Silver Quinn permanecia inconsciente sobre a dura esteira. O seu irmão Cameron encontrava-se junto dele, em silêncio. A porta da cabana abriu-se, dando passagem a outros dois componentes do bando. Cameron, dirigindo-se a eles, perguntou-lhes:
— Como feriram Silver?
— Foi no regresso de Trindade. Para encurtar terreno, atravessámos pelo «rancho» de um tal Jenning Lawer. Bacher não quis desaproveitar a oportunidade e decidiu que fizéssemos uma visita ao «rancheiro». Os malvados vaqueiros receberam-nos com fogo e chumbo... Parecia que estavam à nossa espera. Antes de que pudéssemos reagir, o teu irmão e Bacher ficaram feridos. Tivemos de fugir como coiotes, perseguidos por uma chusma de vaqueiros que não nos deram trégua durante milhas; creio que foi por isso que o teu irmão piorou. A ferida, a princípio, não era grave, mas passaram-se muitas horas sem que o pudéssemos tratar. E, se os vaqueiros não se tivessem cansado, a estas horas não estaria aqui nenhum de nós.
— Os Lawer! — resmungou Cameron entre dentes. — Malditos sejam os Lawer! Hão de lembrar-se de mim! — exclamou, dirigindo-se à porta. Antes de sair, voltou--se para o companheiro e disse-lhe: — Não deixes o meu irmão sozinho, Peter. Eu não me demoro.
Cameron estava furioso e parecia disposto a cometer uma barbaridade. A sua primeira intenção foi a de se dirigir diretamente à cabana que James Lawer ocupava, mas depois, mudando de ideias, encaminhou-se para a de Bacher. Widmar, que rondava pelas imediações, ao vê-lo sair, interpôs-se-lhe no caminho e perguntou-lhe:
— Aonde vais, Cameron?
— Tenho de falar com o chefe — respondeu o bandido, com nervosismo.
— O chefe está a dormir. A ferida do ombro fê-lo perder muito sangue e não pode ser incomodado. Diz-me o que queres e eu comunicar-lhe-ei depois.
— Sabes quem feriu o meu irmão e Bacher? — perguntou Cameron, com voz alterada.
Widmar assentiu lentamente sem afastar a vista do homem que tinha à sua frente.
— Que queres dizer com isso, Cameron?
— Será que ainda não percebeste, velho idiota? Não te recordas já do nome do rapaz ferido? — perguntou Cameron, elevando o tom de voz.
— Recordo-me perfeitamente, pois, como sabes, a minha memória não costuma falhar muitas vezes.
— Então...
— Ouve o meu conselho, Cameron. Se te ocorrer dizer a alguém o nome desse rapaz, parto-te a cabeça. Percebeste? Bacher, de momento, não deve saber nada. Está demasiado furibundo e... não deves dizer-lho. Amanhã ou depois, serei eu precisamente quem o há de fazer.
— Tenciono falar-lhe agora mesmo, velho Widmar — afirmou Cameron, despeitado. — O meu irmão está muito mal e se morre é por culpa dos parentes desse rapaz.
Widmar, estendendo o braço, agarrou o companheiro pelo peito da camisa e, sacudindo-o, gritou-lhe:
— Pela última vez, Cameron, se o fizeres parto-te a cara!
De um violento puxão, o jovem bandido soltou-se das mãos do velho Widmar. Depois, fitou-o com o olhar carregado de ódio e ameaçou:
— Tem cuidado com o que dizes, velho. És um inútil e não serves para nada, mas se tens interesse em lutar comigo, fá-lo-emos. E juro-te que não terei por ti a mínima compaixão. Estou cansado, como os outros, das tuas idiotices e conselhos. Falarei com o chefe e contar-lhe-ei tudo.
—És um cobarde, Cameron! Sempre foste um repugnante assassino e agora estás a demonstrá-lo de novo. És tão burro que não compreendes que esse rapaz não teve culpa de nada. Não o ouviste dizer que o tinham expulsado de sua casa?
— Estás a atraiçoar os teus companheiros por um desconhecido! Traidor!
Cameron cuspiu para junto dos pés de Widmar com desprezo e dando meia-volta regressou à cabana onde havia ficado o seu irmão ferido, desistindo de momento de ir falar com o chefe, mas disposto a fazê-lo mais tarde.
Widmar respirou com certa tranquilidade e depois afastou-se para contar o sucedido a James.
