros. 

Com o cofrezinho na mão, desceu à cavalariça, atravessou o pátio e saiu para a travessa. Chovia e trovejava. A passo rápido dirigiu-se para o seu gabinete. Eram quase duas horas da madrugada. 

O'Farrell suspeitava que fora vítima de' uma singular artimanha. A morte do vereador complicava ainda mais as suas investigações, em vez de as facilitar. 

Escreveu um bilhete dirigido ao seu ajudante Plyn e deixou-o debaixo do cofre. Quase sem querer, encontrou um desenho em que estavam assinaladas as linhas ferroviárias que passavam pelo Missouri. As quatro e quinze minutos parava um comboio na estação de Belleville, situada a vinte milhas de distância. Esse comboio dirigia-se para o Sul e cruzava-se em Jackson com o que seguia para o Texas. Escolheu um alazão cuja soberba estampa sempre fora o seu orgulho e saiu da cidade pelo caminho de Leste S. Luís, uma povoação situada na outra margem do rio. Atravessou este pela enorme ponte de madeira. 

O barulho do seu desenfreado galope era quase tão forte como o da tempestade. Foram duas horas de alucinante corrida, por um caminho lamacento e pedregoso, o que não impediu, porém, que o cavalo devorasse as milhas. 

Puxou as rédeas para tomar por uni carreiro da direita. Compreendera que não poderia chegar a tempo à estação, pelo que escolhera um atalho que atravessava a via pouco depois de Belleville. De longe, ouviu os apitos da máquina. Ultrapassara a povoação e galopava atrás do comboio. 

Picou de esporas, de maneira que o animal se esforçasse ao máximo. Tinha de o apanhar na curva imediata, onde o comboio afrouxa o andamento. Abandonou o carreiro e colocou-se perto da via. Inclinou-se um pouco e saltou para a última plataforma. Agarrou-se com força à balaustrada, mas o comboio arrastou-o durante uns metros. Felizmente, não sofreu ferimentos de importância. Percorreu a última carruagem. 

Três vaqueiros jogavam às cartas e uma senhora dormia com o filho nos braços. Eram passageiros vulgares, que não despertaram o interesse do xerife. Passou à carruagem seguinte. Também não descobriu o homem que procurava. Na terceira carruagem teve mais sorte. 

Ao abrir a porta, viu do outro lado um homem de blusão castanho e chapéu claro, de abas largas. Reconheceu-o pelas costas, devido à sua singular compleição: ombros descaídos e pescoço torto, como se a cabeça partisse diretamente do tronco. 

Encontrava-se de pé na coxia, com uma mala na mão. Philips fez uma careta demonstrativa do seu alvoroço íntimo e empunhou o revólver. Separavam-no da sua presa umas quinze jardas, que percorreu devagar, olhando de soslaio para os passageiros sonolentos. Quando chegou perto, estendeu o braço e encostou o cano da arma às costas do homem da mala. 

— Procurava-o, Barnes! Levante as mãos! 

O interpelado ficou um instante paralisado pela surpresa, mas o facto de ter reconhecido a voz de xerife não o desorientou. A sua resposta foi fulminante e bem medida. Virou-se e bateu no peito do seu captor com o punho fechado, fazendo-o cair sobre um passageiro. 

Levantou-se sem demora. Barnes fugia com a mala para a plataforma e alcançava-a, perseguido pelas balas de O'Farrell. O xerife podia tê-lo ferido gravemente ou talvez matá-lo, mas não quis fazer isso. Interessava-lhe apanhá-lo vivo, para que esclarecesse o mistério da morte do cunhado. 

Chegaram quase ao mesmo tempo à plataforma. O'Farrell segurou-o pelo cinturão e bateu-lhe. Barnes, que largara a mala, defendeu-se com extraordinário ardor. Desde o princípio, a luta foi tenaz e porfiada, com ligeira vantagem para Barnes, porque o xerife se ressentia do ferimento no ombro. 

