quinta-feira, 28 de julho de 2022

CLF048.06 Uma mulher torna-se foco de todas as atenções

Mac Gregor, sobre a sela, ia resmungando maldições. Furioso a mais não poder. Muito contra a sua vontade as coisas não tinham corrido como pensara a princípio. Se nem sequer tinha oferecido a Marah Stivens o dinheiro que pensara dar-lhe para que se fosse embora! E agora ia metê-la no «Três Barras».

Era assim que demonstrava o ódio imenso que sentia por todas as mulheres? Ou seria que se estava a tornar brando? Pensou depois que ele não tinha culpa alguma de que na casa vivesse um velho paralítico. Mas no mesmo instante afastou de si esta ideia.

Não era aquele o verdadeiro motivo do seu comportamento.

A culpa tinha a deliciosa figurinha da semisselvagem Marah Stivens. Estaria enamorado dela?

Incapaz de mentir a si próprio, Mac Gregor confessou que sim. Apesar do seu génio violento como pólvora, era demasiado bela e maravilhosa para que um homem pudesse estar muito tempo sem a admirar..., ou enamorar-se. E ele não podia..., não tinha direito a isso apesar da sua fortuna.

O que era pior eram aquelas mãos estragadas pelo trabalho. Decididamente...

Fazendo um poderoso esforço de vontade, procurou afastar de si aqueles pensamentos e fixou os olhos no caminho.

A recordação da receção que lhe dedicara Kennedy, mal chegara, passou pela sua mente. Era melhor não se descuidar. Nesse momento levou a mão ao «Colt» da direita, olhando para o cavaleiro que, cortando em diagonal do planalto que tinha à esquerda, lhe saía ao caminho. Mac Gregor afirmou a vista até reconhecer aquela airosa, e, simultaneamente, odiada silhueta.

Com uma tremenda praga, esticou as rédeas. «Thunder», pouco acostumado àquele tratamento, levantou as patas dianteiras e acto contínuo iniciou uma série de desencabrestamentos medonhos.

Quando Mac Gregor conseguiu dominá-lo, e o espesso pó se dissipou um tanto, o solitário ginete tinha parado a meio do caminho sorrindo friamente.

Nesse momento fazia avançar o cavalo até se deter em frente de «Thunder». Mac Gregor não mexeu. O seu rosto estava mais tenso do que nunca, dir-se-ia mais pálido também.

— Olá, Spencer! — exclamou o cavaleiro.

Apesar de ser uma simples saudação, a voz soou sem qualquer inflexão.

— K... Kennedy! Soube que te chamavas assim ... agora.

Richard Kennedy soltou no ar uma pequena gargalhada. Mais rígido do que nunca, Mac Gregor continuava a contemplá-lo. Não lhe entrava na cabeça aquele alarde de coragem.

— Percebes, Spencer? Tu és a única pessoa. Tu conheces o meu segredo. Sabes o que isso significa?

Sorria agora, como que antegozando o efeito que a sua presença e as suas palavras causavam no jovem. Mas Mac Gregor não era um homem que permanecesse indeciso por muito tempo. Portanto, mal Kennedy acabou de falar, respondeu-lhe abruptamente:

— Maldito sejas Kennedy! O teu lugar é junto das rochas, espreitando a presa, como uma víbora que és.

— Ora! Desta vez prefiro outra coisa! Dizer-te pessoalmente que abandones esse jogo e que te afastes de Cheyenne.

— Perdes o teu tempo. Já não posso, ainda que queira. Os negócios, Kennedy. Compreendes?

Era ele agora quem falava com ironia e Kennedy quem ficava tenso sobre a sela. Não obstante, a sua voz foi calma ao replicar:

— Não aguentarás com o jogo da baixa dos preços, Mac Gregor. Levar-te-á à ruína.

O homem que comprou Cheyenne acentuou ainda mais o esgar da sua boca.

-- Ilusão tua! É o que é, Kennedy. As ações da «Union Pacific» dão bons dividendos... neste momento. E eu tenho milhões. Aguentarei mais do que imaginas. Hás-de sair de Cheyenne a pedir esmola... se não te matar primeiro.

— Tens-me assim tanto ódio?

— Desprezo-te. É o mais simples. És um... assassino. Tira o cavalo do caminho! Cheiras mal!

Kennedy não se afastou. Tinha a mão próxima do «Colt». Mac Gregor notou o ligeiro movimento, mas não fez nada para o impedir. Por fim, ainda perguntou:

— Pensas assassinar-me?

— Porque não desenfundas tu? Vamos, Spencer! Não foste tu que falaste em matar-me? Não vês? Eu sei que nunca atirarás contra mim. Nem que eu te alveje. És um cobarde! Um indecente! Metes nojo! E põe-te a mexer de Cheyenne ou irei eu ter contigo, já que os meus homens fracassam sempre! É a minha última advertência. Intromete-te noutro dos meus negócios e apanharás uma bala na cabeça.

