sábado, 17 de março de 2018

BIS160.04 Raptadas pelos índios

Nora dirigiu um olhar rancoroso à sobrinha de Morales enquanto a jovem se dispunha a servir-lhes o pequeno--almoço na ampla sala de jantar da vivenda.
Admirou-se de não ver Hal a fazer-lhes companhia, mas preferiu não formular qualquer pergunta a esse respeito. Não queria que a rapariga pudesse suspeitar do que Hal Cargan significava para ela. Mas conteve a própria respiração para melhor ouvir a resposta quando sua mãe inquiriu pelo paradeiro do improvisado guia.
— Saiu de madrugada para estudar o terreno.
— Estudar o terreno?
— A cinco milhas daqui há um. barranco. Atravessando-o, poupam-se quase dois dias de marcha. Mas no período das chuvas o barranco é praticamente infranqueável. A água desce com impetuosidade e corre-se o risco de se ser arrastado pela corrente. Anteontem não choveu por aí além, sobretudo para quem já assistiu a verdadeiros dilúvios, mas Hal queria ter a certeza de que a passagem estaria livre antes de empreender a marcha. Não tardará a regressar.
Um dos vaqueiros penetrou na sala de jantar, dirigindo-se a Lola com expressão um tanto alarmada.
— Vêm aí Pringo e os seus dois amigos.
— Outra vez esses coiotes?
— Fecho a porta e impeço-lhes a entrada?
— Isso com eles não dá resultado. Seriam capazes de a fazer saltar a dinamite. Deixa-os entrar. Pode ser que não venham para criar sarilhos.
No pátio, ouviram-se fortes gargalhadas. Seguiu-se o ruído de um tilintar de esporas quando os homens subiram os degraus e penetraram na sala de jantar.
As três mulheres olharam com receio para o sinistro trio.
O rosto de Pringo estava atravessado por uma cicatriz que lhe ia da têmpora direita às comissuras dos lábios. Usava os coldres muito baixos, assim como os seus dois companheiros, também de péssimas cataduras.
— Não sabia que tinhas uma companhia tão estupenda, Lola — disse Pringo, pousando em Nora um olhar de desejo.
— Porque não tentas ao menos uma vez portares-te como uma pessoa civilizada? — replicou a jovem com serenidade.
Pringo riu com vontade, avançando para ela.
- És muito severa, Lola. Demasiado severa para uma rapariga tão linda como tu.
— E tu não passas de um bicho repugnante.
— O que pensa você a esse respeito? — perguntou, rindo-se, a Nora.
A jovem tentou conservar o seu sangue-frio ao dar a resposta:
— Não gosto de emitir juízos precipitados.
— Uma resposta prudente.
Nora fez um leve sinal a sua mãe, pondo-se em pé.
— Lamento, senhor. Temos de ir arranjar-nos para...
— Nada disso — interrompeu o sinistro visitante. —Nunca lhe disseram que tem o tipo de lábios que todo o homem desejaria beijar?
— É possível.
— E não ouviu dizer que quando Pringo deseja uma coisa acaba sempre por a obter?
— A única coisa que ouvi dizer até agora a seu respeito é que você não passa de um bicho repugnante.
—E eu vou demonstrar-lhe o contrário.
Nora lutou com o nojento indivíduo quando este a enlaçou pela cintura, atraindo-a para si. Lágrimas de impotência começaram a brotar dos seus olhos ao verificar que não podia impedir os propósitos de Pringo.
Lançou a cabeça para o lado com repugnância ao sentir no seu rosto a respiração fétida do homem. Viu sua mãe imobilizada por um dos companheiros de Pringo e Lola a lutar para fugir às manápulas do outro, que a prendia pelos pulsos.
Ninguém se apercebeu da chegada de Hal Cargan, cuja figura maciça acabava de recortar-se no umbral.
— Eu, no teu lugar, não tentaria fazer isso.
Os olhares de todos os ocupantes da sala de jantar convergiram para o jovem, que mantinha as pernas ligeiramente arqueadas e os polegares introduzidos no amplo cinturão-cartucheira. Pringo soltou a rapariga e voltou-se para Hal.
