James Lawer avançava confiadamente pelo caminho poeirento que o conduzia de Amarillo até ao «rancho». Assobiava alegremente uma moda aprendida muitos anos antes em Colorado quando, sobrepondo-se ao ruído do assobio e dos cascos do animal ao bater no solo, julgou ouvir uma detonação.
De um violento esticão, deteve o animal e procurou afastar-se lentamente do meio do caminho. Durante uns segundos, permaneceu imóvel, silencioso, escutando os mais leves sons que se produziam em seu redor.
O canto da cigarra e o rumorejar dos ramos das árvores chegavam perfeitamente aos seus ouvidos.
Um segundo tiro apagou todos os ruídos mais fracos A James, pareceu-lhe que os estampidos provinham do lado do «rancho», que já se encontrava perto, e, procurando ocultar-se o mais possível, galopou em direção ao mesmo.
Deteve-se antes de alcançar a casa e, escondendo-se entre o frondoso arvoredo próximo da fazenda, presenciou a cena. Em frente do alpendre do «rancho», encontrava-se um numeroso grupo de pessoas. James contou sete indivíduos, que rodeavam Widmar e a família Walsh.
James, apesar de compreender a sua impotência para intervir, tirou a espingarda do coldre do arção da sua sela de montar. Não podia fazer nada contra aquela horda de desalmados, mas, se fosse preciso, estava disposto a colaborar.
Escondido, aguardou o resultado dos acontecimentos e, maquinalmente, introduziu um cartucho na câmara da arma e apontou-a cuidadosamente na direção do grupo.
James permaneceu cerca de meia hora entre a ramaria até que, finalmente, os cavaleiros, cansados de esperar, dispuseram-se a abandonar o «rancho».
Um deles, quando já se afastavam, voltou atrás e deu um pontapé a Widmar, arrojando-o ao solo. James sentiu uma raiva surda contra aquele desconhecido e a sua espingarda tomou a posição horizontal.
O rapaz aguardou uns instantes para se tranquilizar, mas depois, em vez de premir o gatilho, retirou a arma do ombro, conseguindo a custo conter o seu primeiro impulso. O seu olhar, todavia, continuou fixo no cavaleiro e julgou descobrir nele traços conhecidos; porém, por muito que pensasse durante o tempo que tardaram em desaparecer, não lhe foi possível recordar-se de quem era.
Quando julgou passado todo o perigo, James acercou-se da casa. A senhora Walsh, Agnes e o pequeno Ted dirigiram a James um olhar desdenhoso e inclusivamente de desprezo, que de modo nenhum tentaram dissimular. Depois, quando o rapaz chegou junto delas, as duas mulheres, arrastando o garoto, deram a volta e penetraram em casa, sem lhe terem dirigido a palavra. Apenas o pequeno Ted, antes de entrar, voltou a cabeça para o fitar, mas um violento puxão da mãe fê-lo desistir do seu empenho.
James ficou petrificado. Teria imaginado tudo menos aquela receção. Incomodado, desejoso de saber o que sucedera, encaminhou-se com resolução em busca de Widmar e de Walsh, que, a uns metros de distância, ti contemplavam em silêncio.
— Posso saber o que aconteceu aqui durante a minha ausência? — perguntou, visivelmente aborrecido, falando para os dois homens.
Widmar observou-o durante uns segundos com um olhar cheio de tristeza. O velho moveu a cabeça de um lado para o outro e disse:
— Que difícil é esquecer o passado, James!
— Que queres dizer com isso?
— Tivemos uma visita, James, uma visita muito pouco agradável.
— Eu sei. Permaneci um bom pedaço escondido no arvoredo e assisti a tudo. Porém, não compreendo que relação possa ter Tab Hunter com o passado. Eu não conhecia esse homem nem os seus sequazes de parte nenhuma. Eram, por acaso, antigos conhecidos teus?
— Não, rapaz. Eu também não sabia quem eram, mas hoje veio com eles um novo elemento a quem tu e eu conhecemos demasiado bem.
— Foi o do pontapé?
Widmar assentiu com um movimento de cabeça.
— Pareceu-me reconhecê-lo — continuou James — mas não consigo lembrar-me de quem é.
— Era Cameron Quinn.
Aquelas palavras caíram sobre James Lawer uma pesada pedra que o esmagasse.
— Cameron Quinn! — repetiu inconscientemente paz, tornando-se terrivelmente pálido.
Naquele momento, fez-se luz no espírito de James, compreendendo a causa do comportamento das duas mulheres. Que queria Cameron deles?
As palavras do velho Widmar ressoavam cada vez com mais insistência na sua cabeça, martelando-a desapiedadamente: Cameron Quinn!... Cameron Quinn!...
James passou uma mão pela testa, como se assim quisesse afastar todos aqueles pensamentos.
Widmar acercou-se dele e, colocando-lhe o braço sobre os ombros, continuou:
— Ernest Bacher está preso em Trindade. O xerife Warren anda a reunir provas e testemunhas para o levar à forca e consegui-lo-á. Não devia ter deixado Ernest sozinho — resmungou o velho.
