Durante as duas semanas seguintes, Marah e Mac Gregor tiveram de avistar-se uma infinidade de vezes. Os negócios deste assim o requeriam. E Mac Gregor sentia-se cada vez mais satisfeito quanto à aquisição que tinha feito da rapariga. A maior parte do trabalho fazia-o ela. Tanto no rancho como em Cheyenne.
E aconteceu o que tinha de acontecer desde o princípio. As frases de duplo sentido, as insinuações, enfim, qualquer atrito ou palavra mal-intencionada, tinham desaparecido de entre eles. Entendiam-se às mil maravilhas.
Mas Marah Stivens andava triste. Em muitas ocasiões, Pancho notou isso, embora nada dissesse.
É que a rapariga esperava qualquer coisa que não chegava, apesar de, com essa intuição que possuem algumas mulheres, ela ter notado que Mac Gregor a amava, ou que pelo menos estava muito interessado nela.
Seria que a mendiga poderia aspirar a ser estrela? Esta era a pergunta que fazia a si própria na solidão de sua casa, sem encontrar uma resposta satisfatória, visto que algumas vezes julgava ser esse o verdadeiro motivo por que aquela declaração tão desejada nunca chegava.
Então odiava com toda a sua alma aquela fortuna. É que Marah Stivens não podia conhecer que razão do silêncio de Spencer Mac Gregor não era devido ao dinheiro que possuía, mas sim a alguma coisa muito diferente. Para este já não podia haver... enfim, estava-lhe vedado o amor.
Continuava a recordar-se das cavalgadas até Cheyenne na sua companhia. Dos negócios que ele tinha posto nas suas mãos, sempre no plano de secretaria geral, nas suas conversas com ele durante as noites que ceara em sua companhia, nas veladas insinuações que lhe fez em mais de uma ocasião, sem que conseguisse comovê-lo, sem saber que Richard Kennedy, que não tinha dado sinais de tida durante todo aquele tempo, espreitava na sombra disposto a dar o golpe final na mina que se ia aproximando a passos agigantados à medida que o tempo passava e que Curley continuava com os seus movimentos dia após dia.
Foi precisamente após terem decorridos aqueles quinze dias, que as coisas começaram a precipitar-se, dando um rumo inesperado ao assunto, sobretudo para Pancho, que foi quem fez uma sensacional descoberta.
Naquela manhã, um dos peões avisou-o de que um par de rezes tinha saído dos pastos por uma brecha aberta no arame farpado. Pancho replicou que iria ele próprio, já que não tinha outra coisa mais importante, de momento, para fazer.
Esporeou o cavalo e, instantes depois, encontrava-se cavalgando fora dos limites do «Três Barras». A pista das pegadas dos animais levou-o até imediações do rancho de Kennedy. Não desejando complicar as coisas, voltou-se. Consultaria sobre o caso Mac Gregor, embora estivesse certo de qual seria a resposta. Este encolheria os ombros e nada mais.
O sol queimava terrivelmente. Havia uma colina à sua esquerda, Pancho sabia que por detrás deli, ao vale, que formava com as terras do «Três Barras», serpeava o ribeiro que irrigava o «rancho», já em «terra de ninguém».
E se tomasse um banho? Pancho não pensou duas vezes. Meteu encosta acima e alguns minutos depois alcançou o cimo. Deteve-se naquele mesmo local, lançando um olhar pelas redondezas.
De repente, ficou imóvel. Depois desmontou, deveras intrigado. De quem diabo seria aquele cavalo que se via por entre as árvores?
Convencido de que não era de nenhum dos homens do «Três Barras», decidiu averiguar. Não que houvesse mal em alguém banhar-se naquela parte do rio, mas por simples curiosidade de saber quem tinha tido a mesma ideia que ele, estragando-lhe, desse modo, um momento agradável.
Pancho segurou o cavalo pelas rédeas e retrocedeu até que a colina se interpôs entre este e o ribeiro. Feito isto, deixou-o sozinho e voltou a pe.
Alcançou um remanso que formava a tranquila corrente, depois de dar uma longa volta, caminhando contra o vento para que este o não denunciasse. Um inoportuno relincho não lhe convinha. Ele próprio admirou-se perante aquele pensamento, que formava um estranho contraste com a sua primeira intenção. Deslizando por entre as árvores, com a prudência própria das serpentes, aproximou-se o mais que pôde. Com avidez, olhou em todas as direções, perscrutando palmo a palmo a corrente de água. Minutos mais tarde, o seu rosto desfigurou-se numa careta sem limites. Depois, retrocedeu de costas, com iguais precauções, voltando para junto ao cavalo.
Quando galopava em direção aos pastos do «Três Barras», ainda conservava no rosto a expressão que aquela surpresa lhe causara. Desde então, Pancho Suárez, converteu-se na sombra de Spencer Mac Gregor sem que este desse por isso!
*
Naquele mesmo dia, Mac Gregor levantou-se um pouco mais tarde. Pancho e os seus homens andavam para os pastos. Tomou o pequeno-almoço com apetite e veio para o alpendre. Lançou um olhar para o caminho e foi até à cavalariça. Saiu de lá trazendo «Thunder» pelas rédeas. Depois, já outra vez junto do alpendre, recostou-se contra a pequena cerca, esperando.
O motivo da sua espera não tardou em delinear-se na estreita vereda sob a forma de uma nuvem de pó que avançava rapidamente. Pouco a pouco, foi distinguindo o cavalo e depois o ginete que o montava. Cinco minutos mais tarde, os seus olhos cravaram-se naqueles olhos verdes que o olhavam de cima da sela:
— Não desça, menina Stivens — disse Mac Gregor — porque temos de ir até Cheyenne. Mas, se está cansada?...
