Havia dias que os comentários tinham começado em Cheyenne, cidade fronteiriça com o Estado do Colorado, em pleno território do Wyoming. Todavia estes, eram feitos em voz baixa, a medo. Era preciso ter cuidado com a língua se se não quisesse topar, de modo irremediável, com o omnipotente Richard Kennedy, ou com algum dos seus atiradores.
Mas naquele dia tinha ocorrido algo que pusera nervosa toda a população. Que se iria passar ali quando o forasteiro chegasse?
Esta e outras perguntas do mesmo jaez, eram formuladas em voz baixa, em leves sussurros e olhando para todos os lados, temerosos de serem surpreendidos.
Porque havia três ou quatro meses, um só homem, ao que parecia, andava desbaratando todos os negócios de Richard Kennedy, sem que este pudesse fazer coisa alguma para o deter.
E ninguém sabia como tinham chegado aquelas notícias à povoação. Todavia, nunca entrara em Cheyenne. Mas o que acontecia agora, juntamente com a notícia de que não tardaria a aparecer...
Por isso naquela noite...
Os comentários tinham começado no «Colorado Saloon». Quer dizer, a clientela continuava silenciosa, alheada, olhando nervosamente, com medo, como se tratasse de um empestado o homem que falava sozinho, já que os comentários corriam por conta de um velho de rosto enrugado, de cara avinhada, extremamente magro, e com uns olhinhos muito vivos e encovados.
A verbosidade de Tom Lorrigan era inesgotável. Bastava para isso que alguém lhe pagasse um «whisky», e ele fazia o resto. Naquela noite, Lorrigan, tinha bebido mais de um!
— Corja de maricas! Que os leve o diabo! Se nos meus acontecia uma coisa destas — soluçou repetidas vezes antes de continuar com a mesma voz pastosa. — Cambada de donzelas assustadiças! E tudo isto porque passou pela cabeça de um louco comprar umas coisas e vir... e um bandido asqueroso rói as unhas de raiva... Que homens! Ao mandão de Cheyenne escapam-se-lhe os negócios... agora... veremos quando a pele... — Calou-se por uns segundos para olhar para a assistência e continuou: — Estão pálidos como os círios. Olhem para eles! São os homens de Cheyenne... — Ria-se agora, e tentou afastar-se da barra do balcão onde estava apoiado. Deu um passo em falso e voltou a soluçar estrepitosamente. — Maricas! Terem medo de Richard Kennedy... No meu tempo... — Novos soluços e calou-se para olhar os presentes que um a um foram afastando o olhar do homem, fazendo-se desentendidos.
Todos menos os três que se encontravam no extremo do mostrador, precisamente no lado oposto dos outros.
Os olhitos vivos de Lorrigan cravaram-se com insistência nas suas figuras díspares. Mal os conseguia distinguir. Mas no seu cérebro anuviado pelo álcool havia a ideia de já os ter visto em Cheyenne uma infinidade de vezes, sem que soubesse a que se entregavam, a não ser o de serem atiradores profissionais. E a coisa tinha-o chocado visto que não se recordava destes pertencerem à seita de Richard Kennedy.
Lorrigan rodava agora sobre as suas inseguras pernas voltando-se de frente para o trio. Seus olhos tornaram-se ainda mais pequeninos.
Continuava a não os distinguir bem. Mas para ele, isso não tinha importância. Tinha-os visto tantas vezes que podia dizer sem se enganar, a sua idade, estatura, cor do cabelo e as armas que traziam consigo.
De repente, desatou a rir. O seu riso era forte e cínico ao mesmo tempo e teve o condão de pôr ainda mais em sobressalto os seus silenciosos e assustados ouvintes. Todos julgaram que iria continuar a invetivar contra Kennedy e mais de um pensou em abandonar o «saloon».
Mas de nada disso se ria o velho Lorrigan. Ria-se para consigo próprio ao mesmo tempo que olhava para os três pistoleiros. É que, desde que os vira, lhes chamara in mente «A Escada». O facto não era para menos.
O primeiro media seis pés e meio. Era tão alto como magro. De rosto macilento, como o de um pele-vermelha, cabelo negro, nariz aquilino, boca um tanto grande e queixo quadrado. Vestia como um vaqueiro, mas os dois «Colt 45» que pendiam do seu cinturão e mais do que isso, a forma de os trazer, afirmavam o contrário. Lorrigan sabia que se tratava de Peter Sutton, e que devia ter uns trinta anos.
