terça-feira, 11 de janeiro de 2022

BUF129.02 Salvo por uma quadrilha


Ernest Bacher era sem dúvida o bandido mais audaz que infestava com as suas façanhas o norte de Novo México. Os seus roubos e assaltos eram comentados em muitas milhas em redor. Todas as localidades daquela parte do território de Novo México conheciam as proezas do célebre bandido, muitas delas para infortúnio dos próprios habitantes. Por isso, em nenhuma daquelas povoações faltavam cartazes a oferecer tentadoras recompensas a quem facilitasse a sua captura ou o entregasse vivo ou morto. 

Bacher deitou uma olhadela ao ferido que os seus homens haviam encontrado momentos antes. 

— É grave? — perguntou o bandido. 

— Bastante. Tem uma bala nas costas e um golpe no ombro. Seria conveniente tratá-lo rapidamente. A ferida das costas fê-lo perder muito sangue — disse o velho Widmar, lugar-tenente da quadrilha, fitando os homens que o rodeavam. 

Decorreram uns segundos em silêncio, sem que nenhum se decidisse a intervir. Os olhares daqueles homens cruzavam-se, talvez convidando-se uns aos outros a efetuar a operação; porém, ninguém se moveu. 

— Eu já estou velho para fazer estas coisas, mas, enfim, se ninguém se resolve... — disse Widmar, deixando a frase por terminar. 

— Está bem. Eu trato disso — declarou o próprio Bacher. — Preparem-me o necessário. 

Meia-hora mais tarde, Ernest Bacher levantou a cabeça por um momento, limpando a testa com a manga. As gotas de suor que rolavam pelo rosto do bandido davam-lhe um aspeto estranho. Laboriosamente, o homem lutava por extrair o pedaço de chumbo que o ferido tinha alojado nas costas. O rasgão no ombro fora coisa extremamente fácil, mas, em compensação, aquele outro ferimento estava a dar-lhe imenso trabalho. 

Bacher, homem rude e sem coração, que em qualquer outra situação em que tivesse encontrado o ferido não teria hesitado em lhe alojar um projétil na cabeça, possuía agora a plena consciência de que aquela vida dependia das suas mãos e procurava extrair a bala com uma delicadeza imprópria nele.

Os membros do bando permaneciam em silêncio, observando os movimentos das mãos de Bacher. Quando este mostrou, por fim, o pedaço de chumbo ensanguentado, houve uma exclamação geral de satisfação. 

Widmar, voltando-se para os outros, disse-lhes: 

— É como se tivessem sido vocês a fazer a operação, hem? 

— Qualquer coisa para ligar este rapaz — pediu Bacher, dirigindo-se a todos. 

Mas, aqueles indivíduos, aos quais com um revólver na mão não faltava decisão para cometer os mais arriscados empreendimentos, começaram a dar voltas de um lado para o outro, procurando algum trapo que servisse para ligar o ferido. 

— Vamos! — gritou Bacher. — Killeny, traz a camisa nova que está no meu cavalo. 

— A que compraste ontem? — perguntou o bandido. — Mas... está nova! 

— Maldição! Já te disse que a tragas, animal! — bradou Bacher, colérico, ao ver os minutos a passar e o sangue a brotar como um caudal pela incisão nas costas do rapaz. 

Foi, por fim, o próprio Widmar quem chegou a correr com a flamante camisa do chefe na mão. Em poucos segundos, a peça de roupa ficou convertida em tiras, que cobriram as costas do ferido. Terminavam a operação quando alguém avisou que se aproximavam três cavaleiros. 

Bacher, transpirando, endireitou-se para fitar os que chegavam e observar as insígnias prateadas que brilhavam no peito de cada um daqueles homens. Franziu a testa e, em voz baixa, resmungou: 

— Que quererão esses tipos? 

— Talvez venham em perseguição do ferido — aventou Widmar. 

Bacher olhou para o seu lugar-tenente; contraiu o rosto e depois, indicando o ferido com um movimento de cabeça, afirmou: 

— Pois, de aqui não sairá. 

Os representantes da Lei detiveram-se a poucos metros do grupo de bandidos. Warren, que cavalgava no centro, ergueu a mão num gesto pacífico, saudando Bacher e os seus companheiros. 

— Que procuram aqui? — perguntou o bandido, incisivo. 

O xerife Warren apontou com o dedo para o corpo inconsciente do ferido e disse: 

— Vimos a perseguir esse rapaz. 

— Que é que ele fez? — inquiriu de novo Bacher. 

