Os cinco montaram a cavalo e partiram, pressurosos, em perseguição dos assassinos. O povo de Winona viu-os abandonar a povoação, a galope. Houve então comentários para todos os gostos.
—John Barton não vai deixar que lhe pisem os calos.
— O novo xerife acabará com toda esta gentalha que anda por aí.
Outros, menos amigos da lei e da ordem, torciam o nariz, e fitavam com olhar turvo aqueles que iam em busca dos assassinos e assaltantes da diligência. E, mais ainda, havia alguém que apertava os punhos, raivosamente.
À frente dos seus homens, John Barton ia sério e concentrado nos pensamentos que o assaltavam.
Uma nuvem de pó marcava o rasto da caminhada. Era um dia de calor sufocante. O sol caía-lhes sobre as costas, queimando-os como se fosse fogo. O suor escorria por todo o corpo.
Passaram pelo local onde se cometera o crime. Os cadáveres do condutor e do ajudante permaneciam ainda no meio do caminho.
Pararam ali e John Barton aproximou-se para os examinar. O condutor tinha apanhado um tiro no coração e o outro um tiro na cabeça.
Nuvens de mosquitos zumbiam em volta deles. Uma legião de moscardos fugiu em todas as direções quando se acercaram os cavaleiros.
—Os assassinos são bons atiradores — comentou o xerife. — E usam modernas «Winchester» — acrescentou, mostrando aos companheiros o cartucho metálico que acabava de encontrar no chão, precisamente no ponto que deviam ter ocupado os assaltantes da diligência ao cometer o assassínio.
Depois, andou durante algum tempo investigando e insistiu, após mostrar vários outros cartuchos, espalhados pela areia:
— A avaliar por isto, havia apenas uma «Winchester» — comentou. — É raro ver um desses rifles por aqui. Vocês conhecem alguém em Winona que possua algum?
Tanto Pat como os comissários do xerife negaram com a cabeça.
— Não, eu não.
— Nem eu tão-pouco.
John voltou a montar a cavalo. Os demais imitaram-no e, deixando atrás os cadáveres do condutor da diligência e do seu ajudante, continuaram o caminho, seguindo as pegadas dos assassinos.
John Barton era incansável e obstinado. Os vestígios dos cavalos dos foragidos perdiam-se ao chegar ao terreno rochoso. Um silêncio impressionante os envolvia.
— Que fazemos, xerife? — perguntou um dos comissários, enxugando o suor da fronte com a manga da camisa.
John não respondeu. Que haviam de fazer senão continuar procurando os assassinos, até dar com eles?
Ali, naquela espécie de caçarola enorme, o calor fazia-se sentir com uma intensidade asfixiante. O próprio solo, de rocha viva, totalmente isento de qualquer vegetação, despedia fogo.
Os cavalos resvalavam a cada instante, cansados e sedentos, e uma espuma branca cantos da boca.
Pat, meio asfixiado, lamentava ter seguido o irmão naquela aventura. À medida que avançavam pelo vale, ia pensando no absurdo da sua situação. Agora, o novo xerife e os comissários iam em perseguição dos assaltantes da diligência, e, no dia seguinte, poderiam ir prendê-lo a ele próprio. Conhecia bem John e tinha a certeza de que ele não se deteria perante fosse o que fosse ou fosse quem fosse para cumprir o seu dever. Observou-o de revés.
John, de cabeça erguida e o ouvido alerta, seguia sempre em frente sem descerrar os lábios. Aquele homem, rígido e inflexível no cumprimento do dever, era seu irmão e podia converter-se em seu inimigo, se lhe desse para se imiscuir nos seus assuntos. Se John pensasse alguma vez em interferir nos negócios do «Ás de Copas» ...
Sem saber como, por uma simples associação de ideias, veio-lhe à memória o caso do homem que «sofrera o acidente» por tê-lo ameaçado, a ele próprio. de morte.
— Porque é que não voltamos para trás, John? —perguntou, de súbito, ao irmão. — Como vês, não há ninguém por aqui.
