terça-feira, 26 de julho de 2022

CLF048.04 Uma beldade e uma cabana

O rancho era do melhor que tinha visto em toda a sua vida. Isto pensava Mac Gregor no momento em que os cascos de «Thunder» atravessaram a cerca na manhã seguinte.

Sullivan não lhe tinha mentido ao descrever-lhe as condições do «Três Barras», assim como a topografia do terreno. Portanto, tinha aparecido nele pela parte contrária aos pastos, não desejando ser visto por pessoa alguma até ao momento oportuno.

Ao atingir o alpendre, Mac Gregor fixou a sua atenção num enorme curral situado a umas trintas jardas da casa principal. Notou imediatamente que havia três homens empoleirados nos postes que o cercavam, e que outro se encontrava no interior tentando domar um cavalo selvagem de grande força.

Tão distraídos estavam que não o viram chegar.

Deteve «Thunder», desmontando. Lentamente encaminhou-se para o barracão e parou atrás dos homens. Durante mais de um quarto de hora esteve presenciando a luta do ginete com o alazão, ao cabo do qual o animal se rendeu à perícia do cavaleiro por entre os gritos e aplausos dos outros três.

Por fim o grupo abriu a pesada porta de troncos e irrompeu pelo barracão dentro soltando gritos e lançando os chapéus ao ar.

Mas foi só um momento depois, já acalmada a excitação da domagem, que o viram. A conversa que tinham iniciado interrompeu-se repentinamente.

O vaqueiro que permanecia ainda sobre a sela, desmontou. Foram-se aproximando lentamente, olhando para ele indecisos, para se deterem na sua frente sem que nenhum dos quatro tivesse aberto a boca.

Mac Gregor examinou-os um por um. De repente reparou que um deles era mexicano. Dirigiu-se a este falando-lhe em espanhol.

— Onde está o capataz?

— Sou eu. Se V. Exa. não manda outra coisa. Pancho Suárez às suas ordens.

— Está bem, homem. E esses?

Pancho nomeou-os no seu pitoresco vocabulário. Mas Mac Gregor só reparou em dois nomes... Encarou-se, pois, com os seus possuidores recordando o que lhe dissera Sullivan na noite anterior, à última hora.

— Tim Burton e Cliff Marty!

O tom que empregou o jovem para dizer aquilo pôs em guarda instintivamente os dois vaqueiros. Mas nada disseram. Limitaram-se a esperar.

— Tim Burton e Cliff Marty — repetiu o jovem. — Que o diabo me leve se os quero no meu rancho! Não me interessam cobardes... que vendem a pele por dinheiro.

— Perdão...

— Cale-se, Marty! A única pessoa que paga aqui e que fala sou eu. Pago melhor..., mas exijo mais. Se convém... O que quiser ficar que fique. Menos vocês. Não compro afeições de ninguém. Não preciso delas!

Ia a dar meia-volta, mas Suárez interveio:

— Perdoe-me V. Exa., patrãozinho. Mas Pancho Suárez quer falar claro, agora, agora mesmo. São bons rapazes e melhores vaqueiros, mas de língua comprida e... não mentem. Palavra que não! Ou eu não me chame Pancho Suárez. O que se passa é que não conhecem V. Exa....

— E você, conhece-me, não é verdade, Pancho?

— Agora mesmo o conheci e não foi preciso mais do que vê-lo.

— Que quer dizer com isso?

— Bom, isso é cá comigo..., ficam ou não?...

— Reúna o pessoal quando voltarem dos pastos. E como me conheceu se não lhe disse o meti nome?

— Falou claro e firme. Essa agora! Ninguém que não fosse o patrão falaria assim a Tim e Cliff.

Mac Gregor calou-se por resposta e dirigiu-se até à porta aberta da casa. Alcançava já os degraus do pórtico quando a voz de Suárez o deteve.

— Senhor Spencer — chamou. — Pancho tem má cabeça. Mas por fim lembra-se sempre. Há uma beldade lá dentro; quer só vê-lo nada mais.

Spencer voltou-se como se lhe tivesse mordido uma víbora. De rosto transfigurado perguntou:

— Uma mulher? — e logo a seguir: — Que vá para o diabo, Pancho!

Pancho Suárez havia muito tempo que estava curado de sustos. Por isso não se intimidou ao ver a expressão do rosto de Mac Gregor, que, não obstante não lhe agradou. Porque, outra vez, e no espaço de umas horas, a impassibilidade marmórea do semblante de Mac Gregor tinha-se quebrado. Refletia agora uma fúria demoníaca. Tinha os olhos brilhantes como carvões acesos, e na boca um ricto duro e cruel. Pancho continuava à espera que se retratasse do que dissera. O jovem pereceu compreendê-lo visto que acrescentou quase a seguir:

— Fale, Pancho! Quem diabo é e a que veio ao «Três Barras»? As suas palavras assemelhavam-se a balas.

Uns passos mais além, os três vaqueiros olhavam interessados para a cena procurando não perder uma única palavra. Que diabo se passava com o novo patrão? No mesmo instante pensaram noutra coisa. Pancho respondia nesse momento:

— É a...

