segunda-feira, 25 de julho de 2022

CLF048.03 Arruinar o rival... respeitando-lhe a vida

Ao passar junto das rochas onde se ocultara, antes, Richard Kennedy, olhou para a espingarda que tinha atirado para o chão, depois da bala do «Colt» de Mac Gregor lhe ter desfeito o cano.

«Maldito — disse por entre dentes —. Hei-de desfazer-lhe a cabeça, tal como ele fez a esta espingarda».

Continuou depois até ao outro lado do talude. Ali aguardava-o uma magnífica estampa. Saltou sobre a sela e esporeou-o furiosamente. O animal acusou o tratamento com um relincho, enquanto partia ao mesmo tempo a galope, como uma seta.

Desceu como um bólide pela pronunciada vertente, e pouco depois estava à vista do seu formoso rancho.

Junto do alpendre, sentado nas escadas, estava a figura solitária de um homem de rosto patibular, com uma cicatriz na face direita. Os seus olhos eram pequenos e sulcadas de laivos vermelhos. Lábios finos numa boca grande e cruel. Mal viu o cavalo, o homem levantou-se. Ao fazê-lo, viu-se que a sua estatura era mediana, de pernas um tanto arqueadas, e por armamento, exibia à cinta, um longo e negro «Colt Frontier».

Kennedy deteve o cavalo junto deste, exclamando:

— O homem está em Cheyenne, Joe Lang. Tentei meter-lhe uma bala, mas o maldito atira bem e deixou-me sem espingarda. Escolhe cinco homens e mata-o! Se o conseguires haverá mil dólares para cada um.

Sem esperar pelo assentimento de Lang, Kennedy entrou para casa. Kennedy era belo. O seu cabelo, muito curto, era louro. Imberbe, de olhos intensamente azuis, nariz retilíneo e boca perfeita até ao exagero. O seu andar era felino e cadenciado.

Agora, já dentro de casa, começara a passear a grandes passadas. Ia e vinha da porta para a janela. Qualquer pessoa que o conhecesse bem, diria que estava furioso a mais não poder. E na verdade, assim era.

Havia meses que o nome de Spencer Mac Gregor constituía para ele um, pesadelo. Lentamente a princípio, e mais depressa depois, mas com uma perseverança pertinaz estava levando-o à ruiva. E como se isso não bastasse, tinha conseguido o que ele sempre ambicionara: tornar-se dono do melhor rancho da comarca. E se ficasse por aí...

Mas tinha a certeza de que não seria assim. A sua chegada a Cheyenne era um indício bem claro do que se propunha fazer. O seu poderio esmorecia.

Mas isso não era tudo. Fazia mais alguma coisa. É que ele «sabia» porque é que Mac Gregor desejava reduzi-lo à miséria. Ao pensar nisto deteve-se junto da janela. Da sua boca começaram a sair impropérios, até perder alento. Depois olhou através dela. Junto do alpendre, a cavalo, estavam Joe Lang, Jim Moore, Frank Linsay, Timmy Webb e Sterling Mills. O mafarrico do Lang tinha sabido escolher bem! Vendo que iam partir imediatamente, chamou-o.

— Lang!

— Diga, patrão.

— Lorrigan está em Cheyenne. Procura avistar-te com ele antes da noite. Agora põe-te a mexer.

 

***

 

O jovem não perdeu tempo a ouvir a resposta de Prentis. Levou a mão ao cano de uma das botas e começou a tirar notas de mil dólares. Os olhos do jogador rebrilharam de um modo estranho. Depois ficou surpreendido quando aquele exclamou inopinadamente:

— Não pense, Prentis... Que diabo me leve se consinto que o faça!

— Não sei que quer...

— Tome o dinheiro e cale o bico, Prentis. Digo-lhe que não sonhe em tentar fazer um assalto, depois. Meter-lhe-ia duas balas nos olhos!

Prentis não retorquiu. Porque era verdade ter pensado em extorquir-lhe mais do que os cinquenta mil dólares, mas por outro processo. Mas aquele diabo do forasteiro adivinhava os pensamentos. Além disso havia nele aquela segurança...

Em menos de um quarto de hora Mac Gregor redigiu o documento de venda, que os dois assinaram. Depois pediu uma lista do pessoal que Prentis lhe entregou no acto. A seguir olharam-se sem nada dizer. Por fim, o jovem, aproximou-se da porta e abriu-a devagar sem dizer palavra. Prentis compreendeu e saiu pisando forte. No corredor deteve-se para dizer:

— Não se fie, Mac Gregor. Chumbo a ferver cairá sobre Cheyenne... dentro em pouco.

