sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

BUF129.05 A compra de metade de «O rancho dos enforcados»


Parados sobre um planalto, os dois cavaleiros observaram o extenso vale que se estendia à frente deles. 

O mais jovem de ambos, um rapaz alto e musculoso, examinou com os olhos semicerrados a enorme construção que, airosa, se erguia muito branca, a meia milha de distância, rodeada de prados verdes. 

— Bonito «rancho»! — exclamou o rapaz, dirigindo-se ao seu companheiro, o velho Widmar. 

— Só vi o teu uma vez, mas creio lembrar-me que era melhor que este, não é verdade? 

— Sim, mas isso não quer dizer que este não seja magnifico. Vamos até além? 

Widmar, depois de encolher os ombros, sorriu e disse: 

— Que remédio temos nós! Experimentemos de novo a sorte; mas, quero fazer-te uma recomendação: se se repetir o mesmo de sempre, tu deves aceitar e ficar. Prometes-me? 

— Não. Já conheces a minha resposta: ou ficamos os dois ou nenhum. 

— Achas que não saberia governar-me sozinho? 

— Hum! Evidentemente que sim, mas prefiro que continuemos juntos; poderias voltar às antigas andanças e... Além disso, agradeço-te que não falemos mais neste assunto, pois não penso dar-te ouvidos. Por outro lado, ainda dispomos de dinheiro para passarmos uma longa temporada sem cometermos qualquer roubo. Se o lugar nos convier e nos aceitarem, ficaremos; se não... continuaremos como até aqui. 

Lentamente, recreando-se no panorama que se oferecia à sua vista, os dois cavaleiros desceram do local que lhes havia servido de observatório e, a trote, tomaram o caminho do «rancho». 

As pastagens, que de longe pareciam fartas e cuidadas, estavam completamente abandonadas, sem que se visse nelas nem em toda a extensão de terreno que se estendia perante os dois homens uma única rês. 

— Creio que viemos parar a mau sítio, James. Ou me engano muito ou este «rancho» está abandonado — afirmou o velho. 

— De qualquer modo, vamos tentar. Talvez o tenham descuidado por falta de pessoal. 

— Se não há pessoal, é porque o dono não tem dinheiro e se assim é... 

Calaram-se ambos e dirigiram-se ao edifício. De repente, o cavalo que James montava arrebitou as orelhas, espantou-se e esteve a ponto de lançar o cavaleiro pela cabeça. Foi Widmar o primeiro a descobrir a causa da estranha atitude do animal. 

— Olha ali, James! — exclamou o velho, com o rosto transtornado, apontando com um braço estendido. 

James seguiu a direção indicada pelo seu companheiro. 

A menos de cinquenta metros da casa, suspenso de uma pernada de uma árvore enorme, havia um homem pendurado pelo pescoço, oscilando suavemente pelos impulsos da aragem. Tinha um papel preso às calças, que sobressaia sobre o tecido negro e que chamava a atenção. James dirigiu-se à árvore, olhando antes para a casa, admirado de que não tivessem retirado aquele desgraçado dali. Widmar estava junto dele. O rapaz, levantando-se nos estribos, leu o papel que dizia o seguinte: 

Isto acontece em Amarillo àqueles que ajudam a Lei. 

James, em voz alta, leu novamente o que estava escrito no papel. Depois, em silêncio, olhou para Widmar. 

— Estes devem ser piores do que nós, James — foi o comentário do velho. 

— Ajuda-me a retirá-lo de aqui — pediu o rapaz, sem fazer caso das palavras do seu amigo. 

Dispunham-se a cortar a corda quando ouviram vozes. Provinham do interior da casa e, ao ouvi-las, interromperam a humanitária tarefa a que se tinham proposto. Tratava-se de duas mulheres e um garoto que, a correr e a respirar arquejantes, se aproximavam deles. 

— Não o retirem dai. Deixem-no ficar onde está pelo amor de Deus! — gritava a mais jovem das mulheres, fitando-o com expressão suplicante. 

James e Widmar contemplaram as três personagens que, ainda ofegantes, permaneciam à frente deles. 

Uma das mulheres, de avançada idade, tinha o cabelo branco de neve, o rosto macerado pelo sofrimento e toda a sua figura irradiava bondade; naquele momento, contemplava os dois homens com olhar receoso. 

A outra mulher era muito nova, mas também tinha o rosto desfigurado por uma mágoa indizível; os olhos rodeados por círculos arroxeados, sem sobressaírem naquele rosto pálido, com sinais evidentes de não ter dormido durante muitas horas. Apesar de tudo, adivinhavam-se-lhe traços de uma magnífica beleza. 