— Ouve, Kennedy. A tua estrela empalidece. E eu também me posso cansar. Afasta-te e vai para o diabo!

Mac Gregor esporeou o cavalo e Kennedy teve apenas o tempo preciso para evitar o choque com «Thunder», que partiu, velozmente, como um meteoro.

Kennedy não voltou o rosto. Lançou o cavalo a todo o galope em sentido contrário, na direção onde Marah Stivens tinha a sua casa, mas desviou o animal antes que esta se divisasse por entre as árvores.

Sorria.

Naquela manhã tinha tido sorte. Desde muito cedo tinha estado à espreita de Mac Gregor. Viu-o vir pela margem do rio e seguiu-o até que conseguiu ver toda a cena que se desenrolara junto da casa. Depois a saída de Mac Gregor desta.

Ali podia estar um dos seus maiores trunfos. Marah Stivens era muito formosa. Ou se enganava muito ou Spencer Mac Gregor tinha ido ali oferecer-lhe qualquer coisa, sabendo da penúria em que se encontravam. Conhecia-o demasiadamente bem para se enganar.

Se as coisas corressem como era de esperar, procuraria jogar com aquele trunfo no momento oportuno.

Em linha recta, encaminhara-se agora para o rancho. Mal desmontou junto das cavalariças, encarou-se com um dos seus homens.

— Tu, Curley, segue-me.

Este atirou as cartas que tinha na mão e os seus companheiros de jogo seguiram-no com o olhar quando foi atrás de Kennedy.

— Vou incumbir-te de um trabalho, Curley. advirto-te que não quero fracassos... desta vez. Vigia a casa dos Stivens e segue os passos da rapariga dia e noite se for necessário. Virás dar-me conta do que ela faz, todos os dias. Sabes onde fica?

O baixo pistoleiro, de olhos encovados e olhar fugidio, riu silenciosamente, mostrando os dentes negros pela nicotina.

— Evidentemente que sei. Quem é o homem que não sabe onde vive a mulher mais formosa de Cheyenne?

-- Isso não me interessa, Curley. Não te enganes no caminho. Só quero saber o que faz. Percebes?

— Sim.

— Pois então vai-te embora.

O pistoleiro saiu do escritório, deixando Richard Kennedy extremamente satisfeito.

Aquela iria ser a sua grande cartada. Os seus conhecimentos dos gostos de Mac Gregor iriam dar-lhe o triunfo. Este teria de se ir embora de Cheyenne obrigado pelas circunstâncias. Sempre fora um «D. Quixote» guano se tratava de mulheres.

E com um sorriso felino na sua bem delineada boca, enfronhou-se atentamente no estudo dos vários papéis do rancho.

 

*

 

Mac Gregor não alcançou o rancho antes do anoitecer. Os seus homens não tinham regressado ainda dos pastos. Decidiu esperá-los ali mesmo. Portanto, meteu «Thunder» na cavalariça e foi sentar-se debaixo do alpendre, numa cómoda cadeira.

Assim o encontraram os vaqueiros uma hora mais tarde. Pancho Suárez vinha à frente deles. E como se de longe se tivessem posto de acordo, entre o trote dos cavalos e os agudos relinchos, detiveram-se em frente do alpendre.

Suárez avançou sozinho e deu conta do trabalho efetuado naquele dia. Tinha sido extremamente penoso, visto que fora necessário mudar uma boa parte do gado de um extremo ao outro do extenso rancho, em busca de melhores pastos.

Mac Gregor passeou o olhar por eles. Estavam encharcados em suor, cheios de pó e cansados. Olhou para Suárez.

— Dê-lhes «whisky» esta noite. Merecem-no. Amanhã metade dos homens irá divertir-se para Cheyenne. A outra metade... fá-lo-á depois.

E sem esperar resposta, deu meia-volta e afastou-se em direção à porta da casa. Já a alcançava quando nas suas costas rebentou uma ovação dos seus homens. Mas Mac Gregor não se voltou. Continuou para a frente e eles viram-no desaparecer no edifício, enquanto Pancho ficava boquiaberto quanto ao estranho carácter do seu novo patrão.

Do pouco que sabia deste, dos motivos que teria para querer fazer-se odiar por todos com a sua maneira de ser, o seu desplante, o seu orgulho e sobretudo aquela amargura perene no ricto firme e um tanto cruel da boca. Um homem que queria criar ódios e acabava por fazer sempre qualquer coisa para ser amado. O contentamento dos seus homens demonstravam-no.

— Aposto em como se passa qualquer coisa com este homem.

Pancho voltou-se prestando atenção. Ouviu Burton dizer:

— Que um raio te parta, Marty. Todos sabem. De certeza que foi uma mulher.

— E coisa grossa foi. Este homem é bom.

Pancho interveio:

— Que tagarelam os senhores vaqueiros de língua comprida?

Voltaram-se os dois ao mesmo tempo, olhando para ele.

— Nada, capataz.