— Não me interessa..., ora bolas! Que desapareça quanto antes... — o jovem hesitou um segundo para acrescentar depois: — Pensava dar uma volta à casa..., sozinho. Mas agora, acompanhe-me ao escritório! Suponho que essa mulher se deve lá encontrar.

Durante o caminho até lá, Pancho Suárez, não estava em si. Aquele demónio de homem era muito capaz de pregar um desgosto à rapariga. Bastava olhar-lhe para a cara para compreendê-lo imediatamente. Mas..., valeria a pena intervir em assuntos que lhe não diziam respeito?... Pancho disse para consigo que não. Se aquele Mac Gregor tinha alguma coisa..., e se fazia odiar como Richard Kennedy... Isso era lá com ele! Por fim o mexicano deteve-se. Apontou para a porta com um gesto. Mac Gregor encarou-o, dizendo-lhe em voz baixa:

— Obrigado. Pode ir-se embora..., se quiser. Mas o assunto trato eu dele.

Disse isto por saber que Pancho Suárez tinha de conhecer a mulher, e muito bem, visto que a tinha deixado entrar assim sem mais nem menos.

Por resposta o mexicano retrocedeu calado, e Mac Gregor abriu a porta decidido a lançar fora a intrusa, sem a escutar sequer. Deteve-se no umbral para a contemplar.

Uma linda e absorta figura de mulher mantinha-se de costas para a porta olhando para o exterior através da janela aberta. Esta dava para as traseiras da casa. Sem dúvida que por esse facto não dera por ele chegar.

Mac Gregor continuou a olhar para ela. Um pouco mais alta do que o normal. Uma cascata de fogo caindo em borbotões da cabeça até aos ombros. De linhas provocantes e belas apesar do vestido grosseiro com que se cobria e que falava de uma época de mais desafogo, mas já distante. E quanto ao rosto?...

O jovem despertou de repente perante a pergunta que acabava de formular a si próprio «in mente». No mesmo instante, as coisas precipitaram-se. Porque continuava a observá-la? Porque tinha observado tudo aquilo com um simples olhar? Mas, não ficara em?...

Maldisse-se por tudo isso, e muito mais ao verificar que com Sílvia Morgan as coisas não se tinham passado assim. Nem sequer se lembrava do seu rosto.

Do mais profundo do seu ser sentiu que as suas convicções, cimentadas ainda mais pelo decorrer dos anos, se desmoronavam. Portanto, desejando destruir aquela espécie de feitiço, deu um passo em frente com o rosto mais tenso do que nunca, e então, nesse momento a mulher voltou-se.

Mac Gregor viu-se repentinamente envolto num clarão luminoso de uns imensos olhos verdes que eram uma autêntica maravilha, emoldurados num rosto de beleza sem par. Muito a seu pesar contemplou-o a seu bel-prazer, já que ela, talvez surpreendida pela sua aparição, visto que o não vira nem ouvira, enquanto olhava através da janela, absorta em seus próprios pensa-mentos, olhava-o com uma estranha expressão no semblante.

Aquele nariz retilíneo, ligeiramente arrebitado... Aqueles olhos! Fartas e sedosas as pestanas que como qual espesso véu desciam sobre eles.

O seu queixo arredondado, a fascinação das suas faces Juvenis e rosadas, os lábios vermelhos, carnudos, excitantes, sensuais...

Ela, pela sua parte, estava demasiado admirada para poder falar naquele momento. Continuava a olhar para a quase gigantesca figura de Mac Gregor, e em sua mente, agora embotada pela surpresa, ia-se avolumando pouco a pouco a convicção de que aquele homem era o novo senhor do «Três Barras».

Aquele rosto duro e frio como o ferro; o ricto da sua boca e o profundo franzido do seu rosto carrancudo.

Por fim os lábios da mulher formaram um perfeito «O» e uma simples exclamação se ouviu que manifestava até que ponto ia o seu assombro:

— Ah! -- e hesitou uns segundos antes de perguntar: — L o senhor?...

Mac Gregor disse para consigo que ela se tinha já refeito de toda a surpresa, pelo menos já não era tão grande o seu espanto. Replicou, pois, desabridamente:

— É o senhor quê?...

— Sim, Mac Gregor. O novo dono do...

— Ponha-se a mexer!

A rapariga julgou ter ouvido mal.

Era certo que a cara do homem não era nenhum poema na verdadeira aceção da palavra. Mas... iniciou uma nova pergunta:

— Co...?

— Ponha-se a mexer! Fora da minha casa! E..., não volte a pôr aqui os pés..., para coisa nenhuma! Ouviu? Vá para o diabo! Porque é que espera?

Ela abriu os olhos desmesuradamente. Depois o seu rosto empalideceu e afogueou-se ao mesmo tempo. Que julgava ele?...