///
Bacher não abandonou a sua cabana senão no dia seguinte. Completamente só, dispôs-se a dar um passeio pelos arredores. Cameron Quinn, parado à porta da sua cabana, parecia estar a esperá-lo porque, ao vê-lo aparecer, saiu atrás dele, dirigindo, contudo, furtivos olhares para trás, receoso de que Widmar pudesse interpor-se novamente no seu caminho.
Widmar, através da janela da cabana que Lawer ocupava, observou todos os movimentos de Cameron e viu os dois homens a conversar animadamente. Apesar da distância, Widmar não distinguiu qualquer alteração no rosto de Bacher; Cameron Quinn, pelo contrário, à medida que avançava na narração, parecia cada vez mais excitado.
Pelos vistos, Ernest Bacher não tinha ficado satisfeito com as palavras de Cameron. Bacher continuou o passeio logo que o companheiro se afastou. Ao regressar à cabana, mandou chamar o velho Widmar. Este acorreu logo, disposto a falar-lhe com a mesma sinceridade de sempre.
— Olá — saudou Bacher, com ar sério.
— Mandaste-me chamar?
— Sim; quero falar contigo, velho. Há sete anos que estamos juntos e tanto tu como eu temos confiado cegamente um no outro, não é assim?
— Sei aonde queres chegar, Ernest, e custa-me bastante que tenhas pensado mal. Referes-te ao veneno que Cameron verteu nos teus ouvidos ainda não há meia hora. Da janela da cabana, vi como falavam.
— De facto, não te enganaste. Porque não me disseste o nome desse rapaz?
— Não o achei conveniente. Além disso, podias tê-lo sabido perguntando-o a ele mesmo.
— Suponho que existirá alguma razão poderosa que te tenha induzido a comportares-te assim, não é verdade? — inquiriu Bacher, esboçando um sorriso.
— Sim. A minha intenção é unicamente que deixemos o pobre rapaz tranquilo. As suas feridas são graves e não é conveniente fazê-lo passar maus bocados que poderiam resultar fatais para a sua saúde. Além disso, que culpa tem ele do que se passou?
Bacher tamborilou com os dedos sobre o tampo da mesa. Depois, olhando para o amigo, disse-lhe:
— Como queiras. De momento, procuraremos que o rapaz se cure; depois... depois, veremos.
— Que queres tu dizer com esse «depois», Ernest?
— Ainda não o decidi.
— Não tenho interesse em que aconteça qualquer mal a esse rapaz. Tu tão-pouco devias tê-lo visto que lhe salvaste a vida. Seria absurdo que quisesses agora tirar--lha.
— Talvez tenhas razão, mas... deixemos que se restabeleça.
Widmar abandonou a cabana de Bacher e dirigiu-se à de Lawer.
///
James Lawer, ao ter conhecimento por Widmar da situação criada à sua volta devido à conversa mantida entre Cameron Quinn e Bacher, começou a perder confiança naqueles homens que lhe tinham salvado a vida, excetuando o velho Widmar, que continuamente lhe dava mostras de sincera amizade.
As feridas de James foram-se curando pouco a pouco, com uma lentidão pesada e insuportável para o jovem, acostumado à vida ativa. Mas, a sua constituição robusta acabou por se impor, muito embora, depois daqueles dias de repouso quase absoluto se tivesse convertido num ser débil e pálido que necessitaria sem dúvida de muitos dias de convalescença para adquirir a fortaleza e vigor que possuía antes de receber as feridas causadas pelo xerife Warren.
O comportamento dos membros da quadrilha para com ele tornava-se tão intolerável como a lentidão do seu restabelecimento. Bacher tratava-o com excessiva frieza; tinham trocado apenas algumas frases curtas em poucas ocasiões.
A situação com Cameron Quinn era muito mais tensa. O bandido Silver Quinn tinha falecido alguns dias antes em consequência das feridas recebidas no «rancho» de Jenning Lawer e o pistoleiro não dissimulava o seu ódio e rancor pelo rapaz, incitando constantemente os outros a que deviam enforcar James numa das árvores que rodeavam o acampamento e mandar depois o cadáver ao seu pai.
A mentalidade de Cameron Quinn era tão obtusa que não compreendia que James não tivera nada a ver com a morte do seu irmão. Para ele, bastava que fosse um Lawer.
James, pacientemente, suportava tudo aquilo porque o seu estado não lhe permitia responder de outro modo mais adequado ou sair do acampamento. Por outro lado, retinha-o o agradecimento a Widmar, que não o abandonava um único instante, defendendo-o de todos os outros, inclusivamente do próprio Bacher, que lhe tinha salvado a vida.