Depois vinha Mike Sullivan, cinco pés e meio e gordo como um tonel, olhos pequenos e negros e cabelo cor de açafrão. Feio como o diabo e o rosto picado das bexigas. Um único «Colt 45» pendia do cinturão, por cima da coxa direita, e com a culatra voltada para fora. Lorrigan julgava que devia ter uns vinte e sete anos.
Depois, a figura franzina e doentia de Tex Sinclair. Uns vinte e cinco anos e dois «Colt 38». Bonito como uma mulher. Rosto ameninado, longas pestanas e olhos lânguidos. O cabelo era de cor castanha e encaracolado. Este era uma exceção à regra em relação aos seus dois companheiros, no que respeitava à indumentária. Enquanto estes sem dúvida, podiam ser confundidos com uns vaqueiros quaisquer, Tex Sinclair vestia um ótimo fato de jaquetão, colete floreado, e calçava umas botas que reluziam como um espelho. E, coisa estranha, era aqui que terminavam os conhecimentos do velho Lorrigan no que respeitava ao trio. De onde tinham vindo, que faziam ali e para onde iriam depois, era coisa que não tinha podido averiguar.
Continuava sem os distinguir. Por isso moveu-se novamente em direção ao mostrador. Reparou então que os dois homens tentavam alcançar a saída. O facto deu-lhe novo motivo para palrar e, fê-lo metendo-se com eles. Encontravam-se relativamente próximo dele e apesar da névoa que tinha perante os olhos, reconheceu-os.
— Com os diabos, Sutton! — exclamou gritando sem tartamudear. — Nunca julguei que um vaqueiro... Melhor dizendo, que os vaqueiros dos «Três Barras» voltassem as costas ao ouvir pronunciar o nome de Richard Kennedy. Que um raio vos parta, cobardes! — Riu, acrescentando depois: — Fora com os vaqueiros! É assim que defendeis o vosso novo patrão? Que dirá ele quando chegar? Que responderá a isto o medricas do Cliff Marty? Ou teriam saído do bando ao ver que o negócio fugiu das mãos da hiena de Cheyenne?
Os dois homens detiveram-se para encarar Lorrigan. Em duas passadas ficaram ao pé dele.
— Cala o bico, Lorrigan! É melhor para ti. O que Sutton e eu...
A gargalhada do velho cortou-lhe a frase. Mas não aconteceu o mesmo com Sutton, que terminou a que o outro tinha começado.
— Continuo no bando. Mas a minha pele vale... e o «novo» paga bem o risco que se corre.
Os presentes olharam com interesse para o vaqueiro. Aquelas palavras eram uma sentença de morte para o próprio que as pronunciava se chegassem aos ouvidos de Kennedy.
O vaqueiro dava a entender que estava ao lado do homem que, apesar da oposição de Kennedy, tinha comprado o rancho «Três Barras», pagando o dobro do seu valor, só com a pura intenção de lhe estragar o negócio, visto que para ninguém era segredo que o cacique o desejava havia alguns meses, e que de nada tinham servido ameaças, nem pressões contra os seus antigos donos.
Nada se soubera disso, até que, naquela mesma manhã, um dos homens do «Três Barras» disse que o casal Silver tinha abandonado Cheyenne porque o rancho já lhes não pertencia. Este fora interrogado acerca do caso, e então o nome de Spencer Mac Gregor soou com mais força do que nunca. Os olhitos de Lorrigan tornaram-se ainda mais vivos perante estas palavras.
— Ora bolas! Que o diabo leve Sutton! — tartamudeou novamente. — E eu a julgar que era um cobarde, como todos os homens de Cheyenne.
A sua voz pastosa pelos efeitos do «whisky» ingerido, e o tom irónico que empregou nas frases fez com que o rosto do «cow-boy» se contraísse.
— Raios te partam, Lorrigan! — explodiu. — Se não fosses um velho bêbado de pele curtida...
A mão de Cliff Marty agarrou-lhe um braço afastando-o dele.
— Deixa-o, Tom, é um bêbado indecente. Não sabe o que diz. Se algum dos homens de Kennedy...
Voltaram-se para a porta e em duas passadas atravessaram o seu limiar. Lorrigan ficou para ali a rir de maneira estúpida. Depois voltou a olhar para o trio e a seguir para a assistência.
— Ora! — soluçou. — Vaqueiros do «Três Barras». Com medo até nas solas dos sapatos. Mas quando eu digo que o forasteiro há-de ajustar contas com esse facínora...
