domingo, 24 de julho de 2022

CLF048.02 Jogar na antecipação para comprar o «saloon»

 A robusta figura do ginete mantinha-se ereta sobre a sela.

Sob as suas longas pernas, um formoso garanhão, negro como a própria noite.

Negras eram também suas vestes, tal como os olhos que brilhavam malignos num rosto de granítica dureza. De boca grande e sempre franzida num esgar de amargura. Nariz aquilino, cabelo loiro como oiro velho. A cor da sua tez, pouco se diferençava da de um índio. Curtida por todos os ventos do Oeste.

A estatura ultrapassava pouco os seis pés, e devia andar pelos seus trinta anos.

Suas armas estavam bem à vista. Um par de reluzentes «Colt» de calibre 45, pendentes das coxas às quais estavam presas as cartucheiras, por finas e entrançadas correias.

Uma espingarda «Winchester» na funda da sela e um «Der ringer» de cano curto na manga esquerda do casaco de pele de anta. E era tudo.

Tal era Spencer Mac Gregor, o irlandês que havia meses era o pesadelo de alguém chamado Richard Kennedy, de Cheyenne.

Do alto da elevação, Mac Gregor, olhava para a estreita passagem pela qual tinha de meter-se para chegar à povoação. Em sua boca não havia agora a expressão amarga que lhe era habitual. Esta estava contraída num esgar duro e cruel, como de um homem decidido a tudo. E na verdade estava.

Até agora tinha-se limitado a fazer fracassar todos os negócios a Richard Kennedy, que este empreendia fora de Cheyenne. Porém, neste momento, vinha meter-se na boca do lobo. Com este pensamento, Mac Gregor esporeou suavemente a cavalgadura.

— Vamos «Thunder». É curto o caminho até Cheyenne.

O animal curvou a sua bela cabeça e relinchou num som estrídulo, como que a responder ao dono. Depois saltou para a frente e a todo o galope meteu-se pelo estreito caminho ladeado de altos taludes rochosos. Escassa meia milha, por detrás daqueles, ficava Cheyenne. Os cascos do cavalo soaram como um abafado trovão, o que não impediu que um segundo depois da bala lhe atravessar a aba do negro «Stetson» com que cobria a cabeça, ter ouvido o disparo inconfundível de uma espingarda.

A segunda bala acertou no pomo da sela destruindo-o completamente. Mas Mac Gregor já não se encontrava sobre ela. Rolava pelo solo sem se importar em nada com a dor provocada pelo choque com este. Por seu turno, «Thunder» (1) afastava-se para os penhascos que bordejavam o acidentado caminho.

(') Trovão (N. do A.).

Outro pesado projétil chegou assobiando das alturas e enterrou-se a escassas polegadas do jovem. Este soltou uma praga e pôs-se de pé, rapidamente, correndo em ziguezague para evitar tornar-se um alvo fácil.

As balas seguintes bordejaram perigosamente o seu corpo, durante o tempo que levou a chegar a um grupo de altas rochas. Junto delas voltou-se repentinamente observando os taludes.

Um raio de sol refletiu por segundos o brilho dum polido cano de espingarda emboscada. Mac Gregor ergueu a mão armada e uma língua de fogo e fumo brotou do longo cano do «Colt».

Lá longe, em cima, a espingarda caiu repentinamente e o jovem ficou imóvel olhando as alturas. Mas no minuto seguinte, a figura de um homem surgiu de entre as rochas.

Mac Gregor levantou o braço armado disposto a fazer fogo e... lentamente, muito lentamente, baixou-o enquanto a voz do homem lhe chegava com absoluta nitidez aos ouvidos.

— Levar-te-á o diabo, Spencer Mac Gregor, se entrares em Cheyenne. É boa pontaria a tua, na verdade. Avariaste por completo o cano da minha espingarda.

E não disse mais nada. O homem deu meia-volta voltando as costas num gesto em que havia muito de desprezo.