— Ora, ora. Pois Pancho aposta que o vaqueiro mente. Mas se falavam do nosso patrão, mais vale que engulam a língua. Trago precisamente um «45» em cada lado. Pancho Suárez não é dos que se atrapalham!

Ambos olharam para ele julgando que estava a brincar como sucedera outras tantas vezes. Mas viram-no sério, atento a um possível ataque. E riram os dois para a seguir também ambos, e por estranhe contraste, replicarem:

— Não houve má-fé nisto, capataz.

— Está bem. Vamos, pois, a calar a boca e a beber. Foi o patrão quem mandou.

Lentamente, e depois da ceia, os homens foram-se retirando para os barracões seguidos pelo olhar de Mac Gregor que se encontrava acordado, havia algum tempo, no peitoril da varanda, mergulhado como sempre num mar de desencontrados pensamentos. Depois, estes interromperam-se bruscamente.

Verificou que já era noite e que qualquer pessoa que estivesse emboscada entre as árvores das vizinhanças poderia matá-lo impunemente.

Rapidamente afastou-se do varandim e entrou. A meio caminho deteve-o a voz de Pancho Suárez.

— Não se retire ainda se assim agrada a V. Exa. Pancho Suárez vigia. Estão homens de ronda por aí.

Mac Gregor deteve-se. A seguir deu meia-volta e dirigiu-se de novo para a varanda. Debaixo das árvores frondosas, pôde distinguir a confusa silhueta de um homem. Calculou que fosse Pancho Suárez. Chamou-o.

Acabava de se recordar da rapariga da cabana, que se chamava Marah Stivens. Minutos mais tarde os dois homens encontravam-se frente a frente na mesma varanda.

— Obrigado, Pancho. Não o chamei para isto precisamente. Foi por causa dessa mulher — Marah Stivens, creio que se chama -- que deve cá vir amanhã. Se eu não estiver, dê-lhe um cavalo. Mas não lhe diga ainda que é oferta. Depois mande-a a Cheyenne com dinheiro. E ela que compre algumas roupas. Depois de amanhã leve-a ao escritório. Diga-lhe que ponha em ordem todos aqueles papéis. Depois, veremos.

Pouco mais falaram. No dia seguinte chegou a rapariga. A pé, olhando atentamente para o edifício desejando e ao mesmo tempo receando encontrar-se com Mac Gregor.

Mas este, exatamente por causa disso, não se encontrava no rancho. Saíra bem cedo e ninguém soube dizer para onde.

Pancho recebeu-a, levando-a acto contínuo até a cavalariça. Marah sentia uma autêntica paixão pelos cavalos. Esteve longo tempo contemplando-os até que por fim escolheu um. O capataz selou-o e ela montou-o à amazona. Depois já em cima da sela, falou:

— Não disse qual era o meu trabalho, Pancho. O senhor sabe qual é?

— Claro que sim, menina Marah, o de escritório. E Pancho sabe que há lá muito. Há montões de papéis, de vários negócios.

— Acha que faço mal?

— Ora! Mas que asneira. Sua Excelência é boa pessoa. Hoje foi-se embora só para a não ver.

Marah crispou o rosto. Mas a explosão não se produziu. Pancho atalhou a tempo, dizendo:

— Não se arrelie menina, que fica feia e com rugas na carinha. Pancho Suárez estava a brincar. Mas, agora fala a sério. Que a Virgem de Guadalupe me valha, se não falo! Sua Excelência o patrão deu mil dólares a Pancho para vestidos da menina. Mas não se zangue, que não houve dupla intenção. Disse que pagaria pouco a pouco.

E ao acabar com a sua longa falazata, Suárez puxou pela nota do peito, estendendo-a à rapariga. Marah Stivens pegou nela por isso mesmo.

Pancho e o avô tinham sido sempre amigos. Se este dizia que aquilo estava bem, era porque estava.

Despediu-se do capataz com um sorriso e partiu a galope para Cheyenne.

Do alto da colina, os olhos aquosos de Curley viram-na sair e tomar aquela direção. Um instante depois, cavalgava atrás dela.

Todos os olhos se voltaram para ela quando fez a sua aparição na vila. Marah Stivens ia a cavalo, quando todos sabiam que não tinha onde cair morta. E para cúmulo, com uma marca do «Três Barras».

Os comentários começaram imediatamente. Alguns deles chegaram aos ouvidos da rapariga.

Mas Marah Stivens não era dessas mulheres que se deixam amesquinhar facilmente. Continuou o seu caminho até um dos armazéns que Mac Gregor comprara, onde saltou do cavalo. Aí precisamente terminaram os comentários. Alguns homens deste não gostaram da bisbilhotice.

Entretanto não causou tanta expectativa a entrada de Curley. Pode dizer-se que passou inadvertidamente tanto para os homens de Mac Gregor como para o resto dos habitantes. E, no entanto, o pistoleiro, soube sair novamente atrás dela quando depois de ter gasto grande parte do dinheiro e ter dado ordem para que levassem os artigos a sua casa, Marah abandonou a povoação.

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