Por resposta, Mac Gregor encolheu os ombros voltando-lhe as costas por desprezo. Prentis crispou o rosto, depois voltou-se e começou a descer as escadas. No caminho para a rua, falou com o «barman»:

— Há novo dono no «Colorado», Don. Chama-se Mac Gregor.

Um ligeiro assobio escapou-se da boca dos curiosos. Kennedy espumaria de raiva quando soubesse! Mas aquele forasteiro... não tardaria a apanhar com uma onça de chumbo no ventre.

O repentino tilintar de umas esporas no alto da escada, fez com que os curiosos levantassem a cabeça. Mac Gregor vinha nesse momento a descer os degraus com toda a calma. Chegou ao mostrador e pediu um «whisky». Quando Selvy o serviu, o jovem olhou-o de frente:

— Fica com o dobro do ordenado — disse. — Se me servir bem...

As suas palavras não podiam, por assim dizer, enchê-lo de orgulho, já que eram tão frias como a própria morte, e havia nelas uma subtil ameaça. Selvy ia a replicar, mas Mac Gregor atingia já a porta da saída.

Sullivan não se moveu quando o viu junto dele. Olhou para ele apenas, e o jovem devolveu o olhar com absoluta indiferença... para os que os estavam a observar.

Caminhou rua abaixo seguido por «Thunder». Sullivan desencostou-se da coluna, do alpendre e foi atrás dele. Quase no mesmo instante Sutton e Sinclair puseram-se em movimento, caminhando cada um por passeios opostos.

Latimer apareceu inopinadamente por uma das ruelas. Quase simultaneamente fizeram-no Lang, Moore, Linsay, Webb e Mills, cada um por lugares diferentes. Os olhos de Tex Sinclair tornaram-se mais «pequenos» e ele próprio também, enquanto as suas mãos acariciavam quase com veneração, as nacaradas culatras do «Colt».

Sutton encostou-se a uma porta e puxou pela bolsinha do tabaco. Com toda a parcimónia pôs-se a enrolar um cigarro.

Sullivan, para não perder o hábito, encostou-se à fachada de uma das casas. Meteu uma das mãos no bolso e, com a outra, começou a dar pancadinhas pausadas sobre o «Colt», enquanto nos seus lábios aparecia um sorriso cínico.

Pela sua parte, Mac Gregor continuava a caminhar rua abaixo. A sua meta era o hotel. Um pistoleiro a mais ou a menos na rua... que importava?

Em todas as suas atitudes se notava uma absoluta indiferença por tudo. Mas na verdade não era assim, já que os seus olhos se mantinham alerta, espiando os movimentos daqueles indivíduos que continuavam a avançar sem olhar para ele. Não sabia que tinham sido tão rápidos em procurá-lo. Mas a «atitude» destes... «cheirava» a atiradores sem escrúpulos.

A isto apenas havia a acrescentar o facto da rua se estar a tornar rapidamente deserta, para perceber o que tinha a fazer.

Latimer pisava agora o falso passeio de tábuas. Caminhou por ele fazendo tilintar as esporas. Quinze jardas o separavam de Mac Gregor, quando Sinclair pareceu pensar noutra coisa, visto que se endireitou, e inopinadamente começou a atravessar a rua.

Latimer deteve-se em frente do jovem. Este imitou-o observando-o. Moore e Linsay, em frente um do outro, mas em passeios opostos, consultaram-se com o olhar. Aquilo era o que esperavam Lang, Mills e Webb, visto que sem aviso prévio levaram as mãos às armas. E antes que o primeiro disparo soasse na rua, a voz de Tex Sinclair rompeu o pesado silêncio:

— Volta-te para mim, Latimer! Estamos em dívida.

Este rodou desenfundando ao mesmo tempo. Mac Gregor lançou-se ao chão com as mãos nas armas. Deu uma rápida meia-volta sobre si mesmo, disparando contra Lang, Mills e Webb, que lhe apontavam já as armas.

A rua converteu-se num autêntico inferno ao mesmo tempo que os três homens largavam os «Colts», para depois rolarem pelo chão soltando cada um gritos de agonia enquanto as balas se cruzavam entre Latimer e Sinclair. As detonações soaram quase ao mesmo tempo. Mas quem se dobrou para a frente foi Latimer, com um tremendo buraco no meio da testa.

Sinclair voltou-se para o extremo da rua levando os polegares aos martelos do «Colt». Mas chegou tarde para intervir novamente.

O mesmo aconteceu com Sutton, que ficou com o cigarro pendurado da comissura dos lábios, e com as armas na mão. Ê que...