— Vá para o diabo! — explodiu por fim a rapariga abruptamente, o que motivou que o seu rosto tomasse a cor de uma brasa ao dar pela sua pouco decente frase; não obstante, continuou no mesmo tom, julgando dar-lhe a entender que indivíduos como ele tinham de ser tratados daquele modo. — Que o diabo me leve se o fizer, Mac Gregor! Não, pelo menos, até que me escute. Vivemos numa cabana jun...

Mas o jovem atalhou violentamente:

— Desapareça daqui de uma vez! Não me interessam os seus assuntos, percebe? Só os meus. Gire!

Deu dois passos para a frente, visto que ela não se mexia, olhando-o como fascinada, deambulando pelos mais desencontrados pensamentos.

— Desapareça daqui! Ou quer que eu a ponha na rua?

E estendeu os braços para fazer o que dizia. A rapariga saiu repentinamente da sua imobilidade lançando um ténue grito. Fez um leve requebro que pôs ainda mais em relevo as suas linhas perfeitas e juvenis e correu em direção à porta.

Mac Gregor não a seguiu. Ficou imóvel no centro da dependência vendo-a partir. Ela voltou-se, uma vez junto do limiar da porta, para dizer:

— Matá-lo-ei, Mac Gregor! Meter-lhe-ei uma bala na sua dura cabeçorra se se aproximar da minha casa.

E com aquele gesto iracundo, a rapariga saiu definitivamente.

Uma vez só, Mac Gregor sentou-se atrás da secretária. Os seus pensamentos eram os mais díspares. Tão depressa pensava num negócio como noutro, não os examinando a seu capricho e vontade, visto que era a figura da rapariga que ocupava o primeiro plano dos seus pensamentos. Que fossem todas para o diabo!

Mas meia hora mais tarde estava junto do pórtico a falar com Pancho. Um quarto de hora depois soltou a pergunta que pareceu ser feita do fundo de um precipício:

— Quem é ela?

— Um amor de rapariga, saiba V. Exa. Chama-se Marah Stivens. Tem dezanove primaverazinhas. Um amor de rapariga, olá se é!

O mexicano calou-se enquanto Mac Gregor permanecia pensativo. Se as coisas pudessem fazer-se duas vezes! E ao cabo de dois minutos falou novamente.

— Diz que há para aí uma cabana, Pancho.

— Pois há, é a dela. Fica mesmo, mesmo ao pé do rio.

E não se surpreendeu absolutamente nada quando o jovem mudou de conversa. Vinte minutos mais tarde despedia-se. O resto do dia passou-o percorrendo o interior do «Três Barras».

E à noite, Pancho, encontrou-o sentado no escritório a examinar os livros. Da porta deu as boas noites a que o jovem respondeu com um grunhido, sem levantar os olhos da coluna dos números. Então o mexicano acrescentou:

— Os rapazes estão lá em baixo, à espera, pela apresentação de V. Exa... Pancho Suárez mandou-os reunir tal como o «patrãozinho» ordenou.

Levantou a cabeça, olhando para o mexicano.

— Desço já — replicou com a mesma secura de sempre.

E, quando se levantou para pôr o cinturão Pancho Suárez, já não se encontrava no escritório. Minutos mais tarde, encontrava-se com mais de uma vintena de cochichantes vaqueiros que se calaram como por encanto mal o viram aparecer no limiar da porta. Não cogitou muito acerca do que iria dizer. Para quê?

Lentamente, muito lentamente, aproximou-se das escadas do pórtico. Deteve-se quando as esporas das botas roçavam o primeiro degrau. Foi-os observando um a um no mais completo silêncio. Tão absoluto este era que se tornou pesado. Por fim Mac Gregor falou com voz fria e pausada:

— O meu nome é Spencer Mac Gregor — disse. — Isto seria dispensável dizê-lo visto que já o sabem. Pago melhor do que ninguém, mas... exijo o mimo. Aquele que não estiver de acordo, o capataz Pancho Suárez tem ordem de lhe dar duplo ordenado, um cavalo, as armas e uma espingarda. Depois..., é só abrir-lhe a cerca e..., pradaria com ele! O que ficar... talvez mastigue chumbo. Não obstante o assunto ser só comigo, faço uma advertência formal. Richard Kennedy não deve morrer..., ainda que baleie um ou outro de vós. Tudo o resto pode ser... meter-lhe uma bala num braço ou numa perna! Os que não quiserem ficar que deem um passo em frente.

Os homens entreolharam-se ponderando as palavras do duro homem que tinham pela frente. Por certo que não era um poema de delicadeza. Mas como homens acostumados a ir direitos ao assunto, a dizer simplesmente o que queriam sem se importarem com a opinião dos outros; agradou-lhes. Portanto ninguém se moveu.

Mac Gregor voltou a olhar para eles. Depois seus olhos cravaram-se em Burton e Marty. Os dois vaqueiros aguentaram o olhar impassíveis.

— Está bem — disse repentinamente. — Que Pancho vos pague o mês por adiantado. Voltarão a receber..., no fim. E sem querer escutar palavras de agradecimento ou simpatia, no caso de as haver, o jovem deu mela volta e retirou-se.

No dia seguinte...

 

 

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