— Como é que o prenderam?
— Foi tudo obra desse maldito Cameron. Ernest planeara um novo assalto a Trindade e foi tão imprudente que o disse aos outros vários dias antes. Cameron, que é vingativo e não perdoa, mandou aviso ao xerife Warren, contando-lhe em pormenor o que ia acontecer. Quando entraram na praça, Cameron atrasou-se e, inesperadamente, começou a fugir. Os restantes não tiveram tempo de reagir, porque a todas as janelas assomaram homens armados, dispostos a impedir a retirada. Cameron foi o único que conseguiu escapar.
— Lamento-o por Ernest. Conheço de sobejo o xerife Warren e sei que fará o impossível por o enforcar, mais ainda por o ter enfrentado por minha culpa, no dia da minha fuga — murmurou James. — O que não compreendo é como Cameron chegou até aqui.
— Quando fugiu de Trindade, procurou a nossa pista e, pelos vistos, deve tê-la descoberto facilmente. Foi uma boa jogada de Hunter. Cameron falou muito mal de ti, James, tão mal que se fossem verdadeiras as suas palavras não haveria ninguém tão sanguinário e cruel como tu em todos os Estados Unidos. Verteu o seu veneno como só ele o sabe fazer, acusou-te de assassínios, de roubos, de violações, e, por último, de que o teu pai te tinha posto fora de casa por te ter surpreendido a roubá-lo. Disse tudo isso, James. Quando se afastavam, gritei que era um canalha e um aldrabão e viste a resposta: agrediu-me com um pontapé brutal.
— Maldito seja Cameron Quinn dez mil vezes! — rugiu James, dando-se agora conta de qual era a tática do inimigo ao verter todas aquelas patranhas. — Apenas pretendem incompatibilizar-nos com esta família, Widmar... e creio que o conseguiram — terminou o rapaz, com tristeza.
— Não, James, não é isso que querem. Neste assunto, cada um tem o seu interesse. Hunter procura as terras; Cameron as nossas vidas. Ele nunca te perdoará que os teus parentes matassem o irmão dele.
— Está bem. Se é isso que eles querem, nós estaremos a postos. Se pretendem a guerra, tê-la-ão. Contratei dois homens que chegam amanhã. Vamos a ver quem tem mais força! — gritou James. Depois, mais tranquilo, pediu: -- Rogo-lhe, senhor Walsh, que venha connosco. Ê preciso que aclaremos certos pontos diante da sua família e tenho muito interesse em que os conheça também.
Os três homens dirigiram-se lentamente para a casa.
Caminhavam em silêncio, compreendendo a gravidade da situação criada pelas declarações de Cameron Quinn. Dispunham-se a subir os degraus do alpendre quando Agnes apareceu à porta, tapando a entrada.
— E preferível que não entre, senhor Lawer — disse a rapariga, com aspereza. — Já conseguiu enganar-nos uma vez, mas agora...
— Avise a sua mãe, menina — ordenou Widmar. — É necessário que conheçam a realidade neste assunto.
— Não quero. A minha mãe não está acostumada a tratar com assassinos e ladrões — replicou Agnes, com altivez.
James Lawer contraiu as feições, cerrando os dentes com força. Widmar acercou-se de Agnes e, colocando-lhe a mão no ombro e exercendo uma leve pressão, disse-lhe:
— Você está gravemente enganada, Agnes. Mas, mesmo que assim não fosse, não deveria tratar James desse modo. Seja como for, ele livrou-os de um grande aperto e isso é suficiente, ou deveria sê-lo, para que lhe ficassem agradecidos. Mas, não, tranquilize-se, James não é ladrão, nem assassino, nem perseguidor de donzelas. Porém, você viverá sempre em erro se der crédito ao veneno instilado esta manhã por esse indesejável que é Cameron Quinn. Avise a sua mãe, Agnes, por favor. Creio que devem conhecer quem é realmente James Lawer.
Não foi preciso avisar a senhora Walsh porque ela, que escutava atrás da porta, apareceu no alpendre, juntando-se ao grupo. O pequeno Ted ia com ela. James, compreendendo que a sua presença ali era desnecessária, dirigiu-se à cavalariça, para desaparelhar o cavalo. Widmar passou os olhos por todos os membros da família Walsh. Em seguida, apontando com o braço estendido, perguntou:
— Veem a extensão de terreno tão grande que este «rancho» possui?
A senhora Walsh assentiu com um movimento de cabeça.