Mac Gregor levantou-se rapidamente. O seu «Colt» direito lançou uma língua de fogo. Moore recebeu o brutal impacto de chumbo no meio do coração. Durante mais de um segundo manteve-se de pé, rígido sobre as pernas, depois caiu de costas, enquanto no passeio oposto, Linsay atirava duas balas contra a cara de Sullivan, que não se moveu nem um centímetro. E daquele modo, recostado como estava de encontro à fachada, puxou pela arma e disparou num décimo de segundo quando já o fazia também Mac Gregor.

Linsay pareceu iniciar um estranho bailado quando as duas balas lhe entraram no corpo. A de Sullivan penetrou-lhe na parte superior do peito enquanto a do jovem lhe perfurou a cabeça de um lado ao outro. Depois caiu pesadamente ficando com as pernas encolhidas numa estranha posição.

O silêncio que reinou depois durou mais de um minuto. Mac Gregor adivinhava rostos espreitando por detrás das portadas das janelas. Mas ninguém saía para a rua, receosos de que a batalha continuasse com a mesma violência.

Sem um único gesto que denunciasse a sua presença de espírito perante aquela emboscada, fez um gesto com a mão, e então a «escada» abandonou o lugar que ocupava,

Sullivan foi o último a chegar junto dele. Com ar indolente olhou para o jovem e perguntou:

— Que tal foi a viagem?

— Excelente, Sullivan. Por isso mesmo não podia durar muito.

— Safa, senhor Mac Gregor! Esta armadilha foi preparada por Kennedy — interveio Sinclair. — Mas juro-lhe pelo que há de mais sagrado que mas há-de pagar! Onde quer que o encontre meto-lhe chumbo até deitar por fora. Maldito canalha!

Mac Gregor olhou-o fixamente. Depois as suas palavras causaram uma profunda surpresa no trio:

— Tu não farás nada disso, Sinclair. E... Kennedy não morrerá. Quero a sua ruína..., mas não a sua morte.

— É..., um assassino —interveio Sutton. — Se não lhe metermos chumbo no corpo, os nossos ossos aparecerão a secar ao sol, qualquer dia.

— Enganas-te, Sutton. É a mim que ele procura. Conheço-o bem... e aposto um «whisky» contra o meu cavalo de que ele não atira sobre vocês

— Há homens por terra, senhor Mac Gregor. São coiotes da sua alcateia.

— Nem mesmo assim. Vamos. Puseram-se a caminho no mais profundo silêncio.

Foi Sullivan quem o quebrou ao chegar junto do cadáver de Latimer.

— Cuidado, Tex Sinclair! Que mal te fez o homem para lhe tivesse tanto amor? Porquê esse ódio?

— Apanhou a sua conta por causa do caso do «saloon». O velho era-me simpático. Jurei que o faria. E..., sabia que se voltaria quando lhe gritasse. É um movimento instintivo, que não falhou nem mesmo estando a olhar para o senhor Mac Gregor.

Junto à porta do hotel detiveram-se. Mac Gregor olhou para eles dizendo:

— Estejam alerta, agora. Pode haver mais barulho.

Sem esperar pelo assentimento dos seus homens, entrou, certo de que não se afastariam das cercanias do hotel ainda que Cheyenne ardesse por completo.

No centro do «hall» deteve-se sem saber a quem dirigir-se, mas vendo que os rostos dos clientes estavam voltados para ele, mudos de espanto, e com bastante medo no corpo.

Quase no mesmo instante deu conta do motivo. O ruído da refrega havida minutos antes na rua, tinha chegado até ali. Depois era a sua figura coberta de pó dos pés à cabeça. Decididamente o seu aspeto não era o mais indicado para tranquilizar ninguém.

Ia a perguntar pelo que o trazia ali, quando uma pequena porta se abriu, ao fundo, aparecendo a figura de uma mulher em toda a plenitude da sua beleza. Durante um longo minuto esteve olhando para o homem, e este para ela. Depois perguntou com uma voz bem timbrada:

— É Spencer Mac Gregor?

-- Sim.

Ela pensou no mesmo instante:

— «Será sempre assim tão frio este homem?» — e acrescentou em voz alta: — Por aqui, faça favor.

Mac Gregor seguiu-a ao longo do corredor que partia do fundo do «hall» até ao interior do edifício enquanto os olhares dos homens e de uma ou outra mulher, os seguiam com verdadeiro espanto. Porque em todo o Cheyenne ninguém tinha dito ainda que a bela dona do hotel conhecia o homem chamado Spencer Mac Gregor nem que ela tivesse relações de qualquer índole com ele.

