domingo, 15 de maio de 2022

FBV159.03 Reencontro entre irmãos

 As portas de mola foram empurradas nessa altura, e dois homens entraram. O primeiro era forte, de expressão rude, o outro, era magro e tinha um ar de desprezo ou de hostilidade. Eram o xerife Lon Toomey e o seu ajudante Aaron Weis. Ambos tinham vindo atraídos pelos ecos das detonações, mas um relance de olhos bastou ao xerife para compreender de que se tratava. Grunhiu: 

— Talvez você se divirta assim, Gilbert Steiner, mas aconselho a que vá fazer isso noutro sítio. Pode distribuir o seu oiro sem alterar a ordem... 

— Talvez esta gente se divirta também, xerife... - redarguiu Gilbert. — Pergunte o que eles pensam do caso. 

— De qualquer modo, eu não acho graça a isto e já lhe dei o conselho que tinha a dar... — o xerife interrompeu-se, olhou para Dick e perguntou —. É novo por estes sítios, não? 

— Sim, mas estou só de passagem. — disse Dick 

— É meu irmão Dick, que veio de Olympia... —explicou Gilbert. 

— Seja bem-vindo...e se tem mais um pouco de sensatez que o seu irmão, sugiro-lhe que lhe faça ver os inconvenientes que há em crivar o chão com balas de oiro... 

Lon Toomey e o seu ajudante saíram. Gilbert encolheu os ombros, visivelmente contrariado. Pegou na bala que ficara sobre o balcão e meteu-a de novo na arma. 

— Posso perguntar-te se o teu sócio procede como tu, Gilbert?... — murmurou Dick. 

— Não... Ao princípio fez algumas coisas no mesmo género, mas o oiro entrou-lhe na pele... e tornou-se avarento. 

— Isso acontece... O oiro perturba sempre, mas de maneiras diferentes... 

Dick tinha perdido a vontade de ir deitar-se e dormir. Começava a sentir-se preocupado com o irmão, compreendia que Gilbert estava a fazer um jogo perigoso. Ficaria uns dias por ali, inventando um pretexto qualquer. Disse: 

— Gilbert, estou a pensar que não me portei bem contigo... Não devia ter dito o que disse, porque era natural que te ressentisses. 

— Oh! Esquece isso... 

— Sempre fomos amigos... e no fim de contas talvez ambos tivéssemos mudado alguma coisa nos últimos anos... Mas na verdade nunca nos zangámos. 

— E não nos zangaremos, Dick. Sabes quanto sou teu amigo. 

— Nunca o duvidei... Foste generoso para mim e não devo apontar-te defeitos como se ignorasse as tuas virtudes... 

— Disseste o que pensavas...e, no fundo, reconheço que tens razão. A outro qualquer não diria isto, mas contigo é diferente. A riqueza tornou-me exibicionista, mas isto há-de passar... Sou como alguém que tivesse passado fome durante anos, e de repente tivesse montes de comida na frente... Mas na mina, quando estou a trabalhar, volto a ser eu... como sempre fui. Ainda insistes na ideia de partir? 

Dick sentiu que o irmão não estava a dizer a verdade. Era inteligente e sabia encontrar as palavras precisas para convencer... embora fosse forçado a mentir. E o que queria agora, era que Dick ficasse ali. Foi o que Dick entendeu, pelo menos. E respondeu: 

— Não, Gilbert. Acho que vou ficar contigo. 

— És um bom rapaz e um bom irmão, Dick! 

— Mas estou cansado, realmente e... 

— Vamos agora mesmo para a mina e poderás dormir. Eh, Strafford! Vou com o meu irmão, para a mina, e naturalmente voltamos à noite. Logo pago-te... em oiro! 

— Não te preocupes, homem. Quanto a si, Dick, repito-lhe que seja bem-vindo. Espero que nos veremos com frequência, hem? 

Dick sorriu, fez um aceno e afastou-se atrás de Gilbert. Momentos depois partiam ambos de Misoula... 

Não tardou, encontraram outro enforcado, o sétimo, e este estava no caminho da mina. Dick deteve a montada. 

— Deixa isso, Dick... —disse o irmão. 

— Sabes que já encontrei mais seis, quando vinha? Conhecias este, Gilbert? 

— Sim. Era um tal Rush... um ladrão… 

— Quem o enforcou? 

— Eu. 

Dick olhou para o irmão, pasmado. Perguntou: 

— Porquê, Gilbert? 

