segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

BUF129.01 A fuga do filho assassino

Jenning  Lawer afastou-se da janela e passeou nervosamente pela sala. Resmungou, entre dentes, uma praga e depois cravou no filho mais novo, James, um olhar que teria feito estremecer qualquer outro dos seus filhos. 

James, pelo contrário, manteve-se firme, muito sério, sem afastar do pai os olhos, desafiando aquele olhar duro e frio que durante tantos anos tinha imposto terror na região e graças ao que, ainda hoje, o respeito e o temor pelo clã dos Lawer continuavam como no primeiro dia. 

O velho Lawer era um homem de sessenta anos, mas transpirava saúde por todos os poros. No rosto avermelhado, os olhos claros e luminosos brilhavam como brasas. Pai e filho observaram-se durante alguns momentos.

 Jenning Lawer nunca conseguira dissimular as suas contrariedades e, naquele momento, transparecia-lhe no rosto a luta que travava no íntimo. Ao ver o filho a observá-lo insistentemente, com a mesma insolência de que ele próprio fazia gala, não pôde conter uma exclamação: 

— Não me olhes assim! 

James, sem descerrar os lábios, desviou o olhar para a janela. O velho Lawer observou demoradamente aquele perfil aquilino, tão semelhante ao seu. Ao contemplar o filho, o preferido dos três, toda a sua energia pareceu vir abaixo. Ficou silencioso, durante momentos, com a cabeça encolhida entre os ombros e imóvel, em frente do rapaz. Por fim, o velho rompeu aquela tensa situação, criada entre ambos, e disse com a voz cheia de amargura: 

— Mataste um homem, James! 

— Eu sei — respondeu o rapaz, sem quase mover os lábios. 

Lawer talvez tivesse preferido que o filho lhe respondesse de outro modo, mas aquela resposta lacónica e seca pareceu enervá-lo novamente. 

— E procedeste como se fosses um desses odiosos pistoleiros que vagueiam pela cidade! Como quaisquer desses jogadores, oportunistas e trapaceiros, que enchem as salas de jogo de Trindade! — gritou Lawer, movendo a cabeça com impotência. 

Continuou: 

— As autoridades de Colorado já conhecem os teus sinais e prender-te-ão quando te localizarem, como se fosses um salteador de diligências ou um assassino da pior espécie. Manchaste o nome dos Lawer, James! — gritou o «rancheiro» com voz rouca. — Mataste um pobre velho! 

O tom de Lawer tinha subido gradualmente, até se transformar em verdadeiros gritos que chegaram a todos os cantos da casa. James, apesar de tudo, ousou dizer: 

— Um pobre velho que se dedicava a fazer batota às cartas, enganando os jovens, não? Para ti, talvez fosse digno de lástima, porque era um velho; para mim, era, simplesmente, um jogador batoteiro que procurava aproveitar-se da boa-fé dos outros. Se o não tivesse descoberto, estaria a vangloriar-se, a esta hora, de ter enganado um grupo de estúpidos e idiotas. Que devia eu fazer, depois de ter a certeza de que ele estava a enganar-me? Deixá-lo viver para continuar o seu «honrado trabalho»? 

— Mataste um pobre velho — insistiu o «rancheiro», com a tenacidade da velhice. 

— Sim, matei um batoteiro! -- gritou James, colérico, exasperado pelas palavras de exprobração do pai. 

Jenning Lawer abriu desmesuradamente os olhos, ao escutar aqueles gritos tão potentes como os seus. Apesar de toda a sua indignação, fez um grande esforço e limitou--se a dizer: 

— O teu inimigo era um homem de mais de sessenta anos que mal podia oferecer-te resistência. Para mais, quem acredita, realmente, que ele tenha feito batota? Ninguém! Nenhum dos que estavam a jogar viu fazê-la. 

— Vi eu e isso é bastante. Pelo menos, para tuim, foi. 

— Warren não, ousará vir aqui prender-te, mas quando abandonares o «rancho», não te reste a menor dúvida, farão o impossível para te deitar a mão. Enforcar-te-ão. Com outro talvez o não fizessem; limitar-se-iam a encerrá-lo durante uma temporada; mas contigo é diferente. Tu és um Lawer, um filho desse velho déspota, que sou eu, aquele a quem todos odeiam em Trindade porque, além de ser rico, não tem vícios, não se embebeda nem joga, como eles. Por isso me odeiam todos! E por isso também serão implacáveis contigo. 

— Não abandonarei o «rancho» durante algum tempo — afirmou James. 