—É a segunda vez que te atravessas no meu caminho pronunciou com ódio. — Creio que vão sendo horas de alguém te ensinar a não meteres o nariz onde não és chamado.
— Tens azar, Pringo. Tu és o único que está' a mais. Aliás, a tua missão no mundo não está muito definida. Encontro-te sempre a mais para onde quer que me dirija.
— Deixa a língua quieta, Hal. O falar muito é próprio das mulheres e dos charlatães. Os homens entendem-se melhor com os «Colts» nas mãos.
— Não percas a coragem, Pringo. Para a frente.
Hal deixou que o seu adversário fosse o primeiro a tocar nas coronhas. Os olhos de Pringo quase saltaram das órbitras ao ver brotar o primeiro fogacho do flanco do jovem antes que ele tivesse acabado de sacar as suas próprias armas.
Sentiu o chumbo a penetrar-lhe no peito e a dor arrancou-lhe um gemido da garganta. Rodou levemente sobre os calcanhares e tombou no solo. Hal voltou-se para os dois companheiros do morto que olhavam para o jovem com expressão atónita.
— Algum de vocês tem algo a objetar?
Ambos abanaram a cabeça em sinal negativo. Pringo vencia-os a ambos com relativa facilidade e Hal Cargan havia vencido Pringo. Era um pormenor mais do que suficiente para tornar prudente qualquer um.
— Apanhai o vosso amigo e levai-o para longe daqui. Pringo sentia-se atraído pela montanha. Será um bom sítio para descansar eternamente.
*
Atravessaram o barranco sem grandes dificuldades, avançando por um terreno desigual, onde várias vezes tiveram de apear-se para ajudarem os cavalos a libertarem as viaturas dos lamaçais. Pararam o tempo preciso para comer, empreendendo em seguida a marcha a toda a velocidade que lhes permitia o estado do terreno. Hal pôs o seu cavalo ao lado dos do carromato que a jovem conduzia e passou para a boleia.
— Se não surgirem novos obstáculos chegaremos ao anoitecer a uma estação de mudas de animais.
— Passa alguma diligência por lá?
— Não. Pertence ao serviço dos correios. Têm cavalos preparados para render as velozes montadas dos homens que desempenham tal missão.
Nora deixou decorrer uma breve pausa antes de dizer:
— Creio que ainda não te agradeci a tua oportuna intervenção desta manhã. Não devemos falar mal dos mortos, mas esse Pringo pareceu-me um perfeito selvagem.
— Era-o, de facto.
— Disse que era a segunda vez que te atravessavas no seu caminho. Qual foi a primeira?
— Outro assunto de saias.
Nora pôs-se subitamente séria ao recordar a cena da noite anterior.
— Conheces Lola há muito tempo?
— Há um par de anos.
— Parece gostar muito de ti.
-- Tanto como eu dela. É uma boa pequena.
A jovem voltou a sentir ciúmes.
— É... tua noiva?
— Ainda não.
— Pois ontem à noite...
Deteve-se ao dar-se conta de que se havia traído.
— Que se passou ontem à noite?
— Nada. Não tem importância. Pensaste alguma vez em casar-te com ela?
—A que vem esse interrogatório, Nora?
— Simples curiosidade minha. Pareceu-me que entre ti e ela existe algo mais do que uma simples amizade e já sabes como nós, as mulheres, somos. –
- Compreendo.
— Como a conheceste, Hal?
— O meu pai e eu fomos por casualidade parar a casa dos Morales. E deparámos com uma cena parecida com a desta manhã. A rapariga era Lola e o fanfarrão de serviço era David Hayden. Não o matei. Limitei-me a arrancar-lhe o revólver da mão. Jurou que se vingaria na próxima vez que nos encontrássemos. Não o voltei a ver desde então.
Uma chispa de recôndito temor brilhou por um instante nas pupilas de Nora.
-- Ouvi falar de David Hayden. Parece ser o chefe de uma quadrilha de bandidos.
— Exatamente.
