James, pelo contrário, manteve-se firme, muito sério, sem afastar do pai os olhos, desafiando aquele olhar duro e frio que durante tantos anos tinha imposto terror na região e graças ao que, ainda hoje, o respeito e o temor pelo clã dos Lawer continuavam como no primeiro dia.
O velho Lawer era um homem de sessenta anos, mas transpirava saúde por todos os poros. No rosto avermelhado, os olhos claros e luminosos brilhavam como brasas. Pai e filho observaram-se durante alguns momentos.
Jenning Lawer nunca conseguira dissimular as suas contrariedades e, naquele momento, transparecia-lhe no rosto a luta que travava no íntimo. Ao ver o filho a observá-lo insistentemente, com a mesma insolência de que ele próprio fazia gala, não pôde conter uma exclamação:
— Não me olhes assim!
James, sem descerrar os lábios, desviou o olhar para a janela. O velho Lawer observou demoradamente aquele perfil aquilino, tão semelhante ao seu. Ao contemplar o filho, o preferido dos três, toda a sua energia pareceu vir abaixo. Ficou silencioso, durante momentos, com a cabeça encolhida entre os ombros e imóvel, em frente do rapaz. Por fim, o velho rompeu aquela tensa situação, criada entre ambos, e disse com a voz cheia de amargura:
— Mataste um homem, James!
— Eu sei — respondeu o rapaz, sem quase mover os lábios.
Lawer talvez tivesse preferido que o filho lhe respondesse de outro modo, mas aquela resposta lacónica e seca pareceu enervá-lo novamente.
— E procedeste como se fosses um desses odiosos pistoleiros que vagueiam pela cidade! Como quaisquer desses jogadores, oportunistas e trapaceiros, que enchem as salas de jogo de Trindade! — gritou Lawer, movendo a cabeça com impotência.
Continuou:
— As autoridades de Colorado já conhecem os teus sinais e prender-te-ão quando te localizarem, como se fosses um salteador de diligências ou um assassino da pior espécie. Manchaste o nome dos Lawer, James! — gritou o «rancheiro» com voz rouca. — Mataste um pobre velho!
O tom de Lawer tinha subido gradualmente, até se transformar em verdadeiros gritos que chegaram a todos os cantos da casa. James, apesar de tudo, ousou dizer:
— Um pobre velho que se dedicava a fazer batota às cartas, enganando os jovens, não? Para ti, talvez fosse digno de lástima, porque era um velho; para mim, era, simplesmente, um jogador batoteiro que procurava aproveitar-se da boa-fé dos outros. Se o não tivesse descoberto, estaria a vangloriar-se, a esta hora, de ter enganado um grupo de estúpidos e idiotas. Que devia eu fazer, depois de ter a certeza de que ele estava a enganar-me? Deixá-lo viver para continuar o seu «honrado trabalho»?
— Mataste um pobre velho — insistiu o «rancheiro», com a tenacidade da velhice.
— Sim, matei um batoteiro! -- gritou James, colérico, exasperado pelas palavras de exprobração do pai.
Jenning Lawer abriu desmesuradamente os olhos, ao escutar aqueles gritos tão potentes como os seus. Apesar de toda a sua indignação, fez um grande esforço e limitou--se a dizer:
— O teu inimigo era um homem de mais de sessenta anos que mal podia oferecer-te resistência. Para mais, quem acredita, realmente, que ele tenha feito batota? Ninguém! Nenhum dos que estavam a jogar viu fazê-la.
— Vi eu e isso é bastante. Pelo menos, para tuim, foi.
— Warren não, ousará vir aqui prender-te, mas quando abandonares o «rancho», não te reste a menor dúvida, farão o impossível para te deitar a mão. Enforcar-te-ão. Com outro talvez o não fizessem; limitar-se-iam a encerrá-lo durante uma temporada; mas contigo é diferente. Tu és um Lawer, um filho desse velho déspota, que sou eu, aquele a quem todos odeiam em Trindade porque, além de ser rico, não tem vícios, não se embebeda nem joga, como eles. Por isso me odeiam todos! E por isso também serão implacáveis contigo.
— Não abandonarei o «rancho» durante algum tempo — afirmou James.
O velho «rancheiro» moveu a cabeça lentamente e, observando o filho com os olhos semicerrados, disse:
— Não, James. Isso é impossível. A Lei é a Lei e quando um homem mata outro, em circunstâncias pouco claras, sofre-lhe os efeitos. Warren não ousará entrar aqui, mas virão os agentes do Governo e a nossa resistência seria pior para todos. Não, James, apesar de seres meu filho não posso opor-me à Lei.
