sábado, 6 de novembro de 2021

ARZ133.11 Um homem de teatro e cultura morre ao comando do seu barco

William Chapman bebia uma chávena de café sentado no seu minúsculo gabinete do «Loving Kate». Era fácil deduzir que se encontrava satisfeito a contemplar os montes de moedas que pusera em cima da secretária, a primeira boa receita da temporada. Bateram à porta. 

— Entrem. Ainda não se foram deitar? 

O primeiro que apareceu no limiar foi Perry Douglas, logo seguido de Mackley e Alex. O empresário franziu os lábios, surpreendido com tão intempestiva e inesperada visita. 

— Olá, Douglas. Contava a receita do espetáculo. 

Entraram os três e fecharam a porta atrás deles. Alex sentou-se na cama. Mackley fez soar os dólares que estavam em cima da secretária. 

— A sorte das pessoas é variável como um dia de Outono — disse Perry, que passeou a vista pelo aposento. — Você subiu e nós, pelo contrário, estamos quase enterrados. 

— O público é inconstante. Aonde vai hoje não vai amanhã. 

Douglas acendeu um «havano» no candeeiro de petróleo. Expeliu o fumo da fumaça, ao mesmo tempo que, olhando as volutas, atirava um manuscrito para cima da secretária. 

— Leia-o, Chapman. Resolvi legalizar os meus empréstimos. 

Chapman sentiu um calafrio na coluna vertebral antes de ler o documento. Não precisava de o ler, aliás, porque conhecia o jogador e não se podia admirar de que lhe exigisse agora a sua assinatura. A extorsão era um procedimento latente no espírito de Douglas. Mas, apesar disso, Chapman empalideceu quando leu o quarto parágrafo. Era terminante. Sem dúvida fora redigido por algum advogado amigo do jogador, porque através de uma enfiada de termos legais acabava por dizer que os cem mil dólares que lhe entregara Douglas se destinavam ao pagamento do «Loving Rate». 

— Assine-o — exigiu. — Creio que fui generoso consigo, dando-lhe de comer quando mais precisava. 

— Não, não! — gritou Chapman. — Nunca venderei o meu barco! 

— Não seja cabeçudo, Chapman — insistiu. — Nunca lhe exigi nada durante muitos meses, esperando que por fim me pudesse pagar alguma coisa. Mas não só o não fez, como ainda tive de lhe conceder novos créditos. Assine a sua divida! 

— Sim, a divida sim, mas não a escritura de um roubo. 

Alex segurou a navalha pela ponta; depois atirou-a violentamente contra a janela e cravou-a no aro. Deu uns passos com evidente indolência. Descravou-a e, de súbito, voltou a cravá-la na secretária, em cima de uma nota de cinco dólares. 

— Assine! Está a queimar-me o sangue, Chapman. 

Chapman suspirou, sem dúvida atemorizado. Tão terrível era a navalha de Alex e o revólver que empunhara Mackley, como o sorriso cínico e frio do patrão. 

— E um crime, Douglas. Nunca esperei que você fosse assim. 

— Não me importa a opinião que lhe mereça a minha pessoa. Repito que desejo legalizar os meus empréstimos. 

— Fá-lo-emos noutro documento. Este é uma ratoeira que me querem armar. 

Viu que Alex arrancava a navalha e o fitava com selvática intenção. 

— Que pretende você? — perguntou o empresário, arregalando os olhos de terror. 

— Dá-lhe a caneta, Perry. Se não assinar dentro de um minuto, degolo-o sem hesitar. Deixemo-nos de sentimentalismos. Vamos ao que interessa! 

— Queres dizer ao pescoço — precisou Douglas, insistindo na sua hipocrisia criminosa. 

Chapman pretendeu livrar-se do abraço fatal de Alex, mas então Mackley bateu-lhe com a coronha da arma. Embora a pancada não fosse muito forte, de qualquer maneira fez-lhe uma ferida na cabeça, da qual começou a brotar o sangue. 

— Vamos! Não espero mais. Assine! 

O velho empresário não podia resistir a tanta pressão, sobretudo depois do sinistro comparsa da quadrilha lhe cortar a pele do pescoço. 

— São os piores criminosos do Oeste — balbuciou. — Três contra um! Repugnantes bandidos. 

— Cala-te e assina! — exclamou Alex, fora de si. 

Uma gota de sangue caiu em cima do documento, precisamente onde Chapman devia assinar. Molhou a caneta no seu sangue e rubricou. 

Estava pálido como um morto, mas cheio de cólera. Quando Alex afrouxou a pressão e pegou no documento, ainda tentou arrebatar-lho. O bandido deu-lhe um soco no rosto. 

— Assim reconhece o débito que contraiu. 