— Matou um homem, um velho. 

— Onde foi isso e por que motivo? — perguntou Widmar, intervindo na conversa. 

Warren olhou detidamente para o velho e chocou-o o modo de perguntar daqueles homens. Torceu um lábio, numa expressão característica de quando estava aborrecido, e respondeu: 

— Segundo o rapaz, o velho tinha feito batota, mas ninguém o viu. Foi em Trindade. 

— Trindade? Isso é no Colorado, não é verdade, xerife? — insinuou Bacher.

Warren assentiu, lentamente, compreendendo demasiado tarde a pergunta do velho Widmar. 

— Que demónio faz aqui, então? Podem dar meia-volta, amigos. Estamos em Novo México e a vossa jurisdição não chega aqui. 

— Este rapaz é um assassino e não merece a proteção da gente de bem — declarou o xerife. 

— Isso não conta para nós — disse o chefe da quadrilha. — Pensamos proteger este rapaz contra quem quer que seja, compreende? 

— Agindo desse modo, pôr-se-ão contra a Lei — insistiu Warren, ao ver que a presa se lhe escapava das mãos quando já julgava tê-la segura. 

—Ponham-se a andar! Perseguem um rapaz porque matou um batoteiro, talvez em luta leal, e, ao invés, não lhes repugna terem-no atingido pelas costas? Assassinos! — acusou Bacher. 

— Ë diferente — disse Warren, teimosamente. — Nós defendemos a Lei. 

— Vão-se embora! — gritou o bandido, puxando de um revólver com rapidez e apontando para a cabeça do xerife. — A sua jurisdição terminava na divisória. Aqui, deixou de ser um xerife, para se converter num particular intrometido a quem poderíamos matar impunemente. 

Que Warren era um homem animoso e tenaz demonstrou-o uma vez mais naquele momento, não se assustando perante a ameaça representada pelo revólver que lhe apontavam. Insistiu, dizendo: 

— Serão colocados cartazes a pedir a captura deste homem e dos seus amigos. 

— Já ouviu falar de Ernest Bacher? — perguntou o bandido, trocista. 

Warren assentiu, lentamente, percorrendo com um olhar perscrutador os rostos daqueles homens que tinha diante dele. 

— Bacher sou eu. Há de compreender que me importa pouco que espalhem novos cartazes desse género, quando por todo o lado vou encontrando avisos para me capturarem. Vamos, corra depressa para Trindade, a mandar imprimir mais! 

Warren e os seus ajudantes deram a volta, em silêncio, e afastaram-se do improvisado acampamento dos bandidos. Bacher, vendo-os afastar-se, resmungou: 

— Não sei como pude conter-me. Malditos sejam todos os xerifes da União! Devia tê-los matado. 

— Terias cometido um crime inútil, Ernest — disse Widmar. 

— Um crime? Ah! Melhor será que deixemos isto; o que interessa agora é salvar este pobre diabo. 

Os pequenos olhos de Widmar permaneceram quase fechados, a contemplar Ernest fixamente e a interrogar--se a si mesmo sobre o que teria acontecido ao chefe para se interessar daquele modo por um desconhecido. Não pôde resistir à tentação de o saber e perguntou: 

— Que bicho te mordeu? Nunca te tinha visto tão humanitário como hoje. Conheces este rapaz de algum sítio? 

— Não digas disparates. Nunca o vi mais gordo. Ë a primeira vez na minha vida que o vejo. Talvez o ajude porque é um perseguido da Lei, como tu e como eu. 

— Não, Ernest, não é isso e tu bem o sabes. Quando o fizeste, não sabias ainda quem era este homem. Tanto podia ser um agente do Governo como um perseguido da Justiça. Acontece que se trata da última hipótese e encontra-se numa situação em que todos os homens são iguais. 

— Está bem, meu velho. Talvez eu de facto esteja a tornar-me caridoso, mas deixa-me. Necessito de descansar um bocado. A operação do rapaz e a visita destroçaram-me os nervos. Encarrega-te de que preparem uma padiola para transferir o ferido para as cabanas. 

— Não te preocupes. Não sei porquê, mas eu também me sinto interessado por este rapaz. Talvez seja compaixão... a mesma coisa que te deve acontecer a ti — disse Widmar, trocista, afastando-se lentamente para cumprir a ordem do chefe. 

Bacher encolheu os ombros e foi encostar-se ao tronco de uma árvore enorme. Antes de adormecer, recordou os seus primeiros passos, quando fora tratado numas circunstâncias muito parecidas às atuais. 

