Para James Claer, proprietário do «Ás de Copas», a chegada do xerife a Winona, à frente dos seus homens e transportando os cadáveres de Donovan, Karilm e Gaseran, foi como se lhe tivessem dado um tiro.
Se a lei e a ordem voltassem a imperar em Winona, despareceriam muitas coisas que até então tinham beneficiado um pequeno grupo dos seus habitantes, que não eram, por certo, os mais honrados. Por exemplo, ele próprio e Pat Barton teriam de dar como encerrados os seus negócios.
Pat também pensava nisso enquanto se dirigiam paira o cemitério para enterrar os assassinos.
Por sua vontade, ter-se-ia separado dos representantes de lei, evitando exibir-se com eles naquele momento; mas algo superior às suas forças o obrigou a segui-los. Viu Claer à porta do «Ás de Copas», quando passaram em frente do estabelecimento. Baixo e entroncado, parecia uma bola de sebo escorrendo suor. Tinha e roupa colada ao corpo e as altas botas de montar cobertas de pó. Agitou a mão no ar, saudando-os.
John viu-o e viu igualmente o seu gesto de amistoso cumprimento, mas ignorou-o. Sentia uma instintiva repulsa por aquele homem untuoso e servil.
Pat também não lhe respondeu. Voltou a cabeça e enterrou o chapéu até aos olhos. Tinha vergonha de ser visto pelo sócio na companhia dos comissários.
Claer não se deu por ofendido. Não era homem a quem as humilhações incomodassem. Com Pat falaria mais tarde, e quanto a John… Bom, quanto a John veria depois o que havia de fazer dele. Não era coisa para se precipitar.
Mandou um recado a Pat.
—Anda, vai dizer a Pat Barton que venha ter comigo imediatamente — ordenou a um dos seus sequazes:
O homem correu a cumprir a ordem.
— Claer chama-te — disse a Pat.
— Que quer?
— Sei lá!'
— Bom, diz-lhe que vou já.
Não demorou muito tempo. Claer não gostava de esperar. Aguardava-o no seu gabinete fumando um comprido havano.
— Julguei que já não vinhas — resmungou. —Desde que te dedicas a andar por aí com o teu irmão...
Grossas gotas de suor escorriam pela testa de Pat.
— Eu... — ia dizer qualquer coisa, mas Claer interrompeu-o:
— Vamos, senta-te.
Os seus olhinhos acinzentados despediam cintilações ameaçadoras. Tirou o charuto da boca e sorriu. Pat conhecia bem o significado dos seus sorrisos. Claer não costumava rir senão quando estava encolerizado, e os seus momentos de cólera eram terríveis.
Daquela vez, o seu sorriso era mais amplo e persistente. Ria, mostrando os dentes sujos e cariados.
—Senta-te, Pat —insistiu, indicando-lhe uma. cadeira à sua frente.
Pat deixou-se cair no assento. Ume voz interior avisava-o de que eslava em perigo. Aquele sorriso aberto, interminável, cortando a cara de Claer em duas metades, crispava-lhe os nervos:
— Bem te vi esta tarde, acompanhando o xerife — Voltou à carga o gordo. — És um bom irmão — troçou. — Pediu-te que fosses com. ele ou foste de livre vontade? — perguntou, encostando-se na cadeira e soltando para o ar o fumo do charuto, enquanto tamborilava na mesa com os dedos.
Como Pat se calasse, repetiu e pergunta.:
—Foi o teu irmão que te pediu?
Pat foi cobarde mais uma vez. Os olhos cinzentos do amigo pareciam mergulhar nos seus pensamentos, perfurar a sua alma. Apesar de não estar frio, ele sentia-o e, paradoxalmente, suava.
—Vamos, Pat, responde…
Remexeu-se no assento. e tartamudeou.:
— Ele... ele obrigou-me...
Claer sorriu ainda Mais amplamente e tornou a exibir os dentes sujos, até às gengivas. Depois, subitamente, pôs-se muito sério. Deixou cair o charuto no cinzeiro e inclinou-se para diante:
—Ah! Sim? — disse.
—Claro que sim.
Apoiou as mãos nos joelhos de Pat e falou um bom bocado, olhando-o nos olhos. Soltou uma série de ameaças que Pat escutou a tremer.
