Decorreram vários dias, e Dick pôde observar mais claramente os desregramentos do irmão. Gilbert embebedava-se com frequência, tinha tremendos acessos de cólera...e quando Dick tentava aconselhá-lo... respondia-lhe brutalmente. Dick dominava-se, insistia, enchia-se de paciência, mas, numa noite em que voltavam de Misoula, já em casa e na presença de Lee, a paciência esgotou-se-lhe.
— Basta! ... — bradou, depois de ouvir uma série de tolices e de insultos. — Faz o que quiseres, enforca-te no teu estúpido orgulho! Continua a esbanjar oiro para que te odeiem cada vez mais, continua a vestir-te como um palhaço, a insultar, a humilhar, a proceder como um carrasco e como um bêbedo! Mas não contes comigo! Não posso mais! Amanhã mesmo parto da mina e de Misoula, e não espero voltar a ver-te outra vez!
Os olhos de Gilbert, raiados de vermelho, congestionados pelo álcool, tiveram um fulgor estranho.
— Já disseste tudo, Dick? Não bastam essas palavras...
— Tens razão... devolver-te-ei o dinheiro que me mandaste... e pagar-te-ei a tua parte no rancho, que me ofereceste. Depois disso, podes esquecer-te e de que existo!
— Não me refiro a isso... Quero ouvir-te dizer tudo! Por que não dizes que me odeias? Vamos, não hesites!
— Gilbert! — tentou intervir Lee Stevens.
— Não te metias nisto, Lee! Vamos, rapaz! Fala!
— Talvez devesse odiar-te, Gilbert... — respondeu Dick, outra vez calmo. — Não és o irmão que eu tive, és um estranho e procedes como um doido... um doido mau... Mas não te odeio. O que sinto por ti é compaixão. Deves estar muito doente... ou transformaste-te numa fera vestida de palhaço, num carrasco ridículo e repugnante.
Gilbert deu um salto para a frente e, com um brado rouco, vibrou um soco no irmão. Dick recuou sob o choque. Mas não caiu. Afastou Lee, que queria interpor-se, e disse:
— Deixa-o. Era a única coisa que faltava para que eu partisse sem remorsos... — e continuou, fitando Gilbert: — Não repitas isso, Gilbert. Durante o pouco tempo que vou demorar-me ainda aqui, não tentes repetir a façanha.
Gilbert, empalideceu, murmurou:
— Perdoa-me, Dick!
— Só me faltava ouvir isso! De que massa és feito... afinal?
Mas Gilbert, que se tinha deixado afundar, reagiu novamente, com violência:
— Desaparece daqui! Vai-te!
Dick voltou-lhe as costas, encolheu os ombros e saiu. Lee olhou para Gilbert, com uma expressão grave e acusadora, uma expressão que o irmão de Dick nunca lhe tinha visto. E Gilbert, que tinha vontade de se esbofetear a si próprio, sentiu que o amigo o censurava sem palavras, asperamente. Voltou a reagir, furioso:
— Por que te calas? Diz o que pensas? Tens vontade de me cuspir na cara, não?
— Estás bêbedo, Gilbert.
— E depois? — berrou Gilbert.
— Não grites... -respondeu Lee, gravemente, falando devagar. — Começo a cansar-me! Não és mais do que eu... e tens abusado da minha paciência. Aconselho-te a que não grites nem voltes a incomodar-me... ou terás uma surpresa como a que te deu o teu irmão!
Gilbert teve uma risada áspera, desdenhosa.
— Muito bem, sócio... Dás ordens, não é? Esqueces-te de que nem sabias andar pelas rochas... que encheste os olhos com o brilho do oiro que eu descobri e tu não serias capaz de encontrar... E dás-me conselhos, e fazes ameaças... Não vais longe demais?
— Não, não vou longe de mais, Gilbert. Sabes que a nossa sociedade vem de longe... do tempo em que eu trabalhava e suava enquanto tu afogavas em uísque os teus fracassos. Se alguma coisa ganhámos, fui eu quem a ganhou. Se houve coragem entre nós, fui eu quem a teve. Por, teres acertado uma vez, não te julgues mais do que és...
— Vou passar a respeitar-te, vais ver... — disse Gilbert., escarninho e desdenhoso.
— Farás bem... ao menos viveremos em paz...
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