O rosto do rapaz sofreu uma profunda transformação, ao ouvir aquelas palavras. Esperara tudo do pai exceto aquilo. Mesmo depois de ouvi-lo, ousou perguntar:
— COMO?
— Tu ouviste, James. Deves abandonar Trindade, atravessar a fronteira e não regressar enquanto não decorrer algum tempo e estiver tudo esquecido. Um ano será suficiente.
James pôs-se em pé, de um salto. Avançou, como uma fera, para o pai e, fixando-o nos olhos, gritou:
— Escorraças-me?
— Não, não te escorraço, James. Como podia fazê-lo? Apesar de tudo, sou teu pai. Mas é necessário que te vás embora.
— Se vou, não voltarei mais! — gritou o jovem, com o rosto desfigurado.
— Que dizes, James?
— Não voltarei mais, nunca mais.
— Faz o que quiseres, filho!
— E quem tentar prender-me morrerá!
— Isso é com a tua consciência — retorquiu Lawer, encolhendo os ombros.
— Se houver mortos, não pesarão na minha consciência, mas na tua — acusou James.
— Basta! Cala-te de uma vez! — gritou o velho. — Não sei como tive paciência para suportar os teus gritos e as tuas parvoíces.
Lawer abandonou o lugar que tinha ocupado antes e deteve-se junto da janela. Sem olhar para o filho, disse--lhe:
— Diz à tua mãe ou à tua irmã que te preparem o necessário para a partida.
— Será uma partida definitiva! — frisou James, como se pretendesse, com ameaças, convencer o pai de que devia ocultá-lo no «rancho».
— Faz como entenderes — disse o velho, voltando a cabeça e olhando-o com amargura.
James abandonou a sala e fechou a porta com violência, o que fez estremecer as paredes e os vidros da janela.
Jenning Lawer, subitamente envelhecido, moveu a cabeça desgostoso e deixou-se cair, pesadamente, no lugar que James tinha ocupado. Durante alguns momentos, permaneceu ali, fisicamente abatido. Pouco depois, tirou um maço de notas de uma gaveta da mesa e meteu-o num sobrescrito.
///
James Lawer olhou a mãe e os irmãos, Donald e Hazel, ambos mais velhos do que ele.
— Para onde irás, James? — perguntou Donald.
— De momento, atravessarei a fronteira do Novo México, se o conseguir; depois... — James encolheu os ombros e deixou a frase por acabar.
— Tens dinheiro? — perguntou Hazel.
– Sim, dez dólares.
– Toma, far-te-á falta — disse a rapariga, oferecendo--lhe o sobrescrito que o pai preparara antes.
—É teu?
— Sim — mentiu ela. — São as minhas economias.
— Um dia, devolver-tas-ei.
A senhora Lawer, entretanto, não cessava de chorar. Hazel abraçou-a, pedindo-lhe que se calasse, e Donald, para pôr fim àquela cena triste, disse:
— Quando quiseres, James.
Os dois rapazes dirigiram-se para a porta onde se encontrava aparelhado um magnifico cavalo, o melhor dos que havia no «rancho», pensou James ao 'vê-lo. Os alforges estavam cheios de tudo que era necessário para uma longa viagem... talvez sem regresso, como havia afirmado James ao pai, naquela mesma manhã.
— Adeus, Donald — disse James, de cima da montada.
— Boa viagem, James. Verás como o tempo passa depressa. Dentro de um ano, ninguém recordará o acontecido.
James olhou o irmão com tristeza. O pai não os informara das suas intenções e ele tão-pouco estava disposto a fazê-lo.
— Sim, Donald, tens razão. Um ano passa depressa... em casa; fugindo, deve tornar-se demasiado longo — respondeu, ao mesmo tempo que obrigava, com violência, o cavalo a dar um salto, cravando-lhe, sem piedade, as esporas no ventre.
Da janela do escritório, Jenning Lawer viu afastar-se o filho mais novo. O rosto, sulcado de rugas recentes, denunciava a amargura e tristeza pela partida de James, aquele filho que tinha sido para ele o mimado, talvez por ser o mais novo ou, melhor, talvez por possuir um caráter muito semelhante ao seu. Sem olhar para trás uma única vez, o rapaz perdeu--se na distância.
James, enquanto se afastava de casa, retirou a carabina e introduziu-lhe um cartucho na câmara. A partir daquele momento, era de esperar um encontro com os homens da Lei, que Warren chefiava e aos quais teria feito vigiar todos os caminhos por onde ele pudesse seguir, sobretudo aquele que o conduzia ao Novo México.