John prosseguiu como se não o tivesse ouvido. Apenas os músculos do rosto se lhe contraíram violentamente.
— Por que não voltamos? -- insistiu Pat. — Se vocês não querem, eu...
E teria voltado para Winona, se naquele momento um dos comissários do xerife não tivesse detido o seu cavalo e apontado a entrada de uma caverna que se via ao longe, enquanto chamava a atenção dos companheiros:
— Vejam ali...
— O que é.…?
— Um homem.
John Barton também tinha visto qualquer coisa estranha. Uma cabeça que assomara por instantes, para desaparecer em seguida no interior da caverna.
— Sim, parece um homem — concordou.
O dia começava a declinar. Encharcados em suor, apearam-se dos cavalos, no intuito de oferecerem menos alvo, no caso de os assassinos os atacarem. Foram avançando passo a passo, os músculos tensos e o dedo no gatilho do rifle, pronto a disparar. Mas ninguém voltou a aparecer à entrada da caverna.
— Tenham cuidado, hem? — advertiu John.
— Está descansado que teremos cautela.
Não se fiavam muito, na verdade. John caminhava à frente de todos, e Pat em último lugar. O silêncio, denso, monótono, pesado, parecia brotar de cada recanto do vale, como múltiplas ameaças, presságios de tragédia. Unicamente o ruído dos passos dos homens, sobre o solo de pedra, quebrava aquele silêncio e, de longe em longe, o relincho de algum dos cavalos, que tinham deixado atrás, presos às rochas...
O xerife e os seus homens continuavam avançando. Apenas Pat se ia deixando ficar para trás, a pouco e pouco.
— Tem cuidado, John — avisou um.
John não respondeu, mas diminuiu a marcha. Era preciso adotar precauções. A qualquer momento, os assassinos...
Subitamente, uma detonação, quebrou o silêncio e uma bala passou rente à sua cabeça. Pat, embora estivesse muito distante para os tiros o alcançarem, atirou-se ao chão e protegeu-se atrás de uma rocha. No seu íntimo, amaldiçoava-se por ter acompanhado o irmão em semelhante aventura.
— Que grande idiota eu sou! Quem me mandará a mim meter-me onde não sou chamado?!
Receava que o atingisse qualquer das balas disparadas contra John e os comissários. John também estava atento. Logo à primeira detonação correra a refugiar-se atrás de uma rocha, e daí disparou o seu rifle na direção da entrada da caverna.
Os ajudantes imitaram-no sem perda de tempo. Mas apenas respondeu o eco, como um ribombar estrondoso naquele lugar cheio de silêncio e rodeado de montanhas. O sol chegava ao seu ocaso. Depressa tombaria a noite. John Barton dirigiu-se ao ajudante que fora colocar-se a seu lado:
— Temos de fazer qualquer coisa. Se continuamos aqui, conseguirão escapar-nos assim que anoiteça.
— Tens razão — respondeu o outro. — Mas o que queres que façamos? Com certeza não pensas que nos dirijamos para a caverna.
— Pois é isso precisamente o que penso fazer.
— Estás doido?
— O que pretendo é que não se escapem.
— Mas eles matam-te.
John Barton não respondeu. Enquanto falavam, perdiam tempo, e era cada vez mais urgente fazer qualquer coisa. Finalmente decidiu deitar-se no chão e, apoiando-se nos cotovelos e nos joelhos, foi avançando de rastos em direção à caverna.
— Estás louco, xerife. Volta para trás — gritou o comissário.
Mas ele não voltou. Tinha de chegar à caverna, fosse como fosse, ou ficar no caminho. Tornava-se necessário dar aos bandoleiros um castigo exemplar, a fim de acabar com o banditismo e com o crime que assolavam a região.
À medida que avançava, polegada a polegada, uma chuva de balas caía à sua volta. Chegavam a arrancar esquírolas das pedras. O comissário acabou por se calar e deixá-lo em paz.
Para John, o mais angustioso era o facto de não ver o inimigo. Escondido atrás das rochas que guardavam a entrada da caverna, disparava sem qualquer perigo para os assassinos. Estes, por sua vez, não conseguiam acertar muito a pontaria, no receio de se exporem demasiado, desse modo, às balas dos homens do xerife.
