Com o correr dos dias, tornou-se mais firme a decisão do prefeito Tyler no tocante ao negócio de diversão em S. Luís. Recebeu uma comissão de puritanos, os quais exigiam uma limpeza drástica da cidade, e prometeu-lhes uma ofensiva em regra contra os negociantes do género de Perry Douglas. A tarde haveria uma reunião municipal, que se calculava seria de grande importância. Não faltou um só vereador de quantos representavam os diversos bairros.
Max Tyler, tão congestionado como sempre, com a sua grande e desbotada blusa de caçador, cheia de franjas, que vestia, sem dúvida, para significar a sua devoção aos primeiros pioneiros que conquistaram as pradarias através dos antigos caminhos de Santa Fé e Oregão, levantou-se do estrado principal e declarou:
— O clamor do povo chegou até mim, exigindo que ponhamos termo aos desmandos, aos roubos e à imoralidade. Jogadores, pistoleiros, mulheres de vida fácil, artistas de perna ao léu e espectadores que se embebedam... toda esta gente maldita se instalou na nossa cidade e a emporcalha. Não podemos consentir que isto continue.
Fez uma pausa, com o propósito de ver a impressão que causara aos seus ouvintes. Alguns vereadores entreolharam-se, espantados ou divertidos com a torrente de palavras do prefeito. Na tribuna pública, confundiram-se os aplausos com os protestos. O'Farrell não tirava os olhos de Coleman, que parecia estupefacto com as declarações de Tyler.
— Em resumo, cavalheiros — acrescentou, esforçando-se por demonstrar que era eloquente —, encontramo-nos perante um problema que urge resolver. O xerife cortou pela raiz as fraudes no «rodeo», nós devemos fazer outro tanto: proibir a permanência de «saloons» flutuantes e criar um corpo de vigilância que expulse para o outro lado do rio os jogadores, os pistoleiros e as mulheres de vida equivoca. Concordam que se deem as ordens pertinentes?
Não houve acordo. Vários vereadores duvidavam que a municipalidade tivesse poderes para agir assim.
— Desculpe vossa excelência, mas esse capítulo da vida da cidade não pode ser resolvido por nós — interveio Coleman. — Também não cabe nas atribuições do capitólio estadual. O rio é propriedade de toda a nação. Só o governo federal tem poderes para regular a navegação nos rios de trânsito como o Mississípi, o Missouri e o Ohio, entre outros. Se aprovássemos a proposta de «mister» Tyler, seria o mesmo que espezinhar a gloriosa constituição estabelecida pelos fundadores da República.
Ouviu-se uma ovação, o que demonstrava o peso dos argumentos do vereador do embarcadouro.
— Muito bem, Coleman! — felicitou-o Robert. — Estamos de acordo que a diversão é perniciosa, mas também indispensável ao progresso...
Os puritanos da tribuna pública interromperam-se ruidosamente. Quatro vereadores pediram a Tyler que o convidasse a retirar as suas últimas palavras.
— É verdade. O distinto vereador não mediu bem o significado da sua frase — assentiu o prefeito. — A prosperidade não precisa da diversão.
— Engana-se, senhor prefeito — corroborou Coleman. — Não é segredo que os «saloons» do embarcadouro têm engrandecido a cidade. Graças às suas salas de jogo e aos seus teatros ligeiros, estabeleceram-se novas indústrias, abriram-se lojas, ergueram-se edifícios... Agora visitam-nos mais turistas do que nunca. Chovem os pedidos de licença para abrir novos estabelecimentos nas imediações do embarcadouro. Esqueceram tudo isto, senhores?
— É um insulto aos bons costumes! — replicou-lhe um venerável edil, cuja longa barba branca impunha respeito.
Os assobios e os protestos tinham aumentado. Coleman dirigiu-se aos discordantes.
— Os vossos gritos não impedirão que diga a verdade. Os «saloons» enriqueceram São Luís. Os impostos que agravam as festas são quantiosos, mais importantes do que os provenientes de qualquer outra exploração comercial. Seremos tão imbecis que matemos a galinha dos ovos de ouro?
— Ovos de ouro para quem? — perguntou um ganadeiro, cheio de ira. — Por que não se explica como manda a lei e nos diz com que parte do ovo fica você? Aposto que é com a gema.
Coleman empalideceu, abriu muito os, olhos e bateu na bancada.
— Sou honesto como os que o são, tenho-o demonstrado muitas vezes — argumentou desaforadamente. — Uma coisa é o que pensam certas pessoas e outra a verdadeira razão da minha atitude defendendo os interesses do embarcadouro. Defendo os meus eleitores e estou certo de que os lucros redundam em benefício de todos.
