As portas de mola foram empurradas nessa altura, e dois homens entraram. O primeiro era forte, de expressão rude, o outro, era magro e tinha um ar de desprezo ou de hostilidade. Eram o xerife Lon Toomey e o seu ajudante Aaron Weis. Ambos tinham vindo atraídos pelos ecos das detonações, mas um relance de olhos bastou ao xerife para compreender de que se tratava. Grunhiu:
— Talvez você se divirta assim, Gilbert Steiner, mas aconselho a que vá fazer isso noutro sítio. Pode distribuir o seu oiro sem alterar a ordem...
— Talvez esta gente se divirta também, xerife... - redarguiu Gilbert. — Pergunte o que eles pensam do caso.
— De qualquer modo, eu não acho graça a isto e já lhe dei o conselho que tinha a dar... — o xerife interrompeu-se, olhou para Dick e perguntou —. É novo por estes sítios, não?
— Sim, mas estou só de passagem. — disse Dick
— É meu irmão Dick, que veio de Olympia... —explicou Gilbert.
— Seja bem-vindo...e se tem mais um pouco de sensatez que o seu irmão, sugiro-lhe que lhe faça ver os inconvenientes que há em crivar o chão com balas de oiro...
Lon Toomey e o seu ajudante saíram. Gilbert encolheu os ombros, visivelmente contrariado. Pegou na bala que ficara sobre o balcão e meteu-a de novo na arma.
— Posso perguntar-te se o teu sócio procede como tu, Gilbert?... — murmurou Dick.
— Não... Ao princípio fez algumas coisas no mesmo género, mas o oiro entrou-lhe na pele... e tornou-se avarento.
— Isso acontece... O oiro perturba sempre, mas de maneiras diferentes...
Dick tinha perdido a vontade de ir deitar-se e dormir. Começava a sentir-se preocupado com o irmão, compreendia que Gilbert estava a fazer um jogo perigoso. Ficaria uns dias por ali, inventando um pretexto qualquer. Disse:
— Gilbert, estou a pensar que não me portei bem contigo... Não devia ter dito o que disse, porque era natural que te ressentisses.
— Oh! Esquece isso...
— Sempre fomos amigos... e no fim de contas talvez ambos tivéssemos mudado alguma coisa nos últimos anos... Mas na verdade nunca nos zangámos.
— E não nos zangaremos, Dick. Sabes quanto sou teu amigo.
— Nunca o duvidei... Foste generoso para mim e não devo apontar-te defeitos como se ignorasse as tuas virtudes...
— Disseste o que pensavas...e, no fundo, reconheço que tens razão. A outro qualquer não diria isto, mas contigo é diferente. A riqueza tornou-me exibicionista, mas isto há-de passar... Sou como alguém que tivesse passado fome durante anos, e de repente tivesse montes de comida na frente... Mas na mina, quando estou a trabalhar, volto a ser eu... como sempre fui. Ainda insistes na ideia de partir?
Dick sentiu que o irmão não estava a dizer a verdade. Era inteligente e sabia encontrar as palavras precisas para convencer... embora fosse forçado a mentir. E o que queria agora, era que Dick ficasse ali. Foi o que Dick entendeu, pelo menos. E respondeu:
— Não, Gilbert. Acho que vou ficar contigo.
— És um bom rapaz e um bom irmão, Dick!
— Mas estou cansado, realmente e...
— Vamos agora mesmo para a mina e poderás dormir. Eh, Strafford! Vou com o meu irmão, para a mina, e naturalmente voltamos à noite. Logo pago-te... em oiro!
— Não te preocupes, homem. Quanto a si, Dick, repito-lhe que seja bem-vindo. Espero que nos veremos com frequência, hem?
Dick sorriu, fez um aceno e afastou-se atrás de Gilbert. Momentos depois partiam ambos de Misoula...
Não tardou, encontraram outro enforcado, o sétimo, e este estava no caminho da mina. Dick deteve a montada.
— Deixa isso, Dick... —disse o irmão.
— Sabes que já encontrei mais seis, quando vinha? Conhecias este, Gilbert?
— Sim. Era um tal Rush... um ladrão…
— Quem o enforcou?
— Eu.
Dick olhou para o irmão, pasmado. Perguntou:
— Porquê, Gilbert?
— Ora... Desde há tempos que aplicamos por aqui a lei de Lynch. Desde que descobrimos a mina não faltam por aí os aventureiros. Furam por toda a parte, na montanha, até verificarem que o único filão, é o nosso. Então alguns desistem..., mas outros ficam e tentam roubar-nos. Este foi um deles. Quando apanhamos um ladrão, enforcamo-lo onde quer que seja.