— Disseram-nos várias vezes que seria fácil toparmos com ele no nosso caminho para Prescou. Que se passará se isso acontecer?
— Que um dos dois sofra uma indigestão de chumbo. A jovem teve um estremecimento.
-- Nelson tinha razão — disse. — Esta rota é muito perigosa. Porque não nos desviamos para o norte, fazendo um rodeio?
— Teríamos primeiro de voltar para trás. E isso levar-nos-ia demasiado tempo. Seguiremos até ao fim, seja este qual for. E não te preocupes demasiado com o futuro. De um modo ou de outro, poderás casar-te com Geat Butte. Se cairmos em poder de Hayden, este limitar-se-á a pedir um grande resgate por vocês e nada mais. De qualquer forma, estareis seguras. Butte não se negará a largar o dinheiro desde que possa resgatar a sua futura mulherzinha.
— Poupa os sarcasmos, Hal. Se Hayden jurou vingar-se é mais do que certo que o fará se a ocasião se lhe apresentar.
Hal voltou a saltar para o seu cavalo, replicando:
— Não te preocupes por mim. E possível que a tua mãe e Butte se sintam mais tranquilos sabendo-me morto do que na Califórnia.
Hal usou as mãos a servir de pala e fixou o olhar na ténue coluna de fumo que se elevava no espaço no outro lado do ligeiro desnível de terreno.
— A estação de mudas — disse para as duas mulheres. — Esta noite passá-la-emos também debaixo de tecto.
Diana fustigou os cavalos' animada para ideia de achar uma cobertura mais segura do que a que lhes oferecia o toldo do carromato. E o otimismo pareceu contagiar Nora e os animais que compunham o tiro. Só o cavalo do jovem pareceu mostrar-se inquieto, espetando as ore-lhas e olfatando o ar continuamente.
— Parece que aconteceu algo de anormal — disse, Hal, como se falasse consigo mesmo. —
O que o faz pensar assim? — replicou Diana.
Hal limitou-se a apontar para o nobre animal.
— Não lhe ligue demasiado. Se as pessoas se enganam muitas vezes não há razão para que o mesmo não suceda com os animais.
O instinto do cavalo não havia falhado. Não adivinhava um perigo imediato, mas sim a tragédia que havia tido lugar na estação de mudas.
Hal franziu as sobrancelhas à vista do espetáculo que se ofereceu aos seus olhos ao atingir o cimo do pequeno desnível. O barracão e a cavalariça anexa ao mesmo eram um informe montão de troncos calcinados. A colunazita de fumo não se escapava da chaminé, mas sim dos restos fumegantes da construção.
— Que se terá passado, Hal? — inquiriu Nora, com um fio de voz.
—É mais do que certo que foram os «apaches» — replicou. — Vamos. Se esses malditos peles-vermelhas andarem por perto teremos de andar com pés de lã.
Detiveram-se diante das fumegantes ruínas e apearam-se os três. Uns metros para Oeste das ruínas, descobriram quatro corpos humanos estendidos no solo, braços e pernas abertas, presos pelos tornozelos e pelos pulsos a estacas cravadas no terreno.
Hal tirou o chapéu da cabeça e avançou lentamente para os cadáveres, seguido das duas mulheres. Os corpos, nus da cintura para cima, tinham claros sinais de haverem sido torturados.
Mas o que mais impressionou as duas mulheres de todo aquele trágico quadro foram as quatro cabeças escalpadas, mostrando as sangrentas marcas deixadas pela faca.
—É horrível — sussurrou Nora, afastando a vista do macabro quadro. — Porquê tanta sanha?
— Uma vez na tumba, tem pouca importância o que nos causou a morte.
— Não estou de acordo. Há uma grande diferença entre uma morte natural e uma morte que seja o fruto de uma violência. É indubitável que tem algo de patético a luta que os peles-vermelhas sustentam em defesa das terras e dos costumes que os seus antepassados lhes legaram. Mas estes actos de violência e selvagismo são inadmissíveis num homem, seja qual for a raça a que pertença.
— Os «apaches» são cruéis por natureza. Vamos; daremos sepultura a estes desgraçados. É a única coisa que podemos fazer por eles.
