quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

BUF129.11 De novo no seio da família


— Tudo nos corre mal! — exclamou Herbert Walsh, deixando-se cair pesadamente no assento. — Voltamos a estar como no princípio ou pior ainda: tudo destruído e, o que é pior, por ser irremediável, sem o pobre Mike. E, para cúmulo do azar, Walter, o banqueiro, nega-se a fazer-nos o empréstimo. Ao que parece, Hunter ameaçou-o de morte se o fizesse. Como poderemos comprar reses e fazer criação de gado com todas estas condições adversas? 

— Por muitos esforços que façamos, não conseguiremos nada até encontrar e aniquilar o cabecilha de tudo isto — afirmou Widmar, em tom sereno. 

— O cabecilha? Que quer dizer com isso? — perguntou Herbert Walsh, olhando fixamente para Widmar e desviando logo a vista para a sua filha Agnes. 

— Hunter disse qualquer coisa do seu chefe, quer dizer, deu a entender que obedecia a ordens de alguém que se encontra na sombra, à espera de dar o golpe definitivo. Enquanto não averiguarmos a identidade dessa pessoa, todas as nossas tentativas serão frustradas... mesmo que Tab Hunter seja morto. 

Todos os presentes guardaram silêncio. James ia a dizer qualquer coisa, mas, à última hora, arrependeu-se e permaneceu calado. 

Widmar, abandonando a cadeira, deu uns passos para a janela. Durante uns segundos, permaneceu imóvel, mas depois, voltando-se lentamente, disse: 

— De qualquer forma, precisamos de dinheiro. 

— Claro! Isso já nós sabemos. Mas, quem é que no-lo emprestará? — perguntou Walsh, abrindo os braços com impotência. 

— Conheço alguém que poderia tirar-nos desta situação desesperada. 

Todos os olhares convergiram no velho pistoleiro, interrogantes, ansiosos... Apenas Eric Grant, que parecia encontrar-se ausente de ali, permaneceu com o olhar perdido num ponto invisível no infinito. 

— Quem é? — perguntou Agnes. 

— Jenning Lawer — disse Widmar, tranquilamente, como se não desse importância às suas palavras, mas cravando um olhar sincero no rapaz. 

James deu um salto no seu lugar, como se o tivessem espetado com um aguilhão. Avançou vários passos e gritou: 

— Enlouqueceu, Widmar? 

— Não, James. Estou no meu juízo perfeito e repito que unicamente o teu pai poderia arrancar-nos deste atoleiro — insistiu o velho, sem constrangimento. 

— Nunca! Fiz o propósito de jamais voltar a casa e cumpri-lo-ei — afirmou James, energicamente. 

— Não queria falar-te da forma como vou fazê-lo, James, mas és tu quem me obriga a isso — disse Widmar. — Quando deixámos Ernest Bacher, a minha intenção era, tu bem o sabes, trabalhar em qualquer «rancho» perdido, honradamente e sem preocupações, esquecido de todos. Viemos aqui parar e, porque te deu na cabeça, talvez para ajudar esta família, o que não vem ao caso, investimos o nosso dinheiro no «rancho» ... A mim não me importa ter ficado sem os dólares, repara bem, mas sim e muito a tranquilidade que esperava encontrar juntamente contigo, longe de Ernest, embora não a veja em parte alguma. Pelo contrário, estamos agora mais expostos que antes e tu sabe-lo tão bem como eu. Não creias que me assusta o panorama; choca-me simplesmente que tu, com o teu maldito orgulho, não queiras recorrer à família e pedir-lhes parte do que lhes sobra. Compreende, James, não é necessário que fales com o teu pai; podes tratar com a tua mãe ou os teus irmãos. Para eles, três ou quatro mil dólares não devem representar grande coisa; para nós, pelo contrário... Imaginas o que faríamos com uma quantia dessas? 

