domingo, 7 de novembro de 2021

ARZ133.12 O xerife encontra uma noiva e termina a sua missão

Uma das coisas que mais surpreendera o xerife fora o ódio repentino que Max Tyler sentira pelo jogador Douglas. Outro pormenor, bastante suspeito, era a personalidade de «mistress» Tyler. A esposa do prefeito era uma mulher aborrecida, incapaz de sustentar uma conversa devido à sua surdez. 

O'Farrell soube mais tarde que as senhoras Tyler e Coleman quase nunca se encontravam e que não eram bastante amigas para fazerem confidências uma à outra. Ela dissera-lhe que não sabia nada do cofre de Coleman e que o marido fora amigo de Barnes. 

Pensava o xerife que Coleman fora atingido pelas costas durante o tiroteio que travara com ele. Isto parecia muito estranho, como se Tyler e Barnes tivessem preparado os acontecimentos e o prefeito houvesse dado ao assassino um bom maço de notas para que desaparecesse de S. Luis. 

Também lhe oferecera o relógio e a corrente, sem supor que tais joias denunciariam a sua ligação com o assassino do vereador. 

Tyler juntara uma grande fortuna, a partir da chegada de Perry Douglas. Entre ele e Coleman deviam ter dividido grandes lucros, maiores do que os do jogador, praticando a fraude, o roubo e toda a espécie de vigarices, como, por exemplo, diminuir os impostos municipais sobre os espetáculos do rio e do «rodeo», com o fim de se locupletarem com eles. 

Tyler ficava sempre na sombra. Apenas Coleman e Roy West sabiam que era ele o protetor dos espetáculos. Mas o seu egoísmo não tinha limites. Entregara uma boa soma a Barnes para apagar por completo os vestígios sangrentos do seu passado. Hipocritamente, atacara desde então os jogadores, querendo demonstrar ao povo que era o político mais honesto e respeitável do Far-West. 

Apesar de tudo, Philips não esquecia a refeição do meio-dia. Por isso, entrou no restaurante e foi direito à sua mesa, onde não pôde chegar porque a patroa lhe intercetou o caminho. 

— Querido xerife! — disse-lhe. — Arranjei uma sala de jantar particular para si. 

— Para mim? — surpreendeu-se. 

Levou-o para uma bonita divisão, recém-pintada, com quatro mesas e um armário, e deixou-o só, a ler o «Mirror». 

— Quer deixar o jornal, Philips? Já aqui tem o seu almoço. 

A voz suave e fresca fê-lo levantar a cabeça. Sandra estava diante dele, sem tranças, com uma blusa branca, decotada. 

— Tu, pequena! 

Fechou os olhos, mas depressa voltou a abri-los. Parecia-lhe mentira o súbito desenvolvimento da rapariga das' tranças e das reações infantis. Agora achava-a bela, sugestiva. Teve de passar a mão pelos olhos, julgando ter visões. 

— Posso servir-lhe a comida, Philips? 

— Pois sim. Estás desconhecida para mim. Não percebo como ontem eras uma garota e hoje... 

— Sou a mesma. A mãezinha cortou-me as tranças e eu fiz o resto. 

— Vejamos, dá-me as mãos. Ainda não acredito. 

Sandra estendeu-lhas. O'Farrell olhou-a detidamente. 

— Agrado-lhe, Philips? A mãezinha recomendou-me que me porte como uma senhora. Agrado-lhe? 

O'Farrell não pôde resistir mais à tentação. Agora compreendia que estava apaixonado por uma mulher que o amara em silêncio durante muito tempo. 

— Sandra, minha querida! Perdoa-me não ter reparado que já eras uma mulher. 

— Philips, és maravilhoso! 

Beijaram-se com toda a paixão de um amor nobre. Assim viu a cena a senhora Halper, do corredor. Tão contente como devia estar a filha, chegou à porta e fechou-a. 