— Estás a falar demais, velhinho.
Ao som daquelas palavras, todos os presentes olharam naquela direção. O trio parou junto a uma das extremidades do mostrador cravando os olhos na figura de Jack Latimer, lugar-tenente de Richard Kennedy, que naquele momento entrava no recinto precisamente a tempo de ouvir ainda as palavras de Lorrigan. E se isso não fosse suficiente, bastava-lhe os olhares dos clientes para verificar do que ali se tinha estado a falar, se é que alguém, a não ser o velho Lorrigan, o tinha feito. E a resposta deixou perplexos e apavorados todos os homens.
— Vai pregar para outro lado, Latimer. O teu lugar é no inferno. O teu e o de Kenn...
O pistoleiro, de andar cadenciado e roupagem negra, avançou uns passos sem olhar para Lorrigan. Ao que parecia toda a sua atenção estava concentrada nos três homens que por sua vez, olhavam para ele.
Depois, com ar depreciativo, passeou o olhar pela clientela, para acabar pousando-o definitivamente em Lorrigan.
— É melhor que tenhas tento na língua, se não quiseres desfundar.
Latimer sabia que Lorrigan estava bêbado. Bastava olhar para ele para o verificar. Mas também era verdade que em mais de uma ocasião ele ou algum dos seus homens tinham sido obrigados a chamar-lhe a atenção para isso.
Ultimamente tinha recebido ordem de o matar se este voltasse a dar à língua. A ocasião mostrava-se propícia para isso. E sobretudo porque este, cego pelo vinho, pelo desafio do pistoleiro e ainda pelo sorriso trocista que aflorava aos seus lábios, afastou-se do mostrador, levando a mão à arma. Chegou a desfundá-la. Nada mais.
— Por!...
O resto da frase perdeu-se com o estampido do disparo dado por Latimer. Lorrigan largou o «Colt» levando a mão ao peito à altura do coração. Depois caiu de borco e suas mãos crisparam-se sobre as tábuas do chão. Por fim, ficou imóvel aos pés do seu próprio carrasco.
As mudas testemunhas da cena olharam horrorizadas para a sinistra figura do homem, que não deixava de sorrir.
Junto da barra, no extremo mais afastado do mostrador, Tex Sinclair moveu a mão e um «Colt» apareceu nela de modo inexplicável. A mão de Peter Sutton formou uma tenaz sobre o seu pulso, impedindo o disparo quando aquele começava a curvar o dedo sobre o gatilho da arma. Mas foi Mike Sullivan quem falou com voz calma e convincente:
— Ora bolas, Tex! Agora não. Esse não é o jogo que tu sabes.
E do mesmo modo Sinclair enfundou a arma, enquanto Latimer olhava para a assistência, que, pouco a pouco, e no mais profundo silêncio, ia abandonando o recinto. Riu com uma forte e brutal gargalhada. Depois voltou-se para o balcão, desejoso de beber qualquer coisa. No mesmo instante carregou o sobrolho e olhou atentamente para o trio, que permanecia agora impassível, conto se nada tivesse sucedido. Latimer hesitou uns segundos sobre a conveniência de dizer qualquer coisa. Por fim decidiu-se:
— Não têm medo, pois não?
Tex olhou para os seus dois companheiros. Depois, sem dizer uma única palavra, os três começaram a avançar em direção à saída sem voltar as costas para o homem. E, quando os guarda-ventos se fecharam atrás deles, a forte gargalhada de La-timer atroou o local.
Ele sabia que era poderoso. Acreditava e tinha a absoluta certeza, de que o facto apenas de estar ao serviço de Richard Kennedy, o tornava invulnerável perante os outros. Não porque estes não soubessem «puxar» por um «Colt», mas sim pelo medo que infundia aquele homem.
Junto à borda do passeio, o trio deteve-se. Entreolharam-se e Sinclair falou raivosamente.
— Foi um assassinato, rapazes. Um dia transformo a cabeça desse Latimer do inferno, em passador. Palavra que transformo.
— O teu pensamento é o meu, Tex — replicou Sutton — mas não é... Estás a estragar o jogo e agora olho vivo. As coisas irão mudar a partir de amanhã.
— Ora! Que o diabo me leve se acredito!
E com esta resposta de Sinclair, o trio afastou-se a caminho do hotel onde se hospedavam, perante a estranheza dos habitantes de Cheyenne e da dona do hotel, que não sabiam explicar de onde obtinham o dinheiro para pagar tão cara hospedagem.
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