A noite caiu-lhes em cima antes que tivessem acabado de cobrir com pedras a superfície da profunda fossa, para evitar que a modesta e coletiva sepultura pudesse ser profanada pelas feras.
Diana construiu uma tosca cruz de madeira e Nora depositou sobre a sepultura um ramo de flores silvestres. A escassa claridade espalhada pelo candeeiro do carromato, Hal murmurou umas orações e umas emotivas frases de despedida aos homens que tinham partido para sempre.
Reiniciaram a marcha em silêncio, encaminhando-se para o bosque que se encontrava a oitocentos metros dali. Hal apagou o candeeiro e absteve-se de acender uma fogueira.
Jantaram o conteúdo de umas latas de conserva, iluminados tenuemente pela espectral claridade da lua, que se escondia a intervalos entre as nuvens que cruzavam rapidamente o céu. As mulheres quase não tocaram na comida. O pensamento dos quatro cadáveres ensanguentados obsessionava-as, e olhavam com certo sobressalto para todas as direções, de cada vez que os ramos se moviam impelidos pelo vento. Diana bebeu as últimas gotas de água que restavam no cantil.
— Não podemos estar sem água — disse o jovem. —Ternos de ir procurá-la. No interior da estação de mudas havia um poço. Esse é o motivo de não termos vindo mais prevenidos no que diz respeito a água. Pensava encher ali os cantis e os odres. Amanhã não encontraremos em todo o dia um simples riacho onde saciar a sede.
— Podemos aguentar um dia inteiro sem beber — disse Nora.
— Nem o sonhes. Quando o pó do caminho começar a penetrar nas nossas gargantas, parecer-nos-á que levamos fogo nelas.
— Nesse caso, que havemos de fazer?
— Não muito longe daqui há um regato.
— Podemos ir os três. Tenho medo de ficarmos sós. Não me importo de o confessar.
— A mim tão-pouco me agrada termos de nos separar, mesmo que seja por pouco tempo. Mas não temos outro remédio. O caminho é intransitável para as viaturas. Demorarei menos tempo se for sozinho.
Nora resignou-se. O jovem instalou no arção os cantis e os odres de pele, e tirando um revólver de coldre estendeu-o à rapariga.
— Desta vez está carregado — disse. — Procura não te deixares levar pelos nervos, mas não hesites em disparar ao menor sinal de perigo. Tem bem presente que um falso alarme pode acarretar-nos sérias consequências. Já tiveste ocasião de verificar como os «apaches» procedem com os vencidos.
Esporeou o cavalo e dirigiu-se para Oeste. Meia hora depois, saiu do vale subindo por uma longa pendente que conduzia à entrada de um desfiladeiro. Parou ali, contemplando o • caminho por onde havia chegado.
A sua vista surgiu o vale inteiro. Pôde vislumbrar a vertente oriental e grande parte da planície por cima das copas das árvores. As viaturas haviam ficado ocultas na espessura do bosque.
Saiu do desfiladeiro para a região superior, e olhou com cuidado para o estreito trilho que conduzia diretamente ao território índio. Ao longe, os purpúreos cumes de uma cadeia de montanhas imitavam um deserto na distância.
Um majestoso silêncio envolvia aquela região selvagem. Habituado ao silêncio e ao espaço, não experimentou nenhuma das sensações que a solidão desperta nas imaginações mais vivas.
Não obstante, dava-se conta de uma ligeira perturbação; uma indefinível apreensão que mais de uma vez o fez erguer-se na sela para observar com singular interesse os penhascos e os outeiros que o rodeavam.
Antes de empreender a descida da vertente que conduzia ao vale que se abria agora diante dele, inspecionou detidamente os arredores, tentando distinguir algum sinal de vida nas passagens ou nas clareiras naturais.
Espicaçava-o um inexplicável impulso de dar meia volta e regressar para junto das duas mulheres. E teve de invocar toda a sua força de vontade para vencer a estranha sensação e continuar para a frente.