James, vencido, deu meia-volta e sentou-se novamente. A voz do velho Widmar chegou aos seus ouvidos com insistência demolidora: 

— Há vários meses que abandonaste a tua casa, James. É impossível que não sintas desejo de ver os teus, tendo sempre vivido com eles. A tua família sucederá o mesmo, não te reste a dúvida. Asseguraste-me em certa ocasião que te tinham proibido de voltar a casa durante um ano. Achas que por faltarem dois meses para esse prazo findar serás mal recebido? Não sejas criança, James. Se fores, conseguirás o que pretendes, uma oportunidade que não devemos desperdiçar. 

— Cala-te, por favor, Widmar! — exclamou James, abandonando a sala. 

Agnes foi atrás dele. James sentara-se num dos degraus do alpendre e a rapariga acomodou-se junto dele. 

— Não se apoquente, James — disse Agnes, pousando--lhe a mão no ombro. 

— Compreendo que a proposta de Widmar é boa e nos tiraria de apuros, mas se você não quiser ir ninguém o obrigará. 

— Preferia que fosse o contrário, que alguém me forçasse, de revólver em punho, a seguir esse caminho e a lutar. Mas, pedido daquela forma e precisamente por Widmar... não apenas porque lhe devo a vida, mas por o ter metido neste sarilho, quando o que ele desejava era o sossego, um sossego que sempre lhe foi negado e que estava agora prestes a alcançar... Acredite-me, Agnes, isto para mim é um verdadeiro problema. 

— O «rancho» dos seus pais fica muito longe? 

— Sim, bastante. Cavalgando sem descanso, tardaria mais de uma semana em chegar. 

— Demasiado longe -- murmurou a jovem. 

— Com um bom cavalo, talvez demorasse menos. E em minha casa ajudar-me-iam, tenho a certeza — declarou James, convencido. 

— Então, que decide? 

— Vou pensar esta noite — disse James, contemplando profundamente a mulher que tinha ao seu lado. 

Afastou o olhar, ao sentir que alguém se acercava, Tratava-se de Eric, que maquinalmente se encaminhava para a cavalariça. 

— Aonde vai, Eric? — perguntou James, endireitando -se de um salto e correndo para o ruivo. 

— A procura de Tab Hunter. Não posso permitir que continue a viver. 

— Espere! Não pode partir agora, quando mais necessitamos de si, Eric. Amanhã, empreenderei uma viagem que durará vários dias. É preciso que você se conserve aqui em casa. Só posso confiar em si para a defender, Eric. De resto, Tab, ferido como está, não se arriscaria a enfrentá-lo agora. Mais ainda, deve estar escondido como um rato, receoso da nossa vingança. Compreenda, Eric, deve continuar aqui, nem que seja só por alguns dias. 

O corpulento vaqueiro cravou o olhar em James e deteve-se. 

— Aqui, também se lhe pode apresentar a oportunidade de matar Hunter — insistiu James. — Enquanto não obtiver a sua promessa de que permanecerá no «rancho» durante a minha ausência, não partirei. 

Decorreram alguns minutos de silêncio, durante os quais Eric pareceu estudar os argumentos do rapaz. Por fim, assentiu, com lentidão. 

— Sempre fica, então? — indagou James. 

— Sim, pode ir tranquilo. Mas, não respondo pelo que possa suceder se Hunter se atreve a aparecer aqui — assegurou Eric. 

— Obrigado, Eric. Assim, já posso ir descansado. 

Eric Grant, arrastando os pés, penetrou de novo em casa. 

/// 

James Lawer teve uma estranha sensação ao atravessar a fronteira do Estado de Colorado. O sol estava no seu ocaso, pelo que James calculou que, sem grande pressa, alcançaria o seu «rancho» pouco depois do anoitecer. Era a hora que mais lhe interessava para não ser reconhecido pelos vaqueiros da fazenda. A uma centena de metros da casa, deteve-se. Dois cavaleiros armados de espingardas saíram-lhe ao encontro. O membro mais novo da família Lawer ocultou o rosto para evitar ser reconhecido. 