Certo dia, James, ajudado pelo velho pistoleiro, saiu das imediações da cabana para dar um curto passeio. Uma semana antes, quase todos os componentes da quadrilha tinham assaltado um «rancho» próximo e, temendo a perseguição da Justiça, todos os homens se encontravam no acampamento.
Quando James regressava do seu passeio, Cameron Quinn aproximou-se dele. Widmar, que acompanhava James, ao ver Cameron, deteve-se. Agarrou Lawer pelo braço, incutindo-lhe coragem, e em voz mal percetível disse-lhe:
— Não te preocupes, James, nada te acontecerá.
— Assim espero — murmurou James, sem se alterar absolutamente nada.
Cameron Quinn, sabendo-se observado por quase todos os seus companheiros, avançou fanfarrão até se deter em frente dos dois homens.
— Já te sentes bem, Lawer? — perguntou.
— Ainda não, Cameron — respondeu o rapaz, sorrindo amavelmente; mas um pouco surpreendido.
— Estou desejoso de que te cures, sabes? — disse o bandido, endurecendo as feições.
— Obrigado, Cameron, eu também o desejo. Estou cansado de não servir para nada e ser unicamente um estorvo.
— Não te preocupes. Quando te curares, continuarás na mesma.
—Porque dizes isso, Cameron?
— Porque os mortos não servem para nada e são verdadeiros estorvos. Hei de matar-te quando estiveres curado, maldito Lawer! — resmungou o bandido, com voz carregada de ódio.
James permaneceu imóvel, olhando-o fixamente. Com uma firmeza inesperada, disse:
— Gostaria de saber porque me tratas assim, Cameron. Creio que não te dei motivo para que me odeies desse modo.
— Não me deste motivo, pois não? Será que a morte do meu irmão não conta para ti? — gritou o bandido.
— Eu não matei o teu irmão!
— Foram os teus, que é a mesma coisa!
A situação tornava-se cada vez mais embaraçosa e Widmar, julgando-se obrigado a intervir, disse:
— Tenho-te proibido que te dirijas ao rapaz, Cameron.
— E quem és tu para me dar ordens, velho idiota? A partir de agora, farei o que me der na gana, entendes? E na próxima vez que te atravessares no meu caminho não terás tempo de te arrependeres.
— Ameaças-me?
— Pensa o que quiseres.
— Desgraçado!
— Cuidado, Widmar! Sou capaz de te matar agora mesmo, sem ter em conta que és um velho inútil.
— És o ser mais repugnante que conheci na minha vida, Cameron — declarou o velho, com evidente desprezo.
Cameron aproximou-se até quase tocar em Widmar. O velho sentiu no rosto cada uma das palavras do bandido, quando este disse:
— Retira essas palavras!
— Não o farei — respondeu Widmar, valentemente, sem se importar com o gesto de Cameron de levar as mãos às ancas e roçar as coronhas dos seus revólveres.
— Vou matar-te, velho! Vamos, prepara-te!
Os dois homens em frente um do outro, a menos de três metros de distância, estavam dispostos a levar aquele desafio até às suas últimas consequências.
— Cameron! Widmar!
A voz de Ernest Bacher soou como uma chicotada no meio daquele silêncio, seca, poderosa e autoritária, da porta da sua cabana. Os dois homens continuaram imóveis, mas sem se voltarem, receando que o adversário se aproveitasse de qualquer descuido.
Bacher, lentamente, aproximou-se, interpondo-se aos dois lutadores. Olhou para Widmar, com expressão interrogadora e para Cameron Quinn com dureza.
—Pode saber-se o que se passa? Estão nervosos ou loucos?
— Widmar insultou-me e vou matá-lo — respondeu Cameron.
— Isso não é verdade. Ele começou a meter-se com Lawer e eu recriminei-lhe a sua conduta — esclareceu o velho.
— Desaparece, Cameron, e não voltes a meter-te com Lawer... pelo menos enquanto este estiver em desigualdade de condições físicas contigo. Se não falares com ele, melhor ainda — ordenou Bacher.
— Não te metas nisto, Bacher! — gritou Cameron, com os olhos injetados de sangue. — Tenho de matar este velho porco. Estou farto dele e das suas loucas manias. Tu és o chefe, mas não deves intervir nas nossas questões pessoais!
— Põe-te a andar, Cameron — ordenou Ernest Bacher, pela segunda vez, aborrecido com as palavras do bandido.
— Não sairei de aqui! Tenho de os matar aos dois!
