sexta-feira, 9 de março de 2018

PAS858. Duelo na cidade tranquila

Preston estava tranquilíssima.
Estava tão tranquila que nem parecia uma terra sem lei nem ordem. Ken Clayton caminhou pelo passeio a passo calmo, olhando para um lado e para outro, com os polegares no cinturão. Trazia o chapéu ligeiramente inclinado para o rosto, de modo que as luzes da rua não o pudessem ofuscar. O «saloon». A entrada de uma rua.
Um candeeiro numa esquina.
Paz.
Deteve-se no cruzamento de uma rua com a Main Street. Começou a enrolar outro cigarro. Estava a procurar os fósforos quando qualquer coisa aconteceu. Esse «qualquer coisa» foi um galope desenfreado de cavalos que se aproximavam rapidamente. Ken pôs-se rígido no mesmo instante. Atirou o cigarro fora para ficar com as mãos livres.
Esperou.
Três cavaleiros desembocaram na Main Street e detiveram-se diante do «salon». Desmontaram. Um estremecimento percorreu Ken Clayton dos calcanhares à nuca.
Sidney, Zachary e Lionel Scott. Os três ...por fim.
Entraram no «saloon». Ken empurrou o cinturão para baixo, deu uma palmada no chapéu para o segurar melhor e atravessou a rua. Trazia a estrela guardada. De súbito, a seu lado, surgiu de carabina aperrada um habitante da terra, talvez disposto a ajudá-lo. O «saloon» estava muito animado.
Os clientes empurravam-se uns aos outros para arranjar lugar ao balcão e alguns encontravam-se um tanto bebidos. Quatro ou cinco raparigas andavam de um lado para o outro, incitando os homens a beber mais ou a beberem o mais caro.
Ken abriu caminho entre uns e outros, até os três irmãos Scott ficarem no seu campo visual. Pensando talvez melhor, o tal tipo armado' não entrara. Estavam numa das mesas e riam como loucos. Uma das raparigas trouxera-lhes uma garrafa de uísque e entretinha-se a fazê-los beber de jacto, com o consequente desperdício de liquido.
Ken voltou a empurrar o cinturão para baixo e avançou outro passo. O brilho dos seus olhos, a sua atitude, eram inconfundíveis.
Os fregueses que se encontravam mais perto emudeceram. Pouco a pouco, o silêncio foi-se estendendo sobre o «saloon», até não se ouvir nem o voo de uma mosca. A luz dava em cheio na estrela do xerife, que Clayton voltara a pôr, e arrancava-lhe reflexos prateados.
Os três irmãos acabaram por virar a cabeça.
Sidney empalideceu. Zachary pôs-se vermelho. Lionel procurou dizer qualquer coisa, mas a voz não lhe saiu da garganta. Ken avançou um passo mais, ficou diante deles e sorriu com a mesma espécie de sorriso que poderia utilizar um lobo perante meia dúzia de cordeiros indefesos.
—Olá, rapazes.
Toda a Preston sabia que os três irmãos Scott não temiam nada. Os seus desejos eram leis que os demais haviam de cumprir. Mas, de súbito, os três pareceram encolher-se até se converterem em três seres diminutos e tímidos. Como se fossem coelhinhos brancos.
Ken continuava a sorrir, como se o sorriso se tivesse imobilizado no seu rosto duro.
— Não têm nada a dizer?
Foi Sidney quem reagiu primeiro. Ergueu a garrafa de uísque para Ken, como se brindasse, e disse:
— Olá, Ken
Não chegou a beber. Ressoou um estampido e a garrafa saltou em mil pedaços sem que a mão que a sustinha sofresse o menor dano. Ken Clayton soprou o cano do seu 38 e comentou, enquanto o metia no coldre:
— Não é bonito isso de beber sem convidar as pessoas, Sid. Poderia aborrecer-me.
Sidney pôs-se mais pálido ainda. Zachary passou a língua pelos lábios e logrou articular:
— Mas agora não estamos na Florida.
— Claro. — Os olhos de Ken chispavam. — Estamos em Idaho e aqui as pessoas resolvem os assuntos a tiro. É como têm procedido até agora vocês, não?
— Ken Clayton não podes prender-nos por um caso ocorrido na Florida. As leis constitucionais...
— Sei muito bem o que diz a Constituição. Sei-a de memória, se a informação te serve para alguma coisa.
— Então...
— Ainda não terminei, Zachary Scott. Eu deveria matar os três como cães pelo que fizeram de Akasheeta. Converteram-no num pistoleiro ao envolverem-no no assalto ao Banco de Tallahasse. E quando quis voltar ao bom caminho era demasiado tarde, havia cartazes com o seu nome e era considerado por todos um pistoleiro. Benjamin Thorn procurou prendê-lo e Akasheeta matou-o. Não o culpe a ele. Era a única coisa que podia fazer nas suas circunstâncias. Portanto, a culpa é de vocês, ele seria a estas horas o mesmo que sempre foi. E eu não me teria visto obrigado a matá-lo.