— Que é que procura por aqui a estas horas, amigo? — perguntou um dos guardas. 

— Tenho de falar urgentemente com Donald Lawer — disse, tentando disfarçar a voz. 

— Quem é você? — perguntou um dos homens. 

— Herbert Walsh — afirmou James, dizendo o primeiro nome que lhe ocorreu à imaginação. — Peço-lhe que o avisem urgentemente. Trata-se de um assunto de muita importância. 

— Siga-nos. 

Na obscuridade da noite, James descobriu no alpendre da casa duas sombras que falavam em voz alta dos pastos e do gado e que se calaram ao sentirem que alguém avançava para eles. A voz rouca e potente de Jenning Lawer surgiu, inesperada, produzindo em James um ligeiro tremor: 

— Que aconteceu, Heflin? 

— Senhor Lawer, está aqui um homem que deseja falar com o seu filho Donald. Garante que se trata de um assunto muito urgente. 

— Como se chama? 

— Herbert Walsh — respondeu o vaqueiro. — Bem, ele que se aproxime. Vocês os dois podem continuar a ronda. 

James fez avançar o cavalo lentamente, corno se temesse enfrentar-se com os membros da sua família. Enquanto o fazia, ouviu o pai perguntar: 

— Conheces este homem, Donald?

— Pelo nome, não; talvez quando o veja... 

James deteve-se em frente dos dois «rancheiros», sem levantar a aba do chapéu para não descobrir a sua identidade. A sua voz estava modificada, ao perguntar: 

— Donald Lawer? 

— Sou eu. Que é que deseja? 

— Poderíamos falar a sós por um momento? 

Donald olhou para o pai e foi este precisamente quem ordenou: 

— Desmonte e entre. 

James viu-se obrigado a seguir os dois homens. Ao atravessar o umbral da porta, respirou profundamente. Na sala de jantar, encontravam-se a senhora Lawer e Hazel, que ergueram a cabeça, ao ouvirem passos no corredor. James Lawer permaneceu uns segundos à porta da sala. 

— Se não é muito o que tem a dizer, pode falar aqui mesmo — convidou o velho. 

James, retirando o chapéu que lhe cobria a cabeça e o rosto, permaneceu imóvel no centro da sala. Foi uma exclamação unânime de espanto que brotou dos lábios de toda a família, ao reconhecê-lo: 

— James! 

Jenning Lawer, que se encontrava mais perto do filho, foi o primeiro a abraçá-lo. 

— James, meu filho! 

Durante os primeiros minutos, o rapaz viu-se materialmente impossibilitado de pronunciar uma só palavra. A senhora Lawer chorou longo tempo abraçada a ele, enquanto Hazel o acariciava, sorrindo-lhe com os olhos muito brilhantes. Por fim, o próprio Jenning Lawer perguntou: 

— Que foi feito de ti durante estes meses, James? Tens muito bom aspeto. 

O rapaz relatou o que acontecera desde a sua partida, o encontro com os homens de Warren, a ajuda que lhe fora prestada por Bacher e Widmar, o assalto ao Banco de Las Animas, a sua partida para o Texas... 

— Ficarás connosco, James? — perguntou Donald, olhando, contudo, para o pai, como que à espera de aprovação à sua pergunta. — Tivemos muitas saudades tuas, sabes? 

— Não posso. Tenho de partir rapidamente. Quando chegarmos ao Texas... 

James contou como se tinha tornado proprietário de um magnífico «rancho», sem lhes ocultar as dificuldades económicas que atravessavam, por causa de Tab Hunter e da falta de dinheiro. 

— E vieste cá por causa do dinheiro, não é assim? — perguntou o velho Lawer. 

— Necessitávamos de comprar reses. O banqueiro foi ameaçado por Hunter e encontramo-nos de mãos atadas. Pensei que Donald ou Hazel talvez pudessem emprestar-me algum dinheiro que eu, mais adiante, devolveria. 