— Mentes, Pat. Foste por tua própria vontade. Mas isso não importa agora. O teu irmão é que me interessa. Começa mal. — Pegou no charuto e deu uma fumaça; voltou a colocá-lo no cinzeiro, e acrescentou: — Lembras-te de Peter Malogan? Claro que te lembras. Também era um bom xerife, amante da lei e da ordem. Só viveu seis dias, depois de lhe terem pendurado ao peito uma estrela de cinco pontas. Todos fomos ao seu enterro. Fui uma imponente manifestação de pesar; mas, por infelicidade, ninguém soube nunca quem lhe desfechou pelas costas o tiro que o deixou sem vida no «Caminho dos Bisontes». Se se tivesse averiguado, por certo teriam enforcado o assassino. A verdade é que ninguém manifestou grande interesse em averiguá-lo...
Pegou no charuto, meteu-o na boca e esteve um bom bocado a chupar nele. Pat olhava-o sem pestanejar, adivinhando aonde o outro queria chegar. Por fim, Claer sacudiu a cinza do charuto, inclinou-se mais para diante e prosseguiu:
— Ao teu irmão pode acontecer qualquer coisa rio género. Se alguém se lembra de disparar-lhe um tiro peles costas, garanto-te que ninguém, nem o próprio juiz Smith, conseguirá dar com o criminoso, e seria uma pena que lhe sucedesse alguma desgraça. — Mudou de tom de voz e disse, querendo ser persuasivo: — Porque não lhe lembras o caso do infeliz Peter Malogan? Talvez se resolvesse a deixar tranquilos os assaltantes das diligências e todos os que vivem tranquilamente dos negócios que deram em chamar ilícitos, como por exemplo o teu.
Tornou a chupar o charuto, atirou a cinza para o chão e continuou:
— Tu mesmo ficarás prejudicado com tudo isto. És nem mais nem menos que um ladrão. Vales-te de todos os truques para «limpar» os incautos, e isso está também sob a alçada da lei. Se falares ao teu irmão, talvez consigas convencê-lo de como é perigoso pôr-se contra aqueles a quem, como nós, para nada interessa essa lei que ele representa. Ao fim e ao cabo, John é do teu sangue e estou certo de que te dará ouvidos...
As últimas palavras de Claer foram como que uma chicotada pana o mais novo dos Barton. O sangue afluiu-lhe às faces e à cabeça, afogueando-o. Tentou protestar, mas Claer não o deixou falar. Sem fazer caso da sua cólera cobarde, ordenou-lhe:
— Tens de falar-lhe, Pat. Faremos que o seu cargo de xerife seja magnificamente retribuído. Receberá um bom maço de notes, de vez em quando...
Pat tentou ainda falar, mas Claer interrompeu-o novamente com um gesto enérgico:
—Não, não chamaremos a isso suborno — acrescentou; — apenas deve deixar que tudo continue como até agora, e que não vá meter o nariz no «Vale da Morte». Também podes dizer-lhe que tem cinco dias de prazo para pensar no melhor que tem a fazer. Claro que não lhe dirás que o conselho vem de mim. Não é necessário que menciones ninguém, porque se John não acede ao que proponho e vem a descobrir que fui eu quem to disse, vais fazer-lhe companhia no outro mundo...
Assim, com estas palavras, deu por concluída a entrevista. Pat levantou-se da cadeira com movimentos lentos. Estava certo de que Claer cumpriria ias suas ameaças.
— Lembra-te — insistiu o proprietário do «Ás de Cepas». — Cinco dias de prazo!
Pat saiu do gabinete do sócio a cambalear. Disse apenas:
—Eu vou.
E foi. Apesar de conhecer bem o carácter do irmão, procurou-o no seu gabinete oficial.
Entrou sem bater, deixou-se cair numa cadeira, longe da luz.
John, com o cachimbo -entre os dentes, fumava tranquilamente. Alegrou-se ao vê-lo, não reparando na sua palidez nem nas Mãos agitadas por tremores impossíveis de disfarçar.
—Olá, Pat — disse. — Parece que voltamos a estar juntos.
Voltar a estar juntos! Como o irmão estava longe de imaginar o que se passava no seu espírito!
— Vais ver que em breve acabamos com tudo isto — continuou sem deixar de fumar e de olhar para o tecto. — Se os malfeitores se impõem aos pacíficos e honrados cidadãos, é porque estes se acobardam. No entanto, como o número de homens honrados é maior do que os foragidos, no final triunfa a Justiça sobre o crime, o bem sobre o mal.
Ergueu-se do assento e andou uns passos pelo gabinete. Depois, passando em frente de Pat, pôs-lhe carinhosamente as mãos sobre os ombros.
— Hoje não estiveste no «Ás de Copas», não é verdade? — perguntou. — Deves deixar de lá ir. Custar-me ia ter de... prender-te por causa das cartas. Ainda estás a tempo de voltar atrás. Claro que já és maior e não posso impor-te a minha vontade; mais' tu sabes coro sou teu amigo... Mas, que tens?