Os três Scott entreolharam-se e Lionel murmurou:
— É verdade que o mataste, Ken?
— Ao mesmo tempo que a ele, sentenciei vocês. Não só por serem os culpados da sua morte, mas, também porque, além disso, sou o xerife de Preston e vocês estão a perturbar a ordem da povoação com constantes tiroteios. As pessoas honestas têm direito a sair a porta da sua casa sem perigo de receberem um tiro. De modo que...
— Não nos matarás! — gritou Lionel, histericamente.
Ken olhou-o um momento. Apenas um momento, mas foi o mesmo que se o tivesse traspassado. Lionel teve a sensação de que aquele olhar escorria por si como um jorro de óleo.
— Não os vou matar, Lionel. Isso seria muito cómodo para vocês. Vou prendê-los e conservá-los numa cela até que certas pessoas da Florida se encarreguem de vocês. Cometeram crimes bastantes para serem enforcados. Mas enquanto os não enforcam pensarão cada dia na sorte que os espera e morrerão mil vezes antes que os pendurem verdadeiramente. Essa será a minha vingança.
Houve um silêncio enorme em torno. Os homens contemplavam a cena sem se atreverem sequer a pestanejar. Dois minutos. De súbito, os três Scott entraram em ação ao mesmo tempo. Ken esperava que o fizessem. Esperava-o desde o principio da cena. Por isso, aquela brusca reação não o apanhou desprevenido.
Era preciso muito mais para apanhar Ken desprevenido.
Saltou para trás enquanto sacava os dois «38». Ao saírem dos coldres, os dois revólveres já estavam prontos a disparar. Soou um estampido. A bala fora disparada por Lionel Scott, o mais rápido dos três. Ken sentiu-a zumbir sobre a sua cabeça, inofensiva.
Antes que Lionel pudesse corrigir a pontaria, disparou. O projétil do 38 atingiu o mais novo dos Scott entre os olhos, matando-o instantaneamente. Ainda não chegara ao solo e já Ken se virava para os outros dois, que haviam empunhado os revólveres naquele breve décimo de segundo.
O «saloon» encheu-se de fumo e de tiros. Uma bala passou junto do rosto de Ken, marcando-lhe um sulco vermelho na face. Ken sentiu intenso calor naquele sitio, mas não fez caso.
O seu «38» do lado esquerdo apontava à figura de Zachary Scott, implacável. O tiro atingiu-o no meio da cara, atirou-o para trás e matou-o no mesmo instante.
Saltou em seguida para a esquerda, esquivando-se por centímetros à bala de Sidney. Disparou pela terceira vez e o revólver do último Scott saltou pelo ar e ficou a seis metros de distância, destroçado.
Reinou de novo o silêncio.
A pausa tornou-se tão prolongada e densa que alguns dos presentes chegaram a crer que durou vários minutos. No entanto, foram só dez segundos. Ken recarregou os revólveres calmamente, sem perder Sidney de vista. Depois, disse devagar:
— Um Scott pelo menos tem de chegar à forca. Toca a andar. E cuidado com os truques. Sei-os todos e não te serviriam de nada.
Sidney Scott começou a caminhar em direção a porta, aparentemente dócil. Mas o seu corpo estava tenso. Ao chegar perto do guarda-vento, virou-se como um raio e atirou-se a Ken com toda a força de que foi capaz.
Ken possuía reflexos muito rápidos.
Rapidíssimos.
Demonstrou-o afastando-se para um lado e estendendo o pé direito. Sidney, levado pelo seu próprio impulso, tropeçou e seguiu a cambalear até ao extremo contrário do «saloon», onde o comprido balcão lhe conteve bruscamente a corrida. Antes que pudesse fazer qualquer coisa, Ken alcançou-o em duas passadas e ergueu-o 2m peso pelo colete.
— Deveria matar-te. Mas não o conseguirás.
Ergueu a mão e deu-lhe um murro. Ken tinha uns punhos que pareciam marretas de ferreiro. Foi o que Sidney verificou assim que o punho do xerife o mandou para a região dos sonhos de modo definitivo.
— Idiota — disse devagar, olhando o corpo caído a seus pés.
Carregou-o ao ombro como um boneco e saiu do «saloon». Atrás de si continuava a reinar um silêncio tumular.

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