O sorriso sedutor de Sandra, dentro de uma deliciosa ingenuidade, o corte das tranças e o seu flamante arranjo de mulher, despertaram o amor do xerife. O que antes lhe parecera uma garota, considerava-o agora o amor da sua vida. Encontrara a mulher ideal na rapariga que ignorara durante tanto tempo. 

— E, além disso, és uma excelente cozinheira... 

Levantaram-se, rodearam com os braços a cintura um do outro e saíram da sala de jantar. Sandra parecia plenamente satisfeita e orgulhosa. 

— Virei buscar-te mais tarde, Sandra. O prefeito está ã minha espera. 

— Esperarei por ti, Philips. Até logo. 

Beijaram-se diante dos comensais. Pouco depois, Plllips desapareceu na rua. Tinha pressa de ver Tyler e de lhe dizer que era um farsante. Encontrou-o no seu celeiro, nos arredores da cidade. 

— Ah, é você, xerife! Vendi uma boa partida de cereais. Não foi em vão que tive uma excelente colheita --anunciou, sacudindo o pó das calças. — Que tal vai o seu trabalho? Como vê, os jogadores estão à beira da ruína. 

— Sim, o senhor fez bom trabalho, mas apesar disso creio que se exagerou em rigor. Sou da opinião de Duppy. 

— Os legalistas que vão para o inferno! — protestou, erguendo os braços curtos. — Convinha dar-lhes uma lição, para que nos deixassem em paz, e foi isso o que ordenei. 

O xerife levantou os olhos para Tyler e este julgou ver neles uma chispa de sarcasmo. 

— Bem sabe, senhor prefeito, que o povo tende para a murmuração — disse, pegando num punhado de trigo e pondo-o num saco. — Falei com pessoas que acham que o senhor é culpado... 

— Culpado? De quê? — interrompeu-o bruscamente. 

— Suspeitam que o senhor está manchado, como Coleman e West. — Virou-se para o prefeito e perguntou: — Não é verdade que foram seus colaboradores? 

Tyler corou. 

— Quem se atreve a dizer semelhante coisa? 

— Procedi a indagações, «mister» Tyler — continuou o xerife, impassível —, e é possível que tenha conseguido provas... 

— Qual provas, qual carapuça! Demonstrei que sou o político mais honesto do estado. 

— Talvez não. Consta-me que comprou uma manada de gado. A sua fortuna é escandalosa. 

— Porque sou um criador de riqueza! Nunca me deixei adormecer sobre os louros. 

— Não se pode negar que é muito inteligente. Mas o povo... Bem sabe, a murmuração... As joias de sua pertença encontradas em poder de Barnes, a bala traiçoeira que matou Coleman, o chapéu do assassino do West... e o cofre do vereador... 

— Irene disse isso à minha mulher. 

— Falei com a sua esposa, prefeito, e ela não confirmou. Quase não se viram, nos últimos anos... O povo suspeita que o senhor provocou a minha presença no palheiro e que induziu o seu colaborador a estar também lá. Barnes esperava, escondido. Então, era a altura de Barnes intervir. E Barnes era o seu pistoleiro particular, com participação nos seus lucros... saiu tudo muito bem. 

Tyler parecia perturbado, sem saber que fazer com os braços. Tremia, sintoma eloquente da sua culpabilidade. Olhou ao longo da nave. Lá longe, a um canto, um velho criado amontoava trigo... O'Farrell virara-lhe as costas. 

— Outras pessoas, porém, consideram-no um prefeito honesto. Eu duvido, mas tenho de apurar a verda... 

De súbito, virou-se, já com o revólver na mão. Foi uma intuição ou talvez estivesse a observar o prefeito pelo rabo do olho. Furtou o corpo à bala disparada por Tyler e, por sua vez, respondeu da mesma maneira. Max Tyler, o culpado, caiu sobre um monte de trigo que se cobriu de sangue. O'Farrell, sem se baixar, verificou que a bala lhe atravessara o peito, perto do coração. Retirou-se devagar, a caminho do gabinete do juiz. 