No centro, entre as duas mulheres, um rapaz com temerosa curiosidade observava os forasteiros. 

— Por favor! — exclamou a mais velha das duas mulheres. — Não desçam esse homem de aí. 

— Pode dizer-nos porquê? — perguntou James, admirado perante o comportamento das duas mulheres e do garoto. 

— Se desprenderem o pobre Rocher, eles matarão o meu marido — afirmou a senhora, tristemente. 

— Quem são. eles? — perguntou James. 

— Tab Hunter e os seus amigos. São uma quadrilha de desalmados sem escrúpulos que trouxeram a ruína a esta casa. Mas, algum dia terão também o seu merecido castigo! 

— Não serei indiscreto se lhes perguntar o que lhes sucedeu? — inquiriu James. 

Este, ao desmontar, aproximou-se lentamente das duas mulheres. 

— Maldita a minha sorte, por ter nascido nesta malfadada terra! — gritou desesperada a rapariga, num imprevisto ataque nervoso. 

— Não digas isso, Agnes — recriminou a mãe desta. -- Que culpa tem a terra do que nos acontece? — Depois,» dirigindo-se aos dois homens, informou: — Eu sou a senhora Walsh. O meu marido chama-se Herbert e estes são os nossos filhos, Agnes e Ted. Vivemos aqui desde há muitos anos, sem incomodar ninguém e sem que ninguém nos incomodasse a nós. Começámos a progredir e isso trouxe-nos a ruína. Há um ano, aproximadamente, os nossos rebanhos eram numerosos e despertavam a cobiça dos ladrões. As reses desapareciam quase diariamente, até que certo dia tivemos conhecimento de que na noite próxima nos iam roubar. Não pudemos averiguar quem nos havia mandado o aviso, mas, no caso de ser verdade, o meu marido reuniu todos os criados do «rancho» e organizaram uma emboscada. Não havia sido engano e, depois de uma luta renhida, conseguiram apoderar-se de três ladrões. Um deles era Jim Hunter, chefe da quadrilha juntamente com seu irmão Tab, que conseguiu fugir. Como eles tinham matado vários dos nossos homens e como o ladrão se condena com a forca, os rapazes fizeram justiça por suas mãos e penduraram três deles naquela mesma noite, aqui nesta árvore. 

James abanou a cabeça, ao compreender que se tratava de uma vingança. 

— Que aconteceu depois? — perguntou Widmar. 

—A partir daquele dia, os roubos sucederam-se de uma forma alarmante, até ao ponto de nos deixarem como vê agora: sem uma única rês. Os vaqueiros que intervieram no linchamento foram caindo todos ou quase todos. Muitos apareceram pendurados nesta mesma árvore. Só restava o capataz, este pobre que aqui veem. Reconheço que Rocher se portou com os ladrões com excessiva dureza, mas também eles nos roubavam o gado e matavam os nossos rapazes. Enforcaram-no ontem de manhã e prometeram fazer o mesmo ao meu marido se se atrevesse a retirá-lo de aí. 

— Onde está o seu marido? 

— Em casa. Têm-no atemorizado de tal modo que não tem força nem coragem para sair.

— Ele interveio na morte de Hunter? 

— Limitou-se a assistir. Todos puxaram pelas cordas, exceto ele. Julgamos que está vivo apenas por isso. 

—Não pensam matá-lo? 

— Quem é que sabe as ideias deles? Para já, quase que conseguiram enlouquecê-lo. Pobre Herbert! E agora obrigam-no a vender este «rancho» por uma miséria — murmurou a mulher, a chorar amargamente. — É esta a nossa vida atual! 

— Imagine, senhor! -- disse Agnes. — Deram-nos três dias de prazo para que vendamos o «rancho» por mil dólares! Não é um verdadeiro roubo? —perguntou a rapariga, com encantadora ingenuidade. 

James Lawer olhou para Widmar antes de responder. 

— Que pensa fazer o seu pai, menina? 

— Vender — afirmou decididamente a senhora Walsh. — É preferível salvar a vida e deixar ir as terras. 

—Quantos homens tem Tab Hunter? 

—Vêm sempre seis. Dentro de pouco tempo, virão de novo ver se já decidimos alguma coisa. Amanhã, termina   o prazo dos três dias que nos concederam! — exclamou a mulher, desanimada. — Oh! Meu Deus! Mas... — Secando as lágrimas, a senhora Walsh olhou para James fixamente e disse: — Mas, creio que atrás de Hunter há alguém mais poderoso. 