O velho «rancheiro» moveu a cabeça lentamente e, observando o filho com os olhos semicerrados, disse: 

— Não, James. Isso é impossível. A Lei é a Lei e quando um homem mata outro, em circunstâncias pouco claras, sofre-lhe os efeitos. Warren não ousará entrar aqui, mas virão os agentes do Governo e a nossa resistência seria pior para todos. Não, James, apesar de seres meu filho não posso opor-me à Lei. 

O rosto do rapaz sofreu uma profunda transformação, ao ouvir aquelas palavras. Esperara tudo do pai exceto aquilo. Mesmo depois de ouvi-lo, ousou perguntar: 

— COMO? 

— Tu ouviste, James. Deves abandonar Trindade, atravessar a fronteira e não regressar enquanto não decorrer algum tempo e estiver tudo esquecido. Um ano será suficiente. 

James pôs-se em pé, de um salto. Avançou, como uma fera, para o pai e, fixando-o nos olhos, gritou: 

— Escorraças-me? 

— Não, não te escorraço, James. Como podia fazê-lo? Apesar de tudo, sou teu pai. Mas é necessário que te vás embora. 

— Se vou, não voltarei mais! — gritou o jovem, com o rosto desfigurado. 

— Que dizes, James? 

— Não voltarei mais, nunca mais. 

— Faz o que quiseres, filho! 

— E quem tentar prender-me morrerá! 

— Isso é com a tua consciência — retorquiu Lawer, encolhendo os ombros. 

— Se houver mortos, não pesarão na minha consciência, mas na tua — acusou James. 

— Basta! Cala-te de uma vez! — gritou o velho. — Não sei como tive paciência para suportar os teus gritos e as tuas parvoíces. 

Lawer abandonou o lugar que tinha ocupado antes e deteve-se junto da janela. Sem olhar para o filho, disse--lhe: 

— Diz à tua mãe ou à tua irmã que te preparem o necessário para a partida. 

— Será uma partida definitiva! — frisou James, como se pretendesse, com ameaças, convencer o pai de que devia ocultá-lo no «rancho». 

— Faz como entenderes — disse o velho, voltando a cabeça e olhando-o com amargura. 

James abandonou a sala e fechou a porta com violência, o que fez estremecer as paredes e os vidros da janela. 

Jenning Lawer, subitamente envelhecido, moveu a cabeça desgostoso e deixou-se cair, pesadamente, no lugar que James tinha ocupado. Durante alguns momentos, permaneceu ali, fisicamente abatido. Pouco depois, tirou um maço de notas de uma gaveta da mesa e meteu-o num sobrescrito. 

/// 

James Lawer olhou a mãe e os irmãos, Donald e Hazel, ambos mais velhos do que ele. 

— Para onde irás, James? — perguntou Donald. 

— De momento, atravessarei a fronteira do Novo México, se o conseguir; depois... — James encolheu os ombros e deixou a frase por acabar. 

— Tens dinheiro? — perguntou Hazel. 

– Sim, dez dólares. 

– Toma, far-te-á falta — disse a rapariga, oferecendo--lhe o sobrescrito que o pai preparara antes. 

—É teu? 

— Sim — mentiu ela. — São as minhas economias. 

— Um dia, devolver-tas-ei. 

A senhora Lawer, entretanto, não cessava de chorar. Hazel abraçou-a, pedindo-lhe que se calasse, e Donald, para pôr fim àquela cena triste, disse: 

— Quando quiseres, James. 

Os dois rapazes dirigiram-se para a porta onde se encontrava aparelhado um magnifico cavalo, o melhor dos que havia no «rancho», pensou James ao 'vê-lo. Os alforges estavam cheios de tudo que era necessário para uma longa viagem... talvez sem regresso, como havia afirmado James ao pai, naquela mesma manhã. 

— Adeus, Donald — disse James, de cima da montada. 

— Boa viagem, James. Verás como o tempo passa depressa. Dentro de um ano, ninguém recordará o acontecido. 

James olhou o irmão com tristeza. O pai não os informara das suas intenções e ele tão-pouco estava disposto a fazê-lo. 

— Sim, Donald, tens razão. Um ano passa depressa... em casa; fugindo, deve tornar-se demasiado longo — respondeu, ao mesmo tempo que obrigava, com violência, o cavalo a dar um salto, cravando-lhe, sem piedade, as esporas no ventre. 

Da janela do escritório, Jenning Lawer viu afastar-se o filho mais novo. O rosto, sulcado de rugas recentes, denunciava a amargura e tristeza pela partida de James, aquele filho que tinha sido para ele o mimado, talvez por ser o mais novo ou, melhor, talvez por possuir um caráter muito semelhante ao seu. Sem olhar para trás uma única vez, o rapaz perdeu--se na distância. 