O velho criado não disse uma só palavra, nem exprimiu nenhum sentimento. Max Tyler dera o passo definitivo para o inferno. Cove S. Copeland recebeu-o de braços abertos. Tinham triunfado ambos. 

Concordaram que Max Tyler preparara tudo astutamente, incluindo o encontro de West com Coleman. uns minutos antes da morte do primeiro. 

— Mas resta-Me o osso mais duro de roer, xerife. Refiro-me a Perry Douglas. Falei com alguns atores e eles sustentam que Chapman enlouqueceu devido às ameaças dos bandidos. 

— Suspeitei-o desde o princípio, embora não pudesse reunir as provas suficientes para os acusar. De qualquer modo, Perry e os seus estão arruinados. 

Os dois homens encontravam-se de pé, a olhar pela janela que dava para a praça. Viram aparecer a galope desfechado três cavaleiros, um dos quais era Plyn. Um minuto mais tarde apresentava-se no gabinete do juiz. 

— Juiz! Xerife! — exclamou, enquanto passava um lenço pela cara. — Uns bandidos atacaram o rancho «Dondée» e levaram uma grande importância em dinheiro. 

— Foram identificados? — perguntou O'Farrell. 

— Os vaqueiros perseguiram-nos durante cerca de uma hora. Julgam que mataram dois ou três bandidos, quando atravessavam o Missouri, mas ainda não apareceram os cadáveres. 

Copeland e o xerife trocaram um olhar de entendimento. 

— Fique às ordens do juiz, amigo Plyn. Essa tarefa compete-me. Espere-me no meu gabinete. Saiu, com um pensamento fixo na mente: a quadrilha de Douglas participara naquele assalto. 

Assim, começou a sua investigação pelo rancho «Dondée». Depois, continuar a cavalgar atrás de uma pista. Até que chegou ao «saloon», muitas horas mais tarde, ao princípio da madrugada. 

Examinou detidamente os cavalos que os bandidos tinham deixado presos ao poste, junto do rio. Viu que estavam suados, com espuma no focinho, sinal de que tinham galopado muito. Olhou para o barco. Viu luz numa vigia que não correspondia justamente ao lugar onde ficava a sala. Era o gabinete do proprietário do barco. 

Atravessou a coberta. Segundos depois encontrava-se diante da porta que dava para o camarote de Perry, onde esteve uns minutos à escuta. Abriu-a muito devagar, com a ponta do pé. Depois, empurrou-a violentamente. Empunhava o «Colt», que apontou a Perry, que se encontrava de costas, sentado a uma secretária em cima da qual havia um monte de notas. 

— Quietos, bandidos! — exclamou. — Apanhei-os com as mãos na massa. 

Perry virou-se rapidamente, com os olhos cheios de fogo. 

— Ah, é você, xerife O'Farrell! Acredite que esperava a sua visita. 

— Ansiava por este momento, Perry Douglas — disse aquele, sem afastar a vista de Alex, que estava meio levantado atrás da secretária, com as mãos nesta. — Há muito tempo que sigo passo a passo, mas até hoje não tive a certeza de que você fosse mais do que um jogador. Douglas, prendo-o pelo assalto de ontem! 

— Graceja, xerife. Você sabe perfeitamente que me dedico a negócios que não estão abertamente à margem da lei. Os «saloons» flutuantes fazem parte da própria história do Oeste, mas infelizmente o cretino do Tyler cansou-se de ganhar dinheiro. 

Ao mesmo tempo que falava, virou-se um pouco para fazer um sinal ao seu cúmplice. Alex compreendeu-o imediatamente. Agiu com rapidez: levou a mão ao coldre, para tirar o «Colt», mas por sorte para o xerife este antecipou-se-lhe uma fração de segundo. Foi mais certeiro do que o seu inimigo, pois atingiu-o na cabeça. Alex caiu morto sobre a secretária. 