— Ora... Desde há tempos que aplicamos por aqui a lei de Lynch. Desde que descobrimos a mina não faltam por aí os aventureiros. Furam por toda a parte, na montanha, até verificarem que o único filão, é o nosso. Então alguns desistem..., mas outros ficam e tentam roubar-nos. Este foi um deles. Quando apanhamos um ladrão, enforcamo-lo onde quer que seja. 

— Mas isso é monstruoso, Gilbert! 

— Se não fizéssemos isto, matar-nos-iam. Ao princípio tivemos de enforcar vários, mas agora são raros os que se atrevem. Já sabem o que os espera. 

— É o sétimo que encontro, no entanto. 

— Encontrarás mais, se deres uma volta por aí. Sem contar com os que foram comidos pelas feras, ou arrastados pelos ciclones. 

— E sempre tens sido tu o encarregado dessa... justiça? 

— Sim, eu e os meus homens... — disse Gilbert, gravemente. — Não sou avarento, mas não posso deixar-me roubar. 

— Há uma coisa em que não pensaste, irmão... Fazes ideia do que aconteceria se alguém... sem ter roubado oiro na tua mina... aparecesse enforcado por aí? 

— Que havia de acontecer? 

— Pensa bem, Gilbert... Imagina que alguém em Misoula, quer assassinar um inimigo... ou quer prejudicar-te... Penduraria o cadáver... e seria a ti que o xerife pediria explicações... 

— Que eu lhe daria, dizendo não ter nada com o caso... 

— Se ele estivesse disposto a acreditar-te... Mas não me pareceu que o xerife ou o ajudante fossem teus amigos. 

— Um par de sapos... 

— Mas representam a lei. Eles concordam com estes enforcamentos? 

— Não. 

— Era de esperar que não. Devem considerar que interferes nas funções deles, e embora nestes casos não possam censurar-te... devem estar à espera de te apanhar em falta... 

— Ai deles se o fizerem! Com a razão do meu lado; enfrentaria a lei! 

— Tu lá sabes... No teu caso, porém, mandaria enterrar esses enforcados e, de futuro, entregaria os ladrões ao xerife 

— Continuamos a divergir em muitas coisas, pelo que vejo. Ninguém teria interesse em prejudicar-me. 

— Por causa da tua generosidade? 

— Digamos que por isso, sim... 

— Pois estás enganado, Gilbert. A generosidade, tal como a praticas, só traz inimigos. Tu cospes na cara deles, embora cuspas oiro...E se juntares a isso a inveja que devem ter... verás que em Misoula são mais os inimigos que os amigos. Bebem à tua custa, aceitam o teu oiro..., mas se te virem caído lançam-se sobre ti... 

— Não lhes darei essa oportunidade. Mas dir-se-ia que o desejas, Dick... 

— Tolice! Desejo apenas pôr-te de sobreaviso. E a propósito...tem cuidado com o xerife. Odeia-te. 

— Tem medo de mim. É lento, e sabe que eu não hesitaria em meter-lhe no coração uma das minhas balas de oiro. 

— Pode ser assim..., mas ele representa a Lei e tenho a certeza de que só espera um motivo para te prejudicar. 

— Tenho os olhos bem abertos. Escuta, Dick... Estás a tornar as coisas difíceis. 

— Está bem, esquece o caso... 

Retomaram o caminho, em silêncio... 


***


O acesso à mina era feito por um caminho sinuoso que ia ter a uma pequena esplanada cercada, com arame farpado e vedações de madeira. Havia vários letreiros que indicavam ser aquele o único caminho de aproximação... para evitar que alguém se perdesse por outro lado onde a presença de um desconhecido seria considerada suspeita. 

Dentro da vedação viam-se vários barracões, oficinas - uma das quais era a de fundição - e um edifício de pedra onde viviam Gilbert e o sócio. A mina era uma fenda profunda, com vários ramais. Uns cinquenta homens trabalhavam ali, mas, além dos trabalhadores, havia outros homens, colocados em pontos estratégicos, bem armados e vigilantes. Eram os guardas, pistoleiros contratados por Gilbert e Stevens. 

Dick e Gilbert entraram na casa. Stevens estava lá. Era um homem de estatura meã, simpático e agradável. Nada tinha de pedante nem de exibicionista, mas, ao contrário do que Gilbert dissera, também não parecia ser um avarento. Cumprimentaram-se e ficaram a conversar, até que Dick voltou a falar da fadiga da viagem. 

— Se tivesses dado ouvidos a Gilbert, ainda agora estarias em Misoula, a beber uísque... — disse Stevens sorrindo. — É insaciável e indestrutível... 

— Bem lhe podes dar corda... — comentou Gilbert. — Desde que chegou não tem feito senão censurar-me. Agora, tens o teu apoio... 

Stevens sorriu. 


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