O ferido continuava inconsciente. Widmar olhou para ele e agitou a cabeça num gesto de pena. Achou-o bastante mal e teve a certeza de que não resistiria a uma mudança como a que tinham de fazer. De qualquer modo, mandou que fizessem a padiola e ficou junto do rapaz. Começava a anoitecer quando tudo ficou disposto para iniciar a marcha. Algumas estrelas tremeluziam no firmamento quando Bacher se aproximou dos homens que rodeavam o ferido. 

— Como está ele? — perguntou, abrindo caminho até à primeira fila. 

— Mal — respondeu Widmar. — Receio que morra no caminho. 

— Temos feito o possível para lhe salvar a vida. Se morrer, não será, por nossa culpa, mas sim deles... dos da Lei. 

— Quando quiseres pudemos partir, Ernest. Está tudo preparado — afirmou Widmar. 

— Mudei de ideias, velho. Cameron e tu levá-lo-ão para o refúgio. Se piorar muito, Cameron irá a Taos buscar o médico; já sabem como estas coisas são feitas para que não descubram o acampamento. 

—E vocês que fazem? 

— Sempre a mesma mania das perguntas. Não sei ainda. Pensá-lo-ei durante o trajeto. 

— A mim não me enganas, Ernest — insistiu o velho Widmar. — Aonde pensas dirigir-te? 

Bacher olhou para os amigos com expressão travessa e trocista. 

— Iremos a Trindade — esclareceu depois, a sorrir. 

— Deves estar louco, rapaz. Como é que te ocorreu atravessar a divisória dos Estados? 

— Algum dia tinha de ser o primeiro, não te parece? Anda, prepara-te para a partida. Nós faremos uma agradável surpresa a esse xerife tão duro que têm em Trindade. Provavelmente, não espera a nossa visita tão depressa. 

— Pensas... matá-lo? 

— Hum! Se se atravessar novamente no meu caminho, não terei outro remédio. 

— Tem cuidado, Ernest. Parece um tipo decidido e enérgico. 

— É precisamente por isso que vou a Trindade. Esse homem é um bom inimigo para mim e penso rir-me dele... ou matá-lo. 

— Procura fazer a primeira coisa, Ernest. Gostaria de ir contigo, porque me parece que estás mais necessitado de ajuda que este rapaz — disse Widmar, a sorrir. 

— Não te preocupes, velho carunchoso. Se o rapaz morrer no caminho, continuem para o acampamento. 

— De acordo. 

Momentos depois, a quadrilha dividia-se em dois grupos. Widmar, Cameron e o ferido seguiam em direção ao acampamento que os foragidos tinham nas montanhas do Novo México. Bacher e o resto do bando tomaram o caminho de Trindade. 

/// 

Widmar aproximou-se do ferido. Estavam no interior de uma cabana desmantelada. O homem que permanecia estendido na esteira mantinha os olhos abertos. O velho pistoleiro sorriu-lhe amavelmente. 

— Até que enfim que abres os olhos, rapaz. Não, não fales ainda — interrompeu o velho. — Estás tão fraco que ficarias logo cansado. Espera que te traga um pouco de caldo e depois dorme. Temos tempo de falar quando estiveres em condições de o poder fazer. 

Passados alguns minutos, James Lawer ingeria um espesso caldo que Widmar lhe serviu. Entretanto, este relatava-lhe tudo o que acontecera desde que o tinham encontrado nas proximidades da fronteira do Colorado. Pouco depois, adormecia de novo. No dia seguinte, acordou cedo, ainda muito fraco, mas esfomeado. 

— Como te sentes hoje? — inquiriu o velho. 

— Estou melhor, mas com uma fome canina — respondeu James, esboçando um sorriso. 

— Hum! Isso cura-se primeiro do que a ferida das costas. 

Uma vez terminada a refeição, o velho Widmar perguntou: 

— Como te chamas, rapaz? 

— James Lawer — informou, sem se preocupar em ocultar a sua verdadeira personalidade. 

— És, por acaso, parente de Jenning Lavver? 

— Sim, sou seu filho — murmurou o rapaz, olhando alternadamente para Widmar e Cameron. 

— Filho de Lawer! — exclamou Cameron, assobiando, sem poder conter o seu espanto. 

Um olhar do velho Widmar obrigou Cameron a guardar silêncio. 

— Porque não estás em tua casa? — inquiriu o velho pistoleiro. 