Perry Douglas aproveitou a oportunidade; disparou duas vezes seguidas, mas o mesmo fez o xerife. Não teve nada de extraordinário que ambos acertassem no alvo. Tanto assim, que O'Farrell apertou os dentes e deu a impressão de não se poder segurar em pé. De facto, ajoelhou no solo. Assim, ajoelhado, manteve-se direito, no entanto, ao passo que Perry, por seu turno, empalideceu ostensivamente. Estava ferido no peito e teve de se encostar a uma cadeira. Encontravam-se perto um do outro, separados por umas cinco jardas, ambos feridos. No olhar de Perry havia fogo e ódio; no de O'Farrell, coragem e uma firme decisão de vencer. Estavam extremamente pálidos. 

Perry não conseguiu dominar o movimento espasmódico da boca. As suas pupilas já não despediam fogo, porque se apagavam, demonstrando que lhe faltavam forças e energias e que era incapaz de disparar mais vezes. Por fim, caiu no chão, onde começou a contorcer-se. 

O'Farrell arrastou-se, pretendendo alcançar a secretária onde se encontrava depositado o produto do assalto. Fez um grande esforço e conseguiu pôr-se em pé, apoiado na mesa. Deu uma palmada nas notas e espalhou-as pelo chão. 

Não pôde chegar à porta; as pernas dobraram-se-lhe e caiu em cima do cadáver de Perry Douglas, quase sem sentidos. Recompôs-se de novo. Lívido, quase sem sangue nas veias, o xerife O'Farrell desceu ao «saloon» flutuante pela prancha. Tinha de se agarrar às cordas para não cair. 

As pernas não obedeciam à sua vontade, nem a sua cabeça. Cambaleando como um ébrio, conseguiu chegar ao poste dos cavalos do embarcadouro. Estava ali a sua montada. Afagou-lhe a cabeça. Era de madrugada e as ruas estavam desertas. Não havia uma só luz nas janelas. Não viu uma porta iluminada. Até que se apeou diante do seu gabinete. Isto é, quis apear-se, mas não o pôde fazer. Caiu do cavalo. 

— Xerife! 

Plyn apareceu à porta iluminada. Em duas passadas chegou junto do seu chefe. Amparou-o com os braços e levou-o para o gabinete, onde o deixou recostado numa poltrona. 

— Não é nada, Plyn — disse o xerife, com voz fraca, desfalecida. -- Não importa que esteja ferido. Hoje é um dia grande, Plyn! Morreram os pistoleiros. 

—Os ladrões? 

-- Perry Douglas e os seus homens... morreram. Acabo„ de liquidar Perry e Alex; estão no inferno. 

Plyn abraçou-o. 

— Admiro-o de verdade, xerife. 

-- Ora! Sou um vulgar xerife do Oeste, que se propôs limpar esta cidade. Esse é o meu único mérito, Plyn, um mérito insignificante. 

— Não, xerife. O senhor é o homem mais corajoso desta cidade. Orgulho-me de ser seu ajudante. Homens corno o senhor é o que precisam os Estados Unidos. 

Sentou-se junto dele. Olhava-o cheio de admiração. 

-- Dá-me um copo de uísque, Plyn. Far-me-á bem. 

Deu-lho. 

— Agora, avisa Copeland e a minha noiva. Não sabes que é Sandra Halper? Estamos apaixonados e a vida começa de novo. Voltará o sol, correrão os cavaleiros, gritarão os garotos... Tudo na mesma, Plyn, mas mais limpo, mais honesto. 

— Tudo graças a si, xerife. 

Fazia frio naquela madrugada. Plyn deitou lenha na lareira. Enquanto esta crepitava, os dois homens, ao calor do lume, falavam da gloriosa aventura daquela noite. O xerife Philips O'Farrell conseguira tudo o que se propusera. 



F I M 


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