Aquele atingira-o com um soco no queixo e projetara-o contra a balaustrada de ferro. Puxou do revólver, mas então o xerife agiu como uma centelha. Atirou-se J aos seus pés. puxou-o bruscamente e fê-lo cair no pavimento. Quando se quis levantar, desfechou-lhe seis ou sete murros seguidos, que o obrigaram a retroceder para a passarela entre dois vagões. 

— És meu, maldito! gritou O'Farrell. — Agora vais confessar os muitos segredos que sabes. 

Deu-lhe outro murro no estômago. Barnes cambaleou sem se poder segurar. De súbito, sentiu o chão fugir-lhe debaixo dos pés. Soltou um grito arrepiante e caiu à via, entre dois vagões. Foi esmagado pelas rodas e morreu instantaneamente. 

O'Farrell, impressionado com o sucedido, que o privava de uma confissão excecional, passou o lenço pela cara e retirou-o sujo de sangue. Os passageiros que haviam saído para a plataforma ajudaram o xerife a levantar-se. Entraram todos na carruagem. 

O'Farrell abriu a mala e encontrou dentro dela cerca de cem mil dólares, uma muda de roupa e um relógio de algibeira, com corrente de ouro. O'Farrell conhecia estes objetos, mas não se recordava a quem os vira. 

As primeiras luzes do amanhecer revelaram as nuvens negras que pairavam no ar. O comboio parou na estação de Jackson, onde se apeou o xerife. A meio da manhã tomou outro, de regresso. As primeiras horas da noite chegou a S. Luís. Plyn esperava-o no gabinete. 

— Coleman foi enterrado esta tarde — informou-o o' ajudante. — O médico confirmou que fora atingido pelas costas. — Matou-o o seu cunhado Barnes. Mas não compreendo o que sucedeu. Por que o eliminou? 

— Sem dúvida para se apoderar do dinheiro. Foi um assassínio para roubar. 

— Não concordo. Barnes esperava o cunhado no palheiro. Não chegaram juntos. Só vi Coleman a contar o dinheiro. Tenho a impressão de que foi tudo preparado por alguém para nos confundir. 

— Com que fim? 

—Ignoro. Veremos mais tarde. Agora informa-te de quem era este relógio. Pode ser uma pista. Mais logo virei por cá. Dirigiu-se para casa de Coleman, onde o recebeu a viúva. 

— Que deseja? — perguntou-lhe com mau modo. — É tão hipócrita que me vem dar os pêsames depois de ter matado o meu marido? 

— Não fui eu. 

— Não é ocasião para gracejos, xerife. 

— Matou-o à traição o seu irmão Barnes e fugiu com cem mil dólares. Foi esmagado por um comboio. 

Irene Coleman mudou subitamente de cor. 

— Não é verdade! — soluçou. — O meu irmão era o melhor amigo de Anthony. O senhor inventou essa história. 

— Garanto-lhe que falo verdade. Barnes esperou-o no palheiro. Sabia que ia lá todas as noites. Irene deixou-se cair numa poltrona, abatida e confusa. 

— Ninguém o acreditará. Anthony nunca ia ao palheiro. Não compreendo porque tirou o cofre ontem à 'noite e o levou para lá. 

— Como? Não o tinha escondido naquele palheiro? 

— Não. Foi a primeira vez que o levou de casa... Mas não o posso acreditar. O meu irmão corrigira-se ao lado de Anthony. Já não era um vagabundo das pradarias, como fora antes. Operou-se uma grande mudança nele. Ambicionava muito. 

— Foi isso precisamente o que o perdeu. Nunca teve um cêntimo na algibeira, mas quando obteve uma grande importância a ajudar o cunhado, subiram-lhe à cabeça os desejos de grandeza e não hesitou em assassinar o seu protector para ficar com o jorro de dólares que via passar perto, mas dos quais muito poucos ficavam nas suas mãos. 

Irene Coleman começou a gemer 


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