— Matei um homem numa zaragata e... e tive de sair de casa, não pensando voltar lá mais. 

Os três homens mantiveram-se calados por uns instantes. James tinha os olhos fechados, mas foi ele quem interrompeu o silêncio, ao perguntar: 

— Onde estão os outros? 

— Sei lá! Bacher nunca diz aonde vai. Por um lado, faz bem, porque é a única forma de não ser atraiçoado. 

— A minha ferida é muito grave? 

— Sim; terás de estar uma boa temporada estendido. Talvez um mês ou mais. Depois, precisarás de uns dias de convalescença. E ainda bem que o podes contar. Se não tivéssemos passado por ali, meia hora depois terias ficado sem pinga de sangue, ou serias apanhado pelos homens da Lei. Não sei o que teria sido pior para ti. Bem, vamos deixar-te, pois necessitas de descansar. Amanhã, continuaremos a conversa — disse o velho. 

James não respondeu e os outros dois homens abandonaram a dependência. O rapaz, ao ficar sozinho, pensou que o Destino parecia brincar com ele. Vira-se obrigado a matar um homem e a ferir outro e agora encontrava-se ligado a uma das piores quadrilhas de assassinos que atuavam no Novo México. Realmente, o seu futuro não era muito prometedor. 

/// 

Três dias depois, regressaram ao acampamento os restantes membros da quadrilha. Widmar, logo que os viu aparecer pela encosta da montanha, supôs que as coisas não tinham corrido bem. Efetivamente vinham dois homens feridos. Um deles, o próprio Bacher, com uma ligeira ferida num ombro; o outro era Silver Quinn, irmão de Cameron. Widmar aproximou-se deles e perguntou: 

— Que aconteceu, Ernest? 

— Malditos, sejam todos os Lawer! — resmungou o recém-chegado. 

— Que diabo dizes tu? Foram acaso eles que os puseram nesse estado? 

— Sim. Assaltámos o Banco de Trindade e fugimos sem que ninguém nos perseguisse. Ao passarmos pelo «rancho» dos Lawer, entrámos para os visitar e o resultado foi este. Por isso... Tenho de lhe deitar fogo a tudo! Maldito «rancheiro»! 

— Não devias tê-lo feito, Ernest. Já conheces esse homem. Nem sequer as autoridades se atrevem a entrar lá. E um verdadeiro cão de fila, que não permite que alguém intervenha nas suas terras; ali manda ele e ninguém mais. 

— Então, nós somos autoridades? — perguntou Bacher de mau humor. 

— A equipa de Lawer é a mais poderosa dos arredores e tu devias sabê-lo. 

— Juro-te que quando curar esta ferida, passarei a conta a Jenning Lawer e cobrá-la-ei no seu próprio sangue ou no de alguns dos seus, ainda que tenha de arranjar mais meia centena de homens. 

— Creio que deves esquecê-lo, Ernest. 

— Esquecê-lo? Tu enlouqueceste? Desde quando é que eu esqueci uma ofensa? Lawer terá de pagar cada gota do sangue que perdi e não com dinheiro. 

— O teu ferimento é de gravidade? 

— Não; dentro de uma semana estarei bom. Mas, Silver está mal e receio que não se saia bem desta vez. Ficarei muito surpreendido se ele não morrer. E o rapaz como está? 

—Bastante melhor. A sua constituição é forte e recompor-se-á a pouco e pouco. 

— Vou vê-lo. 

— Porque não descansas antes? Irás depois, homem! 

— Não, vou já, meu velho. 

Bacher dirigiu-se a uma das cabanas seguido por Widmar. O rapaz fitou o bandido com estranha firmeza lio olhar. 

— Como te sentes, jovem? — perguntou o chefe da quadrilha, com voz dura. 

— Bastante melhor. 

— É Bacher — informou o velho pistoleiro. 

James estendeu o braço com dificuldade; tentando apertar a mão do bandido. 

— Desculpa que não corresponda ao teu cumprimento, rapaz, mas tenho uma ferida no ombro que me impede de o fazer. Fica para outro dia. 

— Obrigado por tudo, Bacher — disse James. — Ficar-lhe-ei agradecido enquanto viver e a partir deste momento pode contar comigo para o que necessitar. 

— Não esquecerei a tua oferta. Talvez precise de ti dentro em pouco para vingar este ferimento do meu ombro — resmungou o bandido. 

Bacher deu meia-volta e afastou-se da cabana seguido pelo seu lugar-tenente, o velho Widmar. 



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