Pat tiritava. Continuava sob a influência das ameaças de James Claer. Conhecia bem demais o proprietário do «Ás de Copas» para duvidar de que as cumpriria, chegada a ocasião. Encolhendo-se mais na cadeira e tentando libertar-se das mãos de John que continuavam apoiadas nos seus ombros, iludiu a resposta e retorquiu ao irmão:
— Sim, John, estamos juntos outra vez. Não, não fui hoje ao «Ás de Copas» — mentiu, — mas estou a pensar numa coisa.
— O quê?
— Que... — algo se lhe atravessou na garganta — que deves demitir-te do teu cargo de xerife ou... preocupar-te menos com o que suceder em Winona.
A surpresa emudeceu John. Pat, julgando que ia por bom caminho, aventurou-se a continuar a proposta:
— Se não te meteres em nada, terás o dinheiro que quiseres.
Impediu-o continuar. Apertou os dedos sobre os ombros de Pat e levantou-o quase em peso.
— Cobarde! — exclamou.
Era o próprio irmão quem lhe pedia que deixasse de cumprir o seu dever, o seu «pequeno Pat» quem lhe propunha que vendesse a sua dignidade a troco de um punhado de notas.
Não, não estavam juntos, mas cada vez mais distantes um do cubro. Um muro intransponível levantava-se entre os dois. Que miserável e ruim lhe parecia o irmão em quem tinha cifrado todo, o seu orgulho, em quem tinha posto todo o seu carinho...!
Aquele farrapo trémulo, aquele boneco que poderia derrubar com um murro, trazia nas veias o seu sangue. Parecia mentira! Deixou-o cair de súbito e a cadeira rangeu sob o seu peso.
— O meu pequeno Pat! — cuspiu com desprezo.
Pat Olhava-o com os olhos muito abertos.
— Eu, John...
— Cala-te.
Que poderia dizer pana justificar a sua infame proposta? Melhor seria que se calasse.
John voltou a passear pela sala. Depois parou em frente de Pat e fitou-o. Sentiu pena, uma piedade infinita. Sim, continuava a ser o seu «pequeno Pat» débil, mais que do corpo, de carácter.
Inclinou-se e abraçou-o.
— Desculpa-me! — pediu.
Pat sentia-se mais seguro assim. Sempre tinha precisado da sua ajuda. Inclusivamente naquele instante precisava dela.
Depois John voltou a recordar-se do que Pat abe tinha proposto e (perguntou:
—Quem te mandou cá?
—Ninguém! Ninguém — gritou. — Fui eu que tive a ideia, sabes? Por que não havia de ter sido eu?
—Mentes, Pat. QUEM foi?
A pergunta ficou pairando no ar... Pat via à sua frente o gordo proprietário do «Ás de Copas» sorrindo e mostrando os dentes. Também lhe parecia ouvir o indecente tamborilar dos seus dedos sobre o tempo da mesa, e o som das suas palavras: «...se John não acede ao que proponho e vem a saber que fui quem to disse, vais fazer-lhe companhia no, outro mundo».
Receava que Claer cumprisse a sua ameaça. Inesperadamente, soltou-se dos braços do [irmão e pôs-se a gritar:
—Entrega essa: estrela, John. Se não o fazes matam-te. Tens cinco dias para o fazer. Assassinam-te como a Peter Malogan. E à traição para que não possas defender-te.
Andava a largas passadas, agitando as mãos no ar.
— Quem foi, Pat, diz-me.
Pat calou-se de súbito, deu meia-volta e saiu a correr do gabinete do xerife. John deixou-se cair numa cadeira. Preocupava-o mais o comportamento de Pat do que a sua própria situação.
— Cinco dias? — murmurou. — Quem terá sido o canalha que…?
Carregou ó cachimbo de tabaco e acendeu-o. Pôs-se a fumar e a olhar para o tecto.
— Cinco dias — repetia.
O que não conseguia era dar com quem tinha enviado Pat com semelhante embaixada. Tinha de ser alguém que exercesse grande poder sobre ele, alguém que o tivesse aterrorizado:
— Para o diabo! — exclamou. — Nem cinco, nem cem dias. Continuarei como até aqui.
Naturalmente, nada serviu que Pat avisasse o irmão -do perigo que corria. John Barton não entregou o emblema do seu cargo nem se prestou a receber dinheiro a troco de deixar de cumprir o seu dever.
Sem comentários:
Enviar um comentário