Mac Gregor crispou a boca na sua perene expressão de amargura, mais acentuada agora, ao verificar que Richard Kennedy «sabia» que ele não tinha, que nunca teria, coragem para lhe meter uma bala na cabeça. Depois, avançou até ao centro do caminho e assobiou ao cavalo. «Thunder» relinchou alegremente e partiu a galope em direção ao dono. Uma vez sobre a sela, Mac Gregor, tomou o caminho para Cheyenne.

Durante um lapso de tempo incrivelmente longo, o silêncio reinou na rua principal de Cheyenne. Depois vieram os comentários, ditos agora em voz alta. Sem medo, como se os seus habitantes soubessem de antemão que nada tinham a recear do homem que acabava de aparecer no outro extremo da rua, montado naquele soberbo garanhão. Mas, depois...

— Queres uma aposta Rex, em como esse homem é Spencer Mac Gregor?

Outros diálogos ainda:

— Veio para Cheyenne. Vai haver sangue pela certa.

— Cala o bico, pelo menos até sabermos para que lado pendem as coisas, Mike.

— Ora! Kennedy não ficará parado.

— Não dou um centavo pela pele do forasteiro. De certeza que não dura muito, vai...

Mac Gregor seguiu para diante. Com o olhar fixo em frente, sem se importar em nada com os comentários.

Junto a um bebedouro, Sinclair arranjava as unhas observando-o.

Em frente dele, no passeio oposto, Sutton fazia um cigarro usando apenas uma das mãos, enquanto a outra permanecia em repouso junto à nacarada culatra do pesado «Colt».

À porta do «Colorado Saloon», recostado contra um dos suportes do alpendre, Sullivan tinha ambas as mãos metidas por entre a dupla cartucheira. A sua atitude e expressão eram de absoluta inocência.

Todavia, ninguém diria que estavam prestes a converter a calçada num autêntico inferno de metralha. Mac Gregor também não olhou para eles ao passar, queremos referir-nos a Sinclair e Sutton, que ficaram um tanto para trás quando este passou... para desmontar junto à porta do «Colorado Saloon»!

Deixou o cavalo solto, e depois de lhe afagar carinhosamente o pescoço, avançou para o passeio. Pôs o pé sobre este, e seus olhos observaram Sullivan, que lhe estorvava a passagem, já que uma das suas pernas estava bastante desarrumada. Este devolvera o olhar e depois retirou o pé, enquanto na sua boca se delineava um sorriso.

Sutton puxou pelo cigarro quando o viu entrar no «saloon». Sinclair deixou de arranjar as unhas e deu vários passos, até que, inopinadamente, se meteu num portal. Entretanto, já dentro do estabelecimento, Mac Gregor falava com o «barman».

— Um «whisky» — pediu.

Este olhou-o de maneira estranha e serviu-o. Depois de beber um longo trago, Mac Gregor fez uma pergunta:

— Donald Prentis está lá em cima?

O homem sobressaltou-se. Como diabo sabia o forasteiro que o dono do «saloon» tinha aquele nome?

Mac Gregor esperava a resposta sem dizer palavra, adivinhando, no entanto, os pensamentos do «barman». Por fim esta chegou.

— Está.

— Suba e diga-lhe que Spencer Mac Gregor deseja falar-lhe. É um assunto de interesse meu, e talvez... Bom, tenho pressa.

Hesitou uns segundos. O rosto duro e enérgico de Mac Gregor, aliado à sua poderosa personalidade, e aqueles olhos que pareciam trespassá-lo, tiraram-lhe por completo as hesitações.

O homem saiu detrás do balcão, encaminhando-se para a escada que conduzia ao piso superior.

Mac Gregor seguiu-o com o olhar. A expressão da sua boca acentuou-se um pouco mais.

À porta havia curiosos. Entre estes Sullivan, ao que parecia, em atitude indiferente. Mas tenso e vigilante como uma sentinela. Esteve um longo minuto olhando para uns e outros enquanto Mac Gregor permanecia indiferente à expectativa que a sua pessoa despertava. Depois saiu tão silenciosamente como tinha entrado, para ir deter-se no mesmo local anterior.

O «barman» levou uns escassos cinco minutos a voltar.

— O senhor Prentis disse que suba...