O «rancho» dos Lawer distava da fronteira um pouco mais de seis milhas. James tinha meia hora de marcha, conduzindo o cavalo a galope curto para não o extenuar, e calculava ter percorrido mais de metade do caminho. Mais quinze minutos e, se não tivesse nenhum contratempo, James encontrar-se-ia, são e salvo, em território do Novo México, onde não o alcançava já a jurisdição de Warren.
Contudo, não estava tranquilo. Conhecia demasiadamente o xerife de Trindade e sabia a tenacidade que desdobrava quando se tratava de fazer cumprir a Lei. E ele, James Lawer, era justo reconhecê-lo, tinha infringindo as leis ao matar um homem em circunstâncias pouco claras.
James observou o horizonte. Em redor tudo parecia tranquilo e, no entanto, estava intimamente convencido de que Warren tentaria o impossível para detê-lo, antes que atravessasse a fronteira. Ele, pela sua parte, continuava a ganhar terreno consideravelmente.
De uma pequena elevação, ao abrigo de umas rochas sombrias, James analisou demoradamente o panorama que se lhe oferecia aos olhos. Apenas o separava da fronteira aquela meia milha, que se estendia diante dele. Se atravessasse a vertente, estaria a salvo. Tudo estava tranquilo e silencioso.
James perdeu alguns minutos, mas a sua vista penetrante não deixou passar nada por alto, detendo-se, até, nos pontos menos suspeitos, onde se pudesse ocultar uma pessoa. Silêncio e paz. Decidiu-se.
Com a Carabina firmemente empunhada, disposto a entrar em ação a qualquer momento, resolveu atravessar aquele último «rancho». Fá-lo-ia a galope desenfreado, para entrar, quanto antes, no Novo México.
James nunca pôde compreender como lhe surgiram aqueles cavalos que, a menos de trezentos metros, lhe intercetavam o caminho da fronteira. Eram quatro homens, armados de carabinas. Sombrios e silenciosos. Vários metros separavam-nos uns dos outros. James considerou a situação e convenceu-se de que a sua salvação dependia da maneira como atuaria naqueles momentos decisivos. Imóveis, os homens da Lei aguardavam a reação do jovem. Aguardavam, pacientemente, como se estivessem seguros de que, mais cedo ou mais tarde, o fugitivo lhes cairia nas mãos.
A um sinal do xerife Warren, os três ajudantes começaram a dispor-se em leque, os dois dos extremos a maior profundidade, como tencionando rodeá-lo e cortar-lhe a retirada.
James considerou-se perdido. Mas, precisamente, esta sensação de insegurança aguçou-lhe a inteligência, dando--lhe uma solução que poderia ser-lhe favorável. Era arriscada, porém não tinha outro caminho a seguir senão pô-la em prática. Deu uma volta e subiu de novo a elevação que lhe tinha servido de local de observação.
Warren e os seus homens- iniciaram a perseguição, com o propósito de evitar que o fugitivo alcançasse, novamente, a herdade do pai. O xerife e um dos que o acompanhavam avançaram pelo centro; os dois restantes faziam-no pelos lados.
Quando Warren e o ajudante se recortaram sobre a elevação, soou um tiro e o homem que cavalgava junto do xerife rolou do cavalo, perdendo as armas numa queda aparatosa. Os escassos segundos em que Warren ficou indeciso foram bastantes para que Lawer acionasse a culatra da carabina e disparasse de novo. Warren apenas teve tempo de encabritar o cavalo que montava, o qual recebeu a bala que James reservava ao dono. Homem e animal rolaram no solo, ao mesmo tempo.
Os dois restantes detiveram as montadas a uma prudente distância e abriram fogo contra o rapaz, que se afastava, como um raio, em direção do Novo México.
Que Warren era um homem duro provou-o mais uma vez, naquela ocasião. Refazendo-se na queda, num instante, com mão rápida apoderou-se da carabina e, apoiando-se numas pedras, para firmar a pontaria, disparou. James sentiu um choque violento nas costas, mas continua a corrida desenfreada. Um novo tiro de Warren atingiu-o no ombro direito. Foi apenas uma roçadela, mas o rapaz oscilou na sela, vendo-se obrigado a deixar--se cair sobre o pescoço do animal, que se portava maravilhosamente naqueles momentos críticos.
Minutos mais tarde, James Lawer atravessava, meio inconsciente, á fronteira que separava o Colorado do Novo México.
Sem comentários:
Enviar um comentário