— Mamã! — gritou Agnes. 

James compreendeu que ali havia algum mistério que não queriam revelar e perguntou: 

— Não há xerife em Amarillo? 

-- Sim, mas é um inútil que não faz nada. E, além disso, que poderia ele fazer contra essa gente? 

James lembrou-se de Warren e sorriu forçadamente. Depois, atreveu-se a perguntar: 

—Poderia falar com o seu marido, senhora? Vou propor-lhe um negócio. 

— Diga de que se trata. Ele fará o que nós acharmos bem. 

— Quanto valerá este «rancho»? — perguntou James, perante o assombro de Widmar. 

A senhora Walsh abriu os olhos e a boca, um tanto admirada; dirigiu a vista para os filhos e depois, engolindo em seco, disse, com dificuldade: 

— Pois— não sei, mas à volta de vinte e cinco mil dólares. 

— Vou propor-lhe um, negócio que não será muito bom, mas que, sem dúvida, é melhor do que aquilo que Hunter pretende. 

— Diga qual é a sua ideia — pediu a rapariga. 

— O meu amigo e eu damos-lhes por metade do «rancho» dois mil dólares e comprometemo-nos a defendê-lo de Hunter e dos seus sequazes. Que lhes parece? 

Widmar abriu os olhos ainda com mais assombro que a família Walsh e, depois de ouvir a proposta, disse: 

— Enlouqueceste, James? 

— Tens medo, velho? — perguntou por sua vez o rapaz, com ar trocista. 

— Bem sabes que não é isso; mas, essa importância... 

— Tem-na tu no bolso. Eu tenho ainda cerca de mil dólares que nos permitirão fazer face às primeiras despesas. 

— Está bem, faz o que quiseres, mas... Enfim, é lá contigo. 

— Que decide, senhora Walsh? — perguntou James. 

— Temos de falar ao meu marido, senhor... 

—James Lawer. Este é Widmar, meu amigo e sócio. 

— Vamos para casa — pediu a senhora. 

Herbert Walsh era um homem totalmente acabado ou, pelo menos naquele momento, era essa a impressão que dava. Teria apenas cerca de cinquenta anos, mas parecia um velho. Numerosas rugas sulcavam o seu rosto pálido. Escutou a proposta de James com ar ausente. Contudo, quando o rapaz terminou, olhou para a mulher e para os filhos e perguntou, sem se dirigir a ninguém: 

— Porque é que fazem isso? 

James era o único que podia responder, pois a ideia tinha partido dele. Por isso, disse: 

— Seria um bom negócio para todos. Pensam entregar o «rancho» em troca de mil dólares ou talvez até a troco de nada. Nós oferecemos-lhes dois mil, cinicamente por metade das terras. Ficará a ganhar porque continuará proprietário de metade do «rancho», e receberá o valor de metade de umas terras que valem várias vezes mais. Talvez possa pensar que nos aproveitamos da sua situação, mas não é assim, pois, afinal, estavam dispostos a perder tudo. 

Herbert Walsh olhou para a mulher e para a filha, antes de responder: 

— Bem. Vendo-lhes com uma condição: se isto chegasse a resolver-se e a tranquilidade voltasse ao vale, a casa seria da minha exclusiva propriedade. Agora, de momento, podem viver nela. 

— De acordo. Quando se normalizar a situação, construiremos um novo edifício. A única coisa que nos interessa agora é o terreno. 

— Redigiremos o documento agora mesmo. De momento, diremos metade; mais tarde, se estivermos vivos, delimitaremos as zonas de cada um. Vamos ao meu escritório. 

As duas mulheres estavam atónitas com a profunda transformação que se havia operado no «rancheiro» e bendisseram a chegada providencial daqueles forasteiros que os livravam do apurado transe em que se encontravam. 

O que nenhum deles imaginava era que com aquela venda acabavam de acender um rastilho que conduzia a um barril de pólvora. 

Naquela mesma manhã, James e Widmar passavam a ser coproprietários de um magnífico «rancho» situado em Amarillo, no Texas, sem conhecerem o terreno, nem os vizinhos, nem, o que era mais importante, os seus próprios inimigos. 

Widmar, coçando a cabeça, pensava que se tinham metido num mau negócio, num verdadeiro bico de obra, mas James, pelo contrário, estava convencido de que acabavam de fazer uma operação lucrativa. 


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