Perry guardou a escritura na algibeira interior do casaco, olhou de soslaio o homem vencido pela força e pela maldade e saiu para a coberta. William Chapman conservou-se imóvel no seu lugar, como uma múmia sangrenta. Depois gritou, de súbito: 

— Não! Nasci neste barco e morrerei nele! 

Levantou-se, enfurecido, trémulo. Parecia um alucinado, impelido por uma vontade inquebrantável. 

— Canalhas! Obrigaram-me a assinar a venda do meu barco, do «Loving Kate», que o meu avô pôs a navegar nas águas do Ohio! Não, não será deles! 

Pegou num candeeiro e atirou-o contra uma estante coberta de papéis. 

—E meu! Assinei um documento com o meu próprio sangue... Bandidos! Querem converter o «Loving Kate» num «saloon» flutuante! 

Encostou-se à secretária com tanta força que a voltou. O fumo e as chamas apoderaram-se do camarote. 

—E o meu barco! Sou o seu capitão! — gritou enlouquecido. — Morrerei na ponte de comando, a defender o que herdei dos meus antepassados! 

O «Loving Kate» convertido em «saloon», para gozo de bêbedos e de mulheres fáceis! Perdera a razão. Nem sequer se recordava dos seus companheiros, que dormiam nos camarotes. Estava obcecado pelo desejo de preservar o barco de tudo quanto de mau o esperava. Era um possesso. Apesar de o fumo o asfixiar e de as chamas se lhe pegarem às roupas, ainda permanecia ali, gesticulando, irremediavelmente alucinado. Só quando atirou ao fogo um cofrezinho e apareceu o retrato de um ancião venerável, que logo começou a arder, sentiu a imperiosa necessidade de o recuperar e fugir. Meteu-se por entre as chamas e alcançou-o. O fogo desenhara a figura do primeiro empresário teatral do Oeste. Queimando as mãos, William empunhou o retrato. 

—William Chapman é o mais genial diretor de cena que jamais existiu! — gritou. 

Correu para a coberta e subiu ao palco. A sua passagem espalhava as chamas, que se pegaram ao guarda--roupa. Principiaram a arder os trajos que tinham servido para representar as tragédias gregas, os vestidos de Antígona, de Otelo, de Hamlet, de toda a gloriosa dinastia da dramaturgia mundial. 

— Austin! Senhora Power! Charles! — gritou espavorido. — O nosso barco está a arder! Levantem-se! 

O fogo era dono e senhor do barco. Os artistas, acordados por Chapman, apareceram em camisa, mas nada puderam fazer para atalhar o incêndio. 

No cais, iluminado pelas chamas, apareceram os primeiros curiosos, sem se atreverem a subir. 

Perry Douglas, no seu barco, estava consternado. Ordenou a Driver que avisasse os bombeiros. Tudo foi inútil. 

William Chapman, o iluminado pelo amor ao teatro, não permitiu que o levassem do palco. Apenas ficou ele na coberta. Os seus colegas e discípulos não o puderam convencer. William Chapman Júnior morreu na ponte de comando, o palco onde representara obras imortais. Morreu como um capitão, como na realidade o era do «Loving Kate». 

As cenas que se desenrolaram no porto foram dramáticas e demonstrativas do carinho que o povo sentia pelo grande empresário. Os artistas choravam o desaparecimento do seu querido barco e a morte do patrão. O «Loving Kate» era uma fogueira gigantesca. Inclinou-se pela popa e, lentamente, mergulhou no rio. 

Philips O'Farrell descobriu o prefeito, abatido e triste, entre a enorme multidão que presenciava o sinistro. 

— Amanhã será dia de luto na cidade. Perdemos um grande homem e um barco que era uma instituição. 

— Acha que se trata de fogo-posto? 

— Disseram-me que Chapman parecia louco. 

— Talvez o tenha incendiado ele, para não o perder às mãos dos bandidos que lhe emprestaram algum dinheiro... 

O xerife tirou um relógio com corrente de ouro e mostrou-o a Tyler. 

— É seu, senhor prefeito? O meu ajudante Plyn mostrou-o a sua esposa, que o reconheceu. Encontrei-o no colete de Barnes. 

Max Tyler ficou lívido por um instante, mas logo se recompôs. 

— Oh, sim! Ofereci-o a Coleman e sem dúvida este emprestou-o ao cunhado. 

— Sim, com certeza. 

Seguiram pela rua acima. Na coberta do saloon flutuante permaneciam Douglas e os seus esbirros, a presenciar o afundamento. Perry Douglas rasgou o documento em mil pedaços. 

— Fomos vencidos por um louco. Não somos ninguém, perdemos tudo. 

— Há muito que trago um plano na cabeça. Não nos teríamos metido nisto se tudo tivesse continuado na mesma. Não temos dinheiro e o povo cuspiu-nos na cara. Nós saberemos responder-lhe. 

O «Loving Kate» acabava de


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