— As salas de jogo são uma vergonha — opinou outro munícipe. —Os jogadores matam-se uns aos outros, as armadilhas estão na ordem do dia. Eu vi o filho de um respeitável rancheiro meter uma bala na cabeça por ter perdido uma fortuna.
— Sim, abaixo os «saloons» flutuantes!
— E depois? Porventura nos dá de comer o teatro seleto? Por vermos uma peça clássica crescerão mais os nossos trigos?
— Se proibirem a permanência dos «saloons» flutuantes, levarão a miséria e a fome ao bairro mais fluorescente e populoso da cidade. Não perdoaremos tal coisa!
Os prós e os contras generalizaram aquela irritante controvérsia. Se uns gritavam, os outros respondiam a plenos pulmões. Alguém deu um murro num opositor, acontecimento que alvoroçou o sangue a muitos, que demonstraram a sua cólera do modo mais violento possível.
— Basta! — ordenou o xerife. — Isto é pior que um covil de salteadores!
Ajudado por dois contínuos, expulsou seis e conseguiu por fim serenar os ânimos. Os vereadores continuaram a discutir, embora sem levantarem a voz mais do que o devido. O mais sensato declarou persuasivamente:
— O senado do estado de Missouri é competente para abolir as salas de jogo, encarcerar os bêbedos. velar pela moralidade pública, mas não pode intervir nos negócios que se faz nos barcos fluviais. Não nos convém ignorar os factos.
—É verdade, caro colega. Estamos a perder tempo. Isto é uma reunião de vereadores e não de senadores federais.
O prefeito Tyler teve de se resignar, apesar do seu empenho em expulsar da cidade os perturbadores.
— Prometo que faremos as diligências necessárias para que Washington se pronuncie sobre o problema que nos preocupa. Entretanto, votaremos uma resolução pela qual se nomeará, se for aceita, uma brigada de salvação pública, encarregada de colaborar com o xerife O'Farrell e de organizar a repressão dos «saloons» flutuantes.
Coleman e Robert pretenderam dificultar a votação.
— Peço a palavra — insistiu Coleman, levantando um braço.
— Não concedida. O debate terminou.
— Cale-se, Coleman! — exigiu Tyler, dominando-o com o olhar. — Apenas lhe compete votar.
De má vontade, meteu o seu voto na urna, tal como os outros. Depois, o secretário registou os resultados e informou:
— Votos favoráveis à proposta, onze; votos contrários, sete. Por consequência...
Tyler, radiante, bateu com o maço na mesa.
— Por consequência, a municipalidade de São Luís cria a brigada de salvação pública que tornará impossível a existência aos exploradores e oportunistas.
Terminara a reunião. Coleman foi o primeiro a sair, sem dúvida porque tinha pressa de dar a má nova aos seus amigos. O xerife, pelo contrário, esperou uns minutos, antes de ser recebido por Max Tyler no seu gabinete. Tyler apertou-o com efusão.
87
— Duro e à cabeça, xerife! Guerra de morte à quadrilha de Perry Douglas!
— O que faz falta é que as testemunhas falem. Ninguém colabora comigo.
— Colaborarei eu, plenamente e com entusiasmo. Não me importa quem caia, mesmo que seja um vereador. Se for culpado, serei o primeiro a puxar a corda ao enforcado.
— Coleman e Robert são poderosos comerciantes do bairro do embarcadouro e apoiam os criminosos. Parece--lhe que Coleman ganha com isso?
— Está fora de toda a dúvida.
— Tem provas?
— A minha mulher é amiga de «mister» Coleman. As mulheres falam de tudo, são como gralhas. Por essa via soube que colocou capitais em Kansas City.
Abriu um armário bem fornecido de garrafas.
— Uma bebida refrescar-nos-á a memória — disse, enchendo dois copos. — Roy West enriqueceu ao mesmo tempo que o vereador. Eu suspeito que West era o intermediário entre os jogadores e os políticos, cujo exemplo mais eloquente é Coleman. Para fazer vista grossa, o vereador recebeu grandes quantias, que suponho dividiram em partes iguais pelos dois. Não se esqueça que West foi quem exaltou os negócios do embarcadouro.
— Na sua opinião. Roy estudou com Coleman a maneira de ganharem dinheiro protegendo a jogatina...
Tyler deu a volta à secretária e sorriu enigmático. Pôs-se diante da janela, pela qual se via uma bela perspetiva de S. Luís e explicou, olhando para a rua:
— Coleman é muito cauteloso. Deve ter escondido debaixo da terra os lucros da corrupção. Imagino-o a adorar todas as noites o cofrezinho onde esconde o seu dinheiro...
— Porquê um cofrezinho, prefeito?
— Coisas de mulheres! Elas murmuram, fazem as suas confidências, esfolam o próprio diabo. Irene Coleman fala pelos cotovelos. Disse-o à minha mulher. A altas horas da noite, Coleman costuma ir à cavalariça. Que terá lá? Ninguém sabe, a não ser ele. As mulheres conjeturam acerca do mistério.