O que John Barton pretendia não era precisamente chegar à caverna. Albergava, sim, a esperança de poder alcançar uma elevação de terreno, da qual conseguisse dominar os assassinos. Estes viram-no encaminhar-se para aquele lugar e redobraram o ataque. Parecia milagroso que nenhuma das balas o atingisse.
Um dos bandidos, furioso porque não conseguiam livrar-se do inimigo que começava a tornar-se demasiado perigoso, assomou a cabeça por detrás de uma rocha e apontou o rifle ao xerife... Mas um dos comissários foi mais rápido do que ele. Possuía fama de excelente atirador e, naquele momento, demonstrou plenamente que o era. Mal teve tempo de apontar ao assassino; não obstante, a bala foi alojar-se-lhe na cabeça. O homem largou a espingarda e um grito de morte escapou-se-lhe da garganta. Viram-no saltar para trás, com os braços levantados, como que pedindo piedade ou numa última e inútil ameaça.
Pat presenciou a cena e pensou, talvez pela primeira vez na sua vida, que existe um poder superior ao dos homens.
John Barton talvez nem sequer reparasse no que sucedera. Continuava a rastejar pelo chão, para atingir o montículo de onde pudesse dominar os assassinos. Os seus •ajudantes guardavam-lhe as costas com uma cerrada cortina de fogo, por cima da sua cabeça. Os assassinos mal se atreviam a erguer as suas por detrás das rochas que lhes serviam de parapeito. Apesar de tudo, disparavam sem descanso contra o xerife e as balas continuavam a rebentar à sua volta com secos estampidos.
O único que não se expunha, de modo nenhum a ser ferido, era Pat Barton. Apesar de ter ficado bastante longe, só muito raramente assomava a cabeça para ver como as coisas corriam. Não podia compreender sequer por que razão John arriscava a vida daquela maneira.
— Que lhe importará a ele o assalto à diligência? — monologou.
Por fim, John conseguiu o seu objetivo. Do cimo do montículo, plano e árido, dominava perfeitamente os assassinos. Estavam. reduzidos a quatro e continuavam entrincheirados atrás das rochas. Na penumbra do entardecer só distinguia quatro vultos e, de quando em quando, o rubro chamejar das detonações.
No sítio onde se encontrava não havia nem uma moita nem um arbusto onde se abrigar. No entanto, se ele mal distinguia os malfeitores, a eles acontecia--lhes outro tanto em relação a si.
Continuou estendido no chão, mal escondendo a cabeça atrás de uma pedra. Os assassinos disparavam um tanto às cegas para o alto, e as balas silvavam à sua volta. Apontou com cuidado a um dos vultos entrincheirados e apertou o gatilho da espingarda. Ouviu-se uma detonação e um grito de dor. Tinha acertado no alvo.
Nem por isso as balas deixaram de silvar em torno de si. Pelo contrário, o tiroteio aumentou de intensidade. Uma esquina da pedra, atrás da qual resguardava a cabeça, fracionou-se em mil pedaços. Depois, os ruídos cessaram bruscamente. A mais absoluta obscuridade tinha vindo substituir a penumbra do entardecer. Já ninguém disparava. Para quê? Teria sido gastar pólvora em vão. Um mocho gritador pôs trémulos de mistério no silêncio. John ergueu a cabeça, procurando-o com os olhos, e não o viu.
Pat também tentou descobri-lo. O piar do mocho afigurou-se-lhe um sinal de mau agoiro. John pensou que já nada podia fazer ali em cima. Tinha de ir arrancar os assassinos do seu abrigo. Levantou-se e desceu, correndo, a ladeira. Avisou os seu, homens:
— Sigam-me.
Seguiram-no. John Barton não era como o xerife anterior. John Barton não se detinha em face de nenhum perigo. Deviam encontrar-se a uns vinte metros da caverna quando os assassinos reabriram o tiroteio. A noite não era suficientemente escura para evitar que os distinguissem nas sombras.