— E não pensaste pedi-lo ao teu pai, não é verdade? — perguntou Jenning Lawer, com certa amargura. 

— Tu disseste-me que não voltasse senão passado um ano e ainda não decorreu esse tempo. 

— Sim, tens razão. Disse-te isso, mas tu não quiseste compreender-me então, James — disse Jenning Lawer, dando-lhe uma amistosa palmada nas costas. — Se tens boa memória, recordarás que não te pus fora de casa; aconselhei-te, talvez com alguma dureza, que devias desaparecer de aqui por algum tempo... Mas... tinha uns desejos de te ver! 

James ficou silencioso. Realmente, o velho Widmar não se enganara ao augurar-lhe um bom acolhimento. 

— Poderíamos deixar tudo isto para amanhã, não lhes parece? — perguntou a senhora Lawer, tentando pôr fim àquela situação. — Amanhã ou depois, teremos tempo para tratar este assunto, quando estivermos todos mais tranquilos e... 

— Penso partir esta mesma noite. Warren não se deve ter esquecido de mim e, se chega a suspeitar que me encontro aqui... temos novo sarilho. 

— James tem razão — declarou Donald. — Warren, aquando da captura de Bacher, disse que daria vários anos de vida para ter James entre as suas mãos e aplicar-lhe a Lei com todo o seu rigor. 

— O grande tratante! — exclamou Jenning Lawer. — É tudo por ser da família Lawer. 

— Que foi feito de Bacher? — perguntou James. 

— Julgaram-no e foi condenado à forca. Dentro de uma semana, será executado — informou Donald. 

— Tinha de terminar assim. Lamento-o porque é graças a ele que estou vivo, mas não deixo de reconhecer que merecia este fim. De todos os modos, Donald, agradecia-te que procurasses fazê-lo passar estes dias o melhor possível, nem que seja para o ajudar a morrer melhor. 

— Donald não fará nada por esse assassino, James — afirmou Jenning Lawer. — Sinto-o por ti, mas não pode ser. 

James encolheu os ombros, sorrindo displicente. 

— Bom, na verdade, não tem nenhuma obrigação — Concordou. 

Permaneceram todos em silêncio, olhando-se entre si. Ao cabo de uns minutos, o velho «rancheiro» abandonou o aposento. 

— Se pudesse fazer alguma coisa por Bacher, fá-lo-ia, James — declarou Donald. 

— Podes tentá-lo sem que ele saiba de quem se trata. Assim, ninguém terá conhecimento, nem sequer o nosso pai. 

— Confia em mim, pequeno — respondeu Donald, sorrindo. 

Pouco depois, o «rancheiro» regressou. 

— De quanto dinheiro precisas, James? — perguntou. 

— Ao banqueiro, pedimos um empréstimo de cinco mil dólares — foi a resposta. 

— Toma. Neste sobrescrito, estão oito mil dólares. É tudo o que tenho em casa. Não precisas de nos devolver nada, sabes? É um presente que te dou por teres sabido reagir a tempo, orientando a tua vida pelo bom caminho, do qual nunca devias ter-te afastado... — O velho «rancheiro» encolheu os ombros. — Agora, é conveniente ires-te embora, filho. Não te mando que saias, mas compreendo que é preferível partires antes que Warren te impeça. Onde fica o «rancho»? Em que parte do Texas? 

— Em Amarillo. Toda a gente o conhece pelo «rancho» de Walsh ou «Rancho dos Enforcados». 

— Bonito nome! — exclamou ironicamente o «rancheiro». — Um dia, aparecemos por lá. 

— Deveras? — perguntou James, com os olhos reluzentes de satisfação. 

— Sim, mas só de aqui a algum tempo. Escreve-nos a dizer como vão as coisas e... não te importes de pedir mais dinheiro, se te fizer falta. Prometes? 

— Prometo -- afirmou James, quebrado o gelo anterior. 

Duas horas antes do amanhecer, James Lawer abandonava novamente o «rancho». Realmente, tinha valido a pena fazer aquela viagem. 



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