James, enquanto se afastava de casa, retirou a carabina e introduziu-lhe um cartucho na câmara. A partir daquele momento, era de esperar um encontro com os homens da Lei, que Warren chefiava e aos quais teria feito vigiar todos os caminhos por onde ele pudesse seguir, sobretudo aquele que o conduzia ao Novo México. 

O «rancho» dos Lawer distava da fronteira um pouco mais de seis milhas. James tinha meia hora de marcha, conduzindo o cavalo a galope curto para não o extenuar, e calculava ter percorrido mais de metade do caminho. Mais quinze minutos e, se não tivesse nenhum contratempo, James encontrar-se-ia, são e salvo, em território do Novo México, onde não o alcançava já a jurisdição de Warren. 

Contudo, não estava tranquilo. Conhecia demasiadamente o xerife de Trindade e sabia a tenacidade que desdobrava quando se tratava de fazer cumprir a Lei. E ele, James Lawer, era justo reconhecê-lo, tinha infringindo as leis ao matar um homem em circunstâncias pouco claras. 

James observou o horizonte. Em redor tudo parecia tranquilo e, no entanto, estava intimamente convencido de que Warren tentaria o impossível para detê-lo, antes que atravessasse a fronteira. Ele, pela sua parte, continuava a ganhar terreno consideravelmente. 

De uma pequena elevação, ao abrigo de umas rochas sombrias, James analisou demoradamente o panorama que se lhe oferecia aos olhos. Apenas o separava da fronteira aquela meia milha, que se estendia diante dele. Se atravessasse a vertente, estaria a salvo. Tudo estava tranquilo e silencioso. 

James perdeu alguns minutos, mas a sua vista penetrante não deixou passar nada por alto, detendo-se, até, nos pontos menos suspeitos, onde se pudesse ocultar uma pessoa. Silêncio e paz. Decidiu-se. 

Com a Carabina firmemente empunhada, disposto a entrar em ação a qualquer momento, resolveu atravessar aquele último «rancho». Fá-lo-ia a galope desenfreado, para entrar, quanto antes, no Novo México. 

James nunca pôde compreender como lhe surgiram aqueles cavalos que, a menos de trezentos metros, lhe intercetavam o caminho da fronteira. Eram quatro homens, armados de carabinas. Sombrios e silenciosos. Vários metros separavam-nos uns dos outros. James considerou a situação e convenceu-se de que a sua salvação dependia da maneira como atuaria naqueles momentos decisivos. Imóveis, os homens da Lei aguardavam a reação do jovem. Aguardavam, pacientemente, como se estivessem seguros de que, mais cedo ou mais tarde, o fugitivo lhes cairia nas mãos. 

A um sinal do xerife Warren, os três ajudantes começaram a dispor-se em leque, os dois dos extremos a maior profundidade, como tencionando rodeá-lo e cortar-lhe a retirada. 

James considerou-se perdido. Mas, precisamente, esta sensação de insegurança aguçou-lhe a inteligência, dando--lhe uma solução que poderia ser-lhe favorável. Era arriscada, porém não tinha outro caminho a seguir senão pô-la em prática. Deu uma volta e subiu de novo a elevação que lhe tinha servido de local de observação. 

Warren e os seus homens- iniciaram a perseguição, com o propósito de evitar que o fugitivo alcançasse, novamente, a herdade do pai. O xerife e um dos que o acompanhavam avançaram pelo centro; os dois restantes faziam-no pelos lados. 

Quando Warren e o ajudante se recortaram sobre a elevação, soou um tiro e o homem que cavalgava junto do xerife rolou do cavalo, perdendo as armas numa queda aparatosa. Os escassos segundos em que Warren ficou indeciso foram bastantes para que Lawer acionasse a culatra da carabina e disparasse de novo. Warren apenas teve tempo de encabritar o cavalo que montava, o qual recebeu a bala que James reservava ao dono. Homem e animal rolaram no solo, ao mesmo tempo. 

Os dois restantes detiveram as montadas a uma prudente distância e abriram fogo contra o rapaz, que se afastava, como um raio, em direção do Novo México. 

Que Warren era um homem duro provou-o mais uma vez, naquela ocasião. Refazendo-se na queda, num instante, com mão rápida apoderou-se da carabina e, apoiando-se numas pedras, para firmar a pontaria, disparou. James sentiu um choque violento nas costas, mas continua a corrida desenfreada. Um novo tiro de Warren atingiu-o no ombro direito. Foi apenas uma roçadela, mas o rapaz oscilou na sela, vendo-se obrigado a deixar--se cair sobre o pescoço do animal, que se portava maravilhosamente naqueles momentos críticos. 

Minutos mais tarde, James Lawer atravessava, meio inconsciente, á fronteira que separava o Colorado do Novo México. 


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