Sílvia Morgan deteve-se em frente de uma das portas. Empurrou-a levemente e esta girou para dentro de uma maneira suave e silenciosa. Depois deu meia-volta indicando a Mac Gregor que entrasse.

— Primeiro a menina Morgan.

Era ela agora quem não mostrava qualquer estranheza pelo facto de ele conhecer o seu nome. Sentados cada um em seu «maple», o jovem olhou-a de frente perguntando:

— O facto de me ter reconhecido leva-a à convicção?...

— Sim, senhor Mac Gregor — atalhou ela. —Alguém introduziu uma carta por debaixo da porta do meu quarto.

— Muito obrigado, então.

— Porquê?

— Ora! Por ter guardado segredo sobre tudo isto, como lhe pedi.

— Não o fiz por ser você, senhor Mac Gregor. Para mim é um como tantos outros..., que pretendem o hotel. A minha resposta é negativa. Se veio por causa disso... E quem meteu a carta por debaixo ia minha porta?

— Um dos meus homens. Tex Sinclair.

— Ah!

Foi apenas uma breve exclamação que, todavia, queria dizer muita coisa. É que ela acabava de se aperceber onde o trio ia buscar o dinheiro para pagar a hospedagem num dos melhores hotéis de Cheyenne, e donde partiam as informações acerca dos negócios que pensava empreender Richard Kennedy. Qual deles o pior!

— Dobro a minha oferta.

Sílvia deu um pulo na cadeira. Com os olhos arregalados olhava para o homem que continuava sentado, com ar impassível no seu rosto de granito. e um sempiterno esgar na boca. Esteve tentada a aceitar. Mas a curiosidade pôde mais do que ela e perguntou:

— Que diabo pensa fazer, senhor Mac Gregor? Comprar Cheyenne inteira?

— Diabos a levem! Talvez..., pelo menos na prática.

Sílvia verificou de modo instintivo que durante em segundo fizera cair a máscara daquele rosto. Que ocultava? Como não obtivesse resposta alguma, replicou voltando ao dinheiro.

— Aceito. São, pois, cento e cinquenta mil dólares...

— Tê-los-á amanhã, senhora Morgan. E agora, por favor, mande arranjar-me um quarto... para esta noite.

Ela própria o acompanhou até à porta, interiormente mortificada por verificar que acabava de encontrar o primeiro homem que tinha conseguido ficar indiferente à sua beleza.

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Na rua, encostado a uma coluna que sustinha um alpendre, estava Sullivan enquanto Sinclair e Sutton se mantinham em expectativa no passeio oposto.

Mac Gregor chamou-os sem ligar nenhuma aos escassos transeuntes que o olhavam de soslaio, fazendo apostas sobre qual dos dois cairia primeiro. Se ele, se Richard Kennedy.

— Tu, Sinclair — disse, quando os teve junto de si — foste em tempo jogador. A partir deste momento tomarás conta do «saloon». Vocês venham comigo.

Durante o resto da tarde, Spencer Mac Gregor movimentou-se apressadamente em Cheyenne, levantando uma poeirada que percorreu a cidade de lés a lés e chegou a todos os ranchos da comarca sem exceção alguma.

A primeira coisa que fez foi comprar um armazém, no qual se vendia de tudo, situado no passeio oposto àquele onde Richard Kennedy tinha o seu. Deu ordem para vender os artigos por metade do preço dos daquele.

Sutton foi quem ficou ali à espera de que a noite caísse. A preços exorbitantes pagou vários estabelecimentos mais, fazendo-o sempre em lugares em que havia outro de Richard Kennedy ou, na sua falta, algum em que este tivesse interesse especial.

Como consequência lógica, segundo o sistema que estava a adotar, todos os artigos de venda, tanto nos de diversão como nos outros, eram sempre por metade do preço. Os habitantes de Cheyenne começaram a perguntar a si próprios se ele não estaria louco. Ou então, quanto tempo iria durar tudo aquilo. Mas o certo era que Spencer Mac Gregor, podia permitir-se o luxo de perder uns tantos milhares de dólares, durante anos se assim entendesse necessário, coisa que Richard Kennedy não podia fazer nem por sombras.

Naquela noite começaram a chegar os ginetes. Mac Gregor recebeu-os nos arredores dando-lhes instruções. Pouco a pouco estes dispersaram-se pela povoação para irem ocupar os lugares designados nos diferentes estabelecimentos que acabava de comprar. E para todos eles houve as mesmas instruções... Tinham de respeitar a vida de Richard Kennedy!

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