Era uma forma de a despedir que ele empregava sempre que alguma coisa o forçava a aceitar a sua companhia. Marah compreendera-o há algum tempo, embora não estivesse muito certa se com isso Mac Gregor queria significar o contrário. Replicou:
— Absolutamente nada, senhor Mac Gregor, vou onde for preciso.
O jovem contemplou-a sem replicar durante mais de um minuto, sem que ela afastasse o olhar nem corasse quando sentiu que Mac Gregor a deixava escorregar ao longo do corpo, desde a cabeça até às suas pequeninas botas de montar.
Disse para consigo que jamais a vira tão bonita sob aquele trajo de amazona de tão belo corte e tão cingido, que lhe fazia sobressair acentuadamente as graciosas e feiticeiras formas do seu corpo de jovem.
— Partamos pois — foi tudo quanto disse Mac Gregor, montando.
Durante longo espaço de tempo, cavalgaram no mais absoluto silêncio. Marah estava cada vez mais nervosa. De vez em quando lançava olhares de soslaio ao seu companheiro e remexia-se inquieta sobre a sela. Por fim não pôde conter-se por mais tempo e disse tudo o que pensava naquele momento, mas com o ar mais natural deste mundo:
— Muitas vezes, tenho perguntado a mim própria quando nos deixará, porque o senhor não ficará aqui, não é verdade?
— Ora, menina Stivens! Deseja assim tão depressa ver-se livre de mim?
Ela corou um pouco.
— Senhor Mac Gregor! — exclamou. — Não comecemos novamente, como da primeira vez.
Ele olhou-a de frente.
— Perdoe-me. Mas nem eu próprio sei o que digo... às vezes.
Continuaram em silêncio outro bom bocado. Ela, olhando para o lado contrário do caminho.
Mac Gregor, com a vista cravada na frente, absorvido de novo em estranhos pensamentos nos quais não deixava de aparecer Richard Kennedy. Este estava a resistir à sua pressão mais do que tinha calculado.
Marah continuava inquieta. Via-se nela um estranho desejo de saber coisas acerca daquele homem que estava a constituir a sua principal razão de viver. Várias vezes mais olhou para ele.
— Pergunto a mim própria se não abandonaria a sua terra por uma mulher — disse de repente, mas olhando para o lado contrário a fim de não ver o rosto de Mac Gregor, se este não se tivesse calado. –Um homem, com o seu dinheiro, deve ter conhecido muitas mulheres. Com certeza que se vai embora de Cheyenne e isso é o meu receio.
Era a frase final que encerrava toda uma confissão, e ela sabia-o. Mas Mac Gregor quase não a ouvia. O seu rosto, tenso de ordinário, estava agora lívido. A mão esquerda apertava com força as rédeas e a outra crispava-se sobre o pomo da sela. Com os olhos brilhantes, voltou-se para olhar para ela, precisamente no momento em que ela voltava também o rosto para ele.
— Irra, Marah Stivens! Cale-se! Ou você não fosse mulher para se meter onde não é chamada! Basta! Basta de uma vez!
Marah olhou-o com os seus imensos e belos olhos desmesuradamente abertos, muda de espanto e angústia perante a fúria que expressava aquele rosto para ela tão querido.
No entanto, a rapariga, no íntimo, alegrou-se um pouco. Já sabia o que queria. Na vida de Spencer havia outra mulher. E depois, num brusco contraste, vermelha pelo tratamento que não julgava merecer, explodiu:
— Vá para o diabo, senhor Mac Gregor! Guarde o seu dinheiro para...
E antes que o jovem pudesse fazer qualquer coisa para impedi-la, Marah esporeou o cavalo, partindo tomo uma flecha. Mas «Thunder» era melhor cavalo do que aquele que montava a jovem e Mac Gregor ainda por cima, muito melhor cavaleiro. Portanto, não levou quinhentas jardas a alcançá-la. Os cavalos continuaram lado a lado a todo o galope durante um bom bocado. Juntos, os estribes roçavam-se.
— Pare! Pare, maldita!
— Ah, ah! Detenha-o o rancheiro orgulhoso se é capaz.
E, novamente, Mac Gregor se viu envolto por clarão verde que eram os olhos da rapariga e, como uma vergastada maléfica, viu o mesmo gesto de desafio que vira neles outra vez, e como ela levantava o seu queixinho divinal, e esporeava furiosa.
Conseguiu afastar-se um pouco. Mas «Thunder», sem necessidade alguma de ser esporeado, voou novamente atrás dela.
Mac Gregor desta vez não falou. Ao chegar perto dela, limitou-se a largar as rédeas e a estender a mão para a agarrar. Marah gritou quando se viu arrancada violentamente da sela, para ser depositada com toda a brandura sobre a outra, em frente do jovem. Furiosa, tentou libertar-se do braço que a agarrava pela cintura.
— Bruto! Selvagem! Largue-me!
Mas Mac Gregor não a largou. Apertou-a ainda mais e ela continuou a esbracejar e a gritar remexendo-se como uma serpente.
E foi precisamente naquele instante que o jovem deixou de pensar. Também não soube o que pela sua mente se passou, nem ouvia já as palavras que a rapariga continuava a soltar.
Para ele só existia o excitante corpo da rapariga junto do seu. Inclinou a cabeça e então Marah deixou de pôr resistência calando-se repentinamente. Ficou nos seus braços estranhamente quieta, com os lábios trementes entreabertos esperando o beijo que antevia. Marah Stivens cerrou os olhos quando se sentiu beijada pela primeira vez na boca. Correspondeu carícia pondo no seu primeiro beijo todo o amor que sentia por ele.
Sem comentários:
Enviar um comentário