—Atirem-se ao chão! — ordenou John.
Assim fizeram e avançaram rastejando.
— Que ninguém dispare — disse.
Obedeceram-lhe também. Só os que estavam atrás das rochas, os assassinos, disparavam sem descanso. Mas era-lhes difícil atingir o alvo. O silêncio e a tranquilidade dos seus perseguidores alteravam-lhes os nervos. Tinham a certeza de que eles estavam ali, colados ao chão, deslizando como répteis na direção deles.
Disparavam as armas sem olhar para onde, loucos de pavor. Como sucede com a maioria dos assassinos, eram cobardes. Até então, ninguém, os enfrentara decididamente. Desconheciam o significado de palavras como a «Lei» e «Justiça»; mas pensavam que, desta vez, o peso de uma e outra ia cair sobre as suas cabeças, se caíssem prisioneiros. John Barton não era como o outro xerife.
Às vezes, ouviam resvalar uma pedra ou mover-se uma moita, e disparavam todos ao mesmo tampo, mas sempre demasiado tarde, porque já John ou os seus homens tinham avançado uns passos mais.
— Assassinos, entreguem-se! — gritou-lhes John.
«Entregar-se?». O medo de se verem cercados e o terror de morrer na forca, se ficassem prisioneiros, levou-os a tentar a salvação na fuga. Já não pensavam em continuar a disparar contra o xerife. Tinham os cavalos à entrada da caverna. Correram para eles. John viu-os sair detrás das rochas e gritou:
— Vamos, rapazes, que eles safam-se!
Tiveram de dar uma volta para chegar até à caverna, o que os malfeitores aproveitaram para desprender os cavalos e montá-los. O ruído dos cascos dos animais, ao embater no solo, avisou John e os seus homens de que chegavam demasiado tarde. Mesmo assim, dispararam as suas armas contra os três vultos que fugiam no meio das trevas.
Um dos fugitivos interrompeu bruscamente a corrida.
Os outros continuaram para a frente, sem se deter per tão pouca coisa. Em breve o galope dos seus cavalos se perdeu na distância.
John e os seus homens não tentaram segui-los. Tinham deixado os cavalos demasiado longe. O homem que tinham derrubado quando fugia, jazia no chão sem vida. Pat, que abandonou o seu esconderijo ao ouvir o galope dos cavalos, chegou naquele momento junto do irmão.
--- Aconteceu alguma coisa? — perguntou, gaguejando. — Estão todos bem?
— Sim, estamos todos bem, e tu?
Não foi John quem lhe respondeu, mas sim um dos seus ajudantes. Pat notou a entoação de troça da pergunta.
Sem lhe danem mais atenção, aproximaram-se do cadáver. Um dos comissários exclamou, ao voltá-lo de face para cima:
— Mas é Donovan!
— Bem me parecia que devia ser alguém de Winona — disse John.
Tanto aquele como os outros dois assassinos que tinham posto primeiramente fora de combate já os conheciam de Winona. Aventureiros chegados sabe Deus de onde, «cowboys» ou pistoleiros a soldo, conforme calhasse.
John e os seus ajudantes carregaram os corpos sobre os cavalos e empreenderiam o regresso a Winena. Os moradores da cidade, admirados, viram-nos atravessar as ruas com aquela carga fúnebre.
Era sinal de que começava a imperar a lei da ordem na povoação. Mas alguns apertaram os punhos, furiosos, num dissimulado gesto de ameaça contra o corpulento John Barton, que, sério e concentrado nos sais pensamentos, marchava à frente do cortejo, ostentando a estrela de cinco pontas no peito.
Começou a espalhar-se a notícia:
— São os do assalto à diligência! Mataram os do assalto à diligência...!
Era preciso ter cuidado com John Barton.
—É Donovan — comentavam.
— E Karilm.
— E Gamlen.
O facto agradou a muitos, mas não a todos. Entre estes últimos, houve quem se conformasse com a feição que as coisas tomavam, outros consideraram que tinha chegado o momento de acabar com os anseios de justiça de John Barton. E para isso existiam muitos meios.
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