Mac Gregor não escutou o resto da frase. Tinha de andar depressa em Cheyenne e não queria perder mais do que o tempo necessário. Em três longas passadas subiu a escada. Uma vez no corredor, não hesitou um só segundo em escolher a porta, comportando-se de maneira que dava a entender o bem informado que estava quanto à disposição do interior da casa.

Empurrou a porta e entrou sem pedir licença. Em frente desta, sentado numa cómoda cadeira, estava Donald Prentis. Bastava lançar-lhe um simples olhar, para se ver que se tratava de um jogador. Alto, mas não tanto como o próprio Mac Gregor. De cabelo encaracolado, negro, olhos lânguidos, nariz um tanto adunco e boca pequena, sempre propensa ao sorriso. As suas vestes eram as clássicas de qualquer jogador. Casaco e calças negros, colete floreado e botas envernizadas. No cinturão trazia um «Colt» calibre 38.

Mac Gregor viu tudo isto num simples relancear de olhos, perguntando de si para consigo se traria também um pequeno «Derringer» na funda subaxilar. Não o cumprimentou. Ficou parado no centro da dependência, com os olhos cravados naqueles que, por sua vez, o examinavam também.

Ambos os homens ficaram silenciosos mais de um minuto, ao fim do qual Prentis levantou-se da cadeira.

— Don Selvi disse que queria falar-me — disse, sorrindo —. Que o senhor é...

— Spencer Mac Gregor — atalhou o jovem —. Vim propor-lhe a compra do «saloon», agora mesmo.

— Hem?

— Não faça exclamações desnecessárias, Donald Prentis. Sei que Kennedy veio vê-lo. Há três dias. Quanto lhe ofereceu?

— Que o diabo me leve!

— Vamos ao assunto — voltou a atalhar o jovem, com rudeza. — Quanto ofereceu?

— Oiça! Mas, se?...

— Basta, Prentis! Eu vim para fazer um negócio. Diga sim ou não. E é tudo. Não quero perder tempo.

Prentis olhou-o com dureza. Mas os olhos que tinha na sua frente eram ainda mais, muito mais, duros que os seus.

— Não quero negócios consigo — replicou por fim —. Nem com ninguém.

— Ora, ora! Sei quanto lhe ofereceu Kennedy e eu ofereço-lhe o dobro. E agora é um conselho que lhe dou. Venda-me o estabelecimento, Prentis!

— Soa-me a ameaça e eu não gosto disso.

— E é. Não tenha a menor dúvida. Prentis levou a mão ao «Colt». Fê-lo com lentidão, não desejando que Mac Gregor desse conta disso. Mas quando os seus longos e cuidados dedos roçavam a culatra...

— Não faça isso ou lamentá-lo-á, Prentis. Que o diabo me carregue se minto.

Prentis retirou a mão da arma.

— Desapareça de minha casa, Mac Gregor! —disse, secamente —. Não vendo o estabelecimento.

— Ora, ora! Vá para o inferno, Prentis! Se o não fizer... olhe, nunca perco tempo com tipos como você. Você é um jogador, um escroque, um batoteiro e muitas outras coisas mais... Mas ainda não é um assassino... Portanto, não vale a pena que eu o liquide, pelo menos por agora. Dou-lhe o dobro, cinquenta mil dólares agora mesmo. Creio que não vale nem metade e com esse dinheiro, um homem como Donald Prentis pode fazer muitas coisas.

Prentis ficou silencioso por uns minutos. Não gostava da coisa. E não tanto pelos cinquenta mil dólares, já que tinha a certeza que o estabelecimento não valia nem metade, como acabava de dizer aquele forasteiro, mas pelas ameaças que este acabava de lançar-lhe à cara. Pensou então em tudo o que se tinha dito em Cheyenne acerca dele. Na compra do «Três Barras» e no que aquilo significava para Kennedy. Se o forasteiro tinha feito tudo isso, era porque tinha as costas bem guardadas. O suficiente para não ter medo do cacique.

— Estou à espera, Prentis.

Aquela voz fria veio retirá-lo das suas cogitações. Mas hesitou ainda uns segundos antes de dizer:

— Pois sejam os cinquenta mil. Caramba!

 

Sem comentários:

Enviar um comentário