Cameron Quinn estava tão obcecado que não foi capaz de interpretar o estranho olhar do seu chefe. Quando quis dar-se conta da situação, tinha recebido um forte soco no queixo, que o fez rolar pelo chão.
Aquela reação tinha apanhado todos de surpresa. Era talvez a primeira vez que Bacher batia num dos seus homens e isso ainda tornou mais surpreendente a sua atitude.
— Isto é para te habituares a obedecer às minhas ordens. Agora, deixarei que te enfrentes com o velho Widmar — continuou Bacher, provocando o espanto do velho. — Mas, será com uma condição, Cameron Quinn.
Este continuava no chão e, olhando furioso para o chefe, sem se importar com os fios de sangue que lhe escorriam pelas comissuras dos lábios, perguntou:
— Que condição é?
— Para lutares com Widmar, terás de o fazer antes comigo. Se me matares, poderás depois lutar com ele; de contrário... Fiquem todos a saber de uma vez para sempre, malditos! Enquanto eu mandar aqui, não permitirei que ninguém toque num só cabelo do velho Widmar. — O silêncio que se seguiu tornou-se palpável. Bacher continuou: — Se queres lutar já, estou disposto a satisfazer-te, Cameron.
Mas o bandido compreendeu que, na hipótese de fazer frente ao chefe, as suas possibilidades de triunfo eram totalmente nulas e optou por praguejar em voz baixa, ao mesmo tempo que se levantava com dificuldade. Seguido pelos olhares do resto dos seus companheiros, Cameron Quinn afastou-se em direção à sua cabana.
Ernest olhou para James com dureza e depois seguiu o mesmo caminho de Cameron. Os outros foram-se afastando igualmente, deixando sozinhos Widmar e James.
— Bacher olhou-me com ar acusador. Vim aqui semear a discórdia entre vocês — disse o rapaz, fazendo um gesto de contrariedade.
— Tu não tens a culpa de nada, James. São eles que não querem ver a realidade e compreendê-la. Primeiro porque tu não tiveste nada a ver com a morte de Silver nem com as feridas de Ernest; e segundo, porque, ainda que a tivesses tido, não terias feito mais que defender os teus interesses e da tua família. Até para se ser ladrão faz falta o bom senso.
— Tens razão, mas de qualquer modo trouxe o ódio a este acampamento.
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Bacher chamou Cameron à sua barraca. O bandido foi ter com ele, mas no seu rosto refletia-se a tormenta interior que, sem dúvida, se desenvolvia na sua alma vingativa. Bacher, fazendo caso omisso do estado psíquico do seu companheiro, falou-lhe com excessiva sinceridade e dureza.
— Senti tanto como tu o soco que me vi obrigado a dar-te, mas devias ter obedecido quando te ordenei que te fosses embora. Conheço-te de ginjeira, Cameron, e sei que desde esse momento me odeias intensamente. Por isso te pergunto: que pensas fazer agora?
—Não percebo o que queres dizer, Bacher.
— Percebeste perfeitamente, Cameron, e agradecer-te-ei que me respondas se pensas continuar connosco.
— Se não vês inconveniente, continuo.
— De acordo, mas mete bem na cabeça que não permitirei que se repita o que sucedeu hoje. Em Widmar, ninguém tocará enquanto eu puder defendê-lo, compreendes?
— Lawer não é Widmar.
— Para ti é como se fosse. Eu também não morro de amores por esse rapaz, mas respeito o interesse do velho. $e queres continuar entre nós, deves ter presente estes... digamos, conselhos. Poderia ser-te fatal esquecê-los.
— Queres mais alguma coisa?
— Sim, que te lembres de que aqui mando eu e que estou disposto a recordá-lo a quem quer que seja.
Cameron, sem despegar os lábios, deu meia-volta e dirigiu-se para a salda.
— Cameron!
O grito teve um efeito paralisador e o bandido deteve-se bruscamente, como se uma mão invisível e poderosa o tivesse agarrado fortemente, impedindo-o de continuar.
— Que queres agora? — perguntou Cameron, virando-se lentamente.
— Pensa bem se te convém ficar entre nós.
— Já pensei mais do que o suficiente.
— E, então, ficas, não é assim?
— Sim, fico — respondeu o bandido, abandonando definitivamente a barraca.
Ernest Bacher abanou a cabeça de um lado para o outro, pensando que por culpa daquele rapaz tinha adquirido um inimigo perigoso que não vacilaria em ver-se livre dele quando se apresentasse uma ocasião propicia. E Bacher não errava muito ao pensar daquele modo.
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