— Tudo isto cabe em qualquer recanto do «rancho» que os pais de James têm em Trindade — prosseguiu o velho. — E diga-me, senhora Walsh, acha que um homem que teve tudo quanto desejou, terras, cavalos, reses, dinheiro... pode ter sido um assassino ou um ladrão? Eu, pelo menos, não acredito. Porque eu, sim, fui ladrão, e matei vários homens, e fiz batota a jogar às cartas. Mas, tudo isso eu aprendi na minha juventude, porque me faltava o essencial para subsistir e não fui capaz de conter os meus maus impulsos. E roubei para encontrar dinheiro; e matei para roubar; e joguei às cartas e fiz batota, que também é roubar... — Interrompeu-se para tomar fôlego e logo prosseguiu: — Mas, o caso de James é diferente e eu conheço-o perfeitamente, bem como Cameron Quinn. James Lawer matou um homem que o quis enganar ao jogo, fazendo trapacice, roubando-o a ocultas... James, ao descobrir a aldrabice, travou com ele um duelo leal e matou-o. Apesar de tudo, quiseram prendê-lo, acusado de assassínio, e então viu-se obrigado a atingir outro homem para poder fugir. Talvez não tenha procedido bem, mas limitou-se unicamente a defender os seus interesses, primeiro, e depois a sua vida. Naquela fuga, James apanhou uma bala nas costas e esteve a ponto de passar a melhor vida. Teve a sorte de nós o encontrarmos e de que Bacher, o nosso chefe, lhe extraísse o projétil que tinha alojado nas costas. Desde então, o rapaz permaneceu ao meu lado sem que nos tenhamos separado para nada. Quisemos convertê-lo num dos nossos, mas ele não servia para isso. Há uns dois meses, acompanhou-nos a Las Animas para um assalto ao Banco. James pensava colaborar também, mas à última hora arrependeu-se e não foi capaz de o fazer. Três dias mais tarde, afastava-se da quadrilha sem ter aceitado a parte que lhe cabia naquele roubo em que não chegou a ajudar. Eu, cansado também daquela vida, acompanhei-o. E, vagueando de um lado para o outro, chegámos aqui. Ë esta a vida de James Lawer — disse Widmar, dando por terminada a declaração.
— Então, porque é que esse homem disse tanto mal dele? — perguntou Agnes.
— Cameron Quinn odeia James porque, em certa ocasião em que Bacher decidiu atacar Jenning Lawer, o «rancheiro» mais temido no Colorado e pai deste rapaz, o seu irmão Silver, tão sanguinário como o próprio Cameron, foi morto na refrega. Desde aquele dia, Cameron odiou James com todas as suas forças. Ë tão animal que nunca perdoou a James que os seus parentes matassem o irmão dele. Ë esta a causa do ódio que Cameron Quinn sente por esse rapaz e por mim, por me ter interposto sempre no seu caminho. Agora, que conhecem a verdade, podem acreditar ou não, mas juro-lhes que as coisas foram tal e qual como lhes contei.
Os membros da família Walsh entreolharam-se. Foi o próprio Herbert quem se atreveu a dizer:
— Devemos crer, Widmar. Esse Cameron, pelo facto de vir na companhia de Tab Hunter, não deve merecer a nossa confiança. De resto, Lawer, até este momento, a única coisa que fez foi ajudar-nos e defender os nossos interesses. Pela minha parte, abandonarei toda a animosidade contra ele e vou pedir-lhe desculpa. E Herbert Walsh, sem mais palavras, dirigiu-se ao encontro de James.
Agnes, após uma breve indecisão, seguiu o caminho do pai. Que Walsh era homem de poucas falas demonstrou-o o facto de uma vez junto do rapaz, se limitar a dizer:
—Esqueça o que se passou, rapaz. Widmar contou-nos a sua história e confiamos mais em si do que em Cameron Quinn.
— Obrigado, senhor Walsh — respondeu James, secamente.
O velho «rancheiro» retirava-se quando Agnes, acercando-se lentamente, pôs a mão sobre o ombro do rapaz. James voltou o rosto e por um instante o seu olhar e o dela cruzaram-se, confundindo-se.
— Poderá perdoar-nos alguma vez, James?
— Vou tentar, embora seja muito difícil — admitiu ele, com fria sinceridade. -- Nunca imaginei que pudessem dar crédito a tais mentiras, sobretudo você.
— Porquê eu, precisamente?
— Desde o primeiro momento em que a vi, com aquela tristeza no seu rosto pálido e amargurado, senti-me atraído para si com uma força irresistível. Foi esse o único motivo de termos ficado aqui. Era uma coisa muito natural. Você é nova e eu também; logicamente, teríamos de reparar um no outro. Tinha de ser assim, Agnes, e, todavia, tenho a sensação de que estivemos sempre junto um do outro. Ontem à noite, durante o meu turno de vigilância, entretive-me a recrear o meu pensamento e agora, de repente, com uma crueza inaudita, vejo todos os sonhos e ilusões desfeitos, sem piedade. E como se uma muralha inacessível se tivesse erguido entre nós.
— Não fale assim, por favor, James. Eu também havia sonhado essas coisas a noite passada e por isso senti mais as palavras de Cameron Quinn — admitiu ela, inclinando a cabeça, envergonhada com a sua declaração.
James ergueu os olhos e fitou Agnes com pesar infinito.
— Podemos esperar que o tempo destrua essa mura-lha, não é verdade, James? — continuou a jovem.
— Sim, será o melhor — concordou ele. — Esperemos que o tempo apague tudo.
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