— Mistério que existe, senhor prefeito — declarou O'Farrell, a quem aquela informação despertara vivo interesse.
— Acha que existe um mistério? Seria a adoração de um judeu pelo dinheiro... você podia verificar esta noite. Que diz?
— Vigiá-lo-ei estreitamente.
— E possível que ele lá vá no regresso da sua inspeção noturna ao embarcadouro, por volta da meia-noite.
O xerife estendeu-lhe a mão, depois de despejar o copo, e dirigiu-se para o seu gabinete, onde o esperava o seu ajudante Flyn. Pendurado na parede conservava o chapéu do assassino de Roy West, que não lhe permitira identificar o seu proprietário. Não o surpreendeu que houvesse outra pessoa com o ajudante. Era Lew.
—Vejamos, rapaz. Estou resolvido a não ter contemplações contigo. Se não respondes às perguntas, obrigar-te-ei a falar pela força.
—É anticonstitucional. O senhor não me pode bater. Não falo porque não sei nada.
— Isso é uma simples desculpa. Sabes muito. Quem organizou as apostas?
— Ignoro. Sou um empregado do «rodeo».
— Desembucha, Lew! — gritou-lhe, e, deixando-se dominar por um acesso de cólera, agarrou-o pelo peitilho. — Cassidy e tu eram os últimos beneficiários do roubo; recebiam as migalhas. Quem ficava com a parte de leão?
— Não sei nada... defendo a minha pele. O meu companheiro morreu por falar.
— Coleman era o vosso chefe?
Encolheu os ombros. Então, o xerife esbofeteou-o com as costas da mão, com tanto furor que o outro se dispôs a repelir a agressão. O'Farrell obrigou-o, porém, a sentar--se de novo.
— Sim ou não? — insistiu, rubro de cólera.
Lew estava impressionado com a atitude do xerife. Viu que o ajudante dobrava uma corda em forma de látego e ainda se intimidou mais.
— Se falo, matam-me, xerife. Compreenda o motivo do meu silêncio. Roy West e Douglas montaram o negócio, mas Coleman ficava com a parte de leão. Sem a influência do vereador não poderiam fazer nada. West pagava-nos, mas quando morreu esse cargo passou para Barnes.
— Estupendo, Lew! Recuperaste o bom senso — felicitou-o, entregando-lhe um lenço para que limpasse os lábios. — Comprometo-me a defender a tua vida. Ora bem, sabes quem contratou os pistoleiros do Texas que mataram Cassidy?
— Parece que foi «mister» Douglas... Mas não diga isto a ninguém. Matava-me!
— Ora, a estrela de Perry Douglas empalideceu. Em breve nos livraremos dele e dos seus pistoleiros. Um deles deve ter eliminado West, por motivos sujos do negócio. Terá sido Alex?
Abanou a cabeça negativamente.
— Vi todos do outro lado da vedação.
— Então, talvez tenha sido um dos que contratou no Texas?
— Parece-me que não. «Mister» Douglas trouxe-os para São Luis uma semana mais tarde.
Apertou-lhe a mão e acompanhou-o até à porta, depois de lhe pedir desculpa de lhe ter batido. Separaram-se no passeio.
A hora do almoço, O'Farrell não podia faltar ao encontro combinado no restaurante de «mistress» Halper.
— Acho-o radiante, hoje, Philips — disse-lhe a patroa. — Já apanhou o criminoso?
— Falta pouco.
— Nesse caso, vou arranjar-lhe um prato especial, para festejar o acontecimento.
— Não nos antecipemos — respondeu, muito jovial. — É melhor trazer-me os ovos mexidos com tomate.
— Com o acrescento de uma costeleta de carneiro. Acha bem?
Sorriram ambos. Philips ainda tinha o sorriso nos lábios quando apareceu Sandra Halper.
— É verdade que a noite passada abraçou a amiga de um jogador e a beijou na boca? -- perguntou-lhe a rapariga, de súbito.
O'Farrell atrapalhou-se um pouco.
— Que dizes, pequena? Falava com ela. Tu não podes compreender certas coisas.
— Já fiz dezassete anos e sou uma mulher — replicou a jovem. — Disseram-me que os pistoleiros de «mister» Douglas lhe deram uma tareia e que o deixaram meio morto. Ë verdade?
O'Farrell, que a olhava nos belos olhos, pretendeu pegar-lhe nas mãos, mas a rapariga afastou-as bruscamente e correu para a cozinha.
— Não é verdade! Ë tudo mentira! Não beijou a má mulher! Não o venceram!
O'Farrell bebeu um golo de vinho, perplexo.
Sem comentários:
Enviar um comentário