— Mas isso é monstruoso, Gilbert!
— Se não fizéssemos isto, matar-nos-iam. Ao princípio tivemos de enforcar vários, mas agora são raros os que se atrevem. Já sabem o que os espera.
— É o sétimo que encontro, no entanto.
— Encontrarás mais, se deres uma volta por aí. Sem contar com os que foram comidos pelas feras, ou arrastados pelos ciclones.
— E sempre tens sido tu o encarregado dessa... justiça?
— Sim, eu e os meus homens... — disse Gilbert, gravemente. — Não sou avarento, mas não posso deixar-me roubar.
— Há uma coisa em que não pensaste, irmão... Fazes ideia do que aconteceria se alguém... sem ter roubado oiro na tua mina... aparecesse enforcado por aí?
— Que havia de acontecer?
— Pensa bem, Gilbert... Imagina que alguém em Misoula, quer assassinar um inimigo... ou quer prejudicar-te... Penduraria o cadáver... e seria a ti que o xerife pediria explicações...
— Que eu lhe daria, dizendo não ter nada com o caso...
— Se ele estivesse disposto a acreditar-te... Mas não me pareceu que o xerife ou o ajudante fossem teus amigos.
— Um par de sapos...
— Mas representam a lei. Eles concordam com estes enforcamentos?
— Não.
— Era de esperar que não. Devem considerar que interferes nas funções deles, e embora nestes casos não possam censurar-te... devem estar à espera de te apanhar em falta...
— Ai deles se o fizerem! Com a razão do meu lado; enfrentaria a lei!
— Tu lá sabes... No teu caso, porém, mandaria enterrar esses enforcados e, de futuro, entregaria os ladrões ao xerife
— Continuamos a divergir em muitas coisas, pelo que vejo. Ninguém teria interesse em prejudicar-me.
— Por causa da tua generosidade?
— Digamos que por isso, sim...
— Pois estás enganado, Gilbert. A generosidade, tal como a praticas, só traz inimigos. Tu cospes na cara deles, embora cuspas oiro...E se juntares a isso a inveja que devem ter... verás que em Misoula são mais os inimigos que os amigos. Bebem à tua custa, aceitam o teu oiro..., mas se te virem caído lançam-se sobre ti...
— Não lhes darei essa oportunidade. Mas dir-se-ia que o desejas, Dick...
— Tolice! Desejo apenas pôr-te de sobreaviso. E a propósito...tem cuidado com o xerife. Odeia-te.
— Tem medo de mim. É lento, e sabe que eu não hesitaria em meter-lhe no coração uma das minhas balas de oiro.
— Pode ser assim..., mas ele representa a Lei e tenho a certeza de que só espera um motivo para te prejudicar.
— Tenho os olhos bem abertos. Escuta, Dick... Estás a tornar as coisas difíceis.
— Está bem, esquece o caso...
Retomaram o caminho, em silêncio...
***
O acesso à mina era feito por um caminho sinuoso que ia ter a uma pequena esplanada cercada, com arame farpado e vedações de madeira. Havia vários letreiros que indicavam ser aquele o único caminho de aproximação... para evitar que alguém se perdesse por outro lado onde a presença de um desconhecido seria considerada suspeita.
Dentro da vedação viam-se vários barracões, oficinas - uma das quais era a de fundição - e um edifício de pedra onde viviam Gilbert e o sócio. A mina era uma fenda profunda, com vários ramais. Uns cinquenta homens trabalhavam ali, mas, além dos trabalhadores, havia outros homens, colocados em pontos estratégicos, bem armados e vigilantes. Eram os guardas, pistoleiros contratados por Gilbert e Stevens.
Dick e Gilbert entraram na casa. Stevens estava lá. Era um homem de estatura meã, simpático e agradável. Nada tinha de pedante nem de exibicionista, mas, ao contrário do que Gilbert dissera, também não parecia ser um avarento. Cumprimentaram-se e ficaram a conversar, até que Dick voltou a falar da fadiga da viagem.
— Se tivesses dado ouvidos a Gilbert, ainda agora estarias em Misoula, a beber uísque... — disse Stevens sorrindo. — É insaciável e indestrutível...
— Bem lhe podes dar corda... — comentou Gilbert. — Desde que chegou não tem feito senão censurar-me. Agora, tens o teu apoio...
Stevens sorriu.
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