A noite estava calma. A Lua brilhava muito alta no céu e nuvens grossas cobriam-na de vez em quando, deixando a terra sumida numa escuridão impenetrável.
Um cavaleiro deteve-se à entrada da rua principal de Trindade. Bateu carinhosamente no pescoço do animal e reatou o caminho.
As ruas estavam solitárias e escuras. O cavaleiro avançou pelo centro de uma ruela sinuosa, até se deter nas proximidades do escritório do xerife Warren. Desmontou lentamente e com o lenço que levava ao pescoço cobriu o rosto. A única entrada do escritório era a porta principal. O mascarado aproximou-se dela e deu umas pancaditas, ao mesmo tempo que chamava com voz angustiada:
— Xerife! Por favor... estou a morrer...
Tardaram uns minutos em abrir a porta. Um dos ajudantes, um velho, apareceu com cara de sono, mas despertou por completo ao encontrar pela frente a boca negra de um «Colt 45», que lhe apontava para a cabeça.
— Eh?... Que...? Que faz...? — balbuciou o assustado auxiliar do xerife.
O assaltante empurrou-o para o interior e o homem, sem necessidade de que lho ordenassem, elevou os braços ao alto.
— Se fala, mato-o! — ameaçou o mascarado.
O velho engoliu em seco, com dificuldade, e assentiu com um movimento de cabeça.
— Volte-se!
O ajudante notou que o despojavam do revólver e a voz do desconhecido ordenou-lhe:
—Leve-me à cela de Bacher e dos seus companheiros. Vamos, pegue nas chaves!
Ernest Bacher ressonava placidamente, mas saltou do catre logo que ouviu chiar a fechadura.
— Saia, Bacher, e abra a porta aos seus amigos — ordenou o desconhecido.
O recém-chegado atou e amordaçou o ajudante do xerife, deixando-o no interior da cela de Bacher. Lá fora, Ernest Bacher e os seus dois companheiros acabavam de ajustar os cinturões com as armas.
— Escutem — disse o desconhecido. — Iam morrer dentro de uns dias. Salvo-lhes a vida, mas não voltem ao mesmo; é um pedido que lhes faço. Você virá comigo, Bacher, e vocês dois irão para outro lado. Ao fim da rua, vi dois cavalos atados a uma barra; talvez ainda lá estejam. Abandonem Colorado para sempre. Vamos, não podemos perder mais tempo!
Os dois homens, sem fazerem nenhuma pergunta indiscreta, obedeceram e, segundos mais tarde, perdiam-se no negrume da noite. Em seguida, Ernest Bacher e o seu salvador correram em direção aos cavalos e afastaram-se rapidamente de Trindade.
Durante um bom pedaço, galoparam em silêncio. Várias milhas mais adiante, quando os animais se encontravam quase esgotados, detiveram a marcha e ocultaram-se entre o arvoredo.
A lua iluminava agora toda a terra. Um raio de luz descobriu a Bacher as feições semiocultas do seu salvador. O bandido, não obstante, continuou em silêncio, esperando talvez que o outro iniciasse a conversa.
— Temos de nos separar, Bacher — afirmou o desconhecido.
— Diabo! Diga-me, ao menos, quem é você e porque é que fez isto.
— Sou um amigo que quis pagar-lhe um grande favor.
— Um favor? Não me recordo de ter feito um grande favor em toda a minha vida... Quer dizer, fiz de facto um a um amigo chamado Widmar, mas não é você.
— Tens má memória, Bacher. O favor que me fizeste a mim é o maior que um homem pode receber de outro.
— Não faço a menor ideia...
O desconhecido arrancou o lenço de um puxão.
—James Lawer! Mas... Rapaz, como te atreveste a fazer isto? — perguntou o bandido, no auge do assombro, enquanto o abraçava fortemente. — Que foi feito de vocês? E Widmar?
James repetiu a história que pouco antes contara em sua casa e terminou assim:
— Quando Widmar me sugeriu que devia vir pedir dinheiro ao meu pai, recordei que estavas preso aqui e por isso me decidi. Tinha uma divida de gratidão a pagar-te e quis saldá-la... nem que fosse roubando uma vítima à Justiça. Consegui-o e sinto-me muito satisfeito.
— Já não me deves nada, James. Pagaste-me na mesma moeda: salvando-me a vida das mãos de Warren, esse famigerado xerife de Trindade. O que menos poderia imaginar naquele dia, enquanto te extraía o chumbo do corpo, era que meses mais tarde me salvarias da forca. Mas, diz-me, rapaz, como soubeste que me tinham caçado?
— Vais ter uma desagradável surpresa quando souberes, Ernest. Há um tipo que nos odeia de morte, a Widmar e a mim. Certo dia, apresentou-se no «rancho» acompanhado desse Tab Hunter de quem te falei. Chama--se... Cameron Quinn, que tinha seguido os nossos passos — disse James, observando a reação do bandido.
— Maldito traidor! — exclamou Ernest Bacher, cerrando os dentes. — Diz-me onde está Cameron, James! Tenho de matar esse porco.
— Há uma semana que o deixei nos arredores de Amarillo, no Texas.
— Irei contigo e matarei esse porco, nem que seja a última coisa que faça na vida! Como nos enganou esse canalha! Widmar vai ficar contente por me ver, não achas?
— Sem dúvida. Terá uma agradável surpresa.
— Vamos, James. Estou desejoso de chegar.
— Espera, Ernest; primeiro, quero que me prometas uma coisa.
— Que é?
— Que deixarás o teu modo de vida. Podes ir a Amarillo e matar Cameron, se te apetece. Depois, poderás viver honradamente connosco. Se não quiseres...
— Não te preocupes. Vi a morte demasiado perto, vi-a chegar até mim feroz, terrível, implacável... Não esperava receber ajuda de ninguém, acredita. Podes estar çerto de que não voltarei a ser o que era, James. Matarei Cameron Quinn e depois perder-me-ei em qualquer parte... ou ficarei com vocês.
— Obrigado — murmurou James, dando-lhe uma palmadita nas costas. — Vamos, temos de prosseguir já. A fronteira não deve estar muito longe e depois podemos ir mais devagar.
Ao cabo de meia hora, Ernest, estendendo os braços para a frente, gritou:
— Novo México!
Dois sorrisos de satisfação gravaram-se nos rostos curtidos daqueles dois homens a quem o Destino, num dos seus imprevistos caprichos, tinha unido vários meses antes. E galoparam em silêncio, em busca da salvação.
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