Apesar de esquadrinhar repetidas vezes os horizontes em busca do invisível elemento perturbador, apenas pôde distinguir as características imutáveis da paisagem. Vislumbrou o reflexo da lua numa toalha de água e guiou o seu cavalo nessa direção sem deixar de vigiar com os olhos bem abertos o arvoredo e a densa vegetação rasteira que o rodeava.
O angustioso silêncio e a quietude de causar calafrios oprimiam-no com o seu peso intangível.
Procurou não se afastar demasiado da linha limite do bosque, reconhecendo assim, no seu foro intimo, que dava crédito aos seus temores. Compreendia que a sua intuição do perigo carecia de uma base definida para se justificar, já que não vira nem ouvira nada que provocasse tal apreensão.
No entanto, havia algo que sentia; a firme convicção de que era vigiado por pupilas invisíveis.
Desmontou junto do regato, permitindo que o cavalo saciasse a sua sede à vontade. Ajoelhou-se na margem, recolhendo com as mãos em concha um pouco do precioso liquido para beber, sem afastar a vista da espessura.
De súbito, ouviu o piar de uma coruja ao Sul do local em que se encontrava. Permaneceu tranquilamente ajoelhado, aparentando uma absoluta indiferença por tudo o que o rodeava. No entanto, havia percebido a nota humana no grito da ave.
Quando ouviu que outro piar respondia do lado Este, sorriu com ironia. Em seguida, outro sinal soou do lado Norte, após um curto intervalo, e finalmente outro, na mesma direção, mas mais afastado.
Os sinais eram diferentes, mas não deixavam margem para dúvidas. Por três dos lados havia índios. Era indubitável que o haviam seguido, ocultando-se nos outeiros e nas árvores, à espera do momento de se poderem aproximar sem ficarem a descoberto. Pensavam, sem dúvida, apanhá-lo mediante um laço silencioso ou caindo de improviso sobre ele.
Calculou que deveria tratar-se de um pequeno bando, pois de contrário tê-lo-iam atacado abertamente. Quatro ou cinco «bravos» em incursão de caça que deviam ter decidido convertê-lo numa peça a apanhar. Queriam apanhá-lo vivo, claro, e Hal sabia muito bem o que aquilo significava.
A sensação de incerteza desapareceu à vista do perigo definido que teria de combater. A sua única preocupação referia-se agora às duas mulheres que esperavam o seu regresso.
Perguntou a si mesmo se os «apaches» teriam descoberto as duas viaturas ou se o julgariam, pelo contrário, um viajante solitário. Contou os sinais, calculou a distância e localizou os pontos ocupados pelos seus inimigos.
Eram quatro e estavam dispostos a esperar, como, aliás, supusera ao principio. Confirmava-o o facto de não se terem movido das suas primitivas posições desde que haviam lançado o primeiro sinal.
Sorriu. Se conseguisse avistá-los, a oculta ameaça terminaria subitamente. Mas sabia que isso era a única coisa que não fariam: deixarem-se ver. Encheu apenas os cantis e sentou-se numa rocha, enrolando um cigarro. Esperou assim pacientemente até que a lua se ocultou de súbito atrás de uma espessa camada de nuvens. Quando a escuridão se fez tão densa que ocultou aos
seus olhos as águas de regato, ergueu-se e aproximou-se da sua montada, acariciando-lhe o pescoço e murmurando-lhe palavras tranquilizadoras.
Deduziu que os índios deviam ter-se aproximado sorrateiramente porque havia algum tempo que tinham deixado de piar no bosque.
Tirou a carabina do coldre que havia na sela do seu cavalo e empreendeu a marcha a pé, levando o animal pela brida. Não montou, temendo que o seu peso fizesse ranger a sela e revelasse os seus movimentos aos Inimigos.
Meteu-se por um caminho arenoso que se dirigia para o principio da ladeira, escolhendo esse caminho porque a areia seca e profunda que cobria o solo não denunciaria o menor ruído produzido pelos cascos do nobre animal.
Não queria correr riscos desnecessários e muito menos indo em companhia de Nora e de sua mãe.
Os índios que o haviam descoberto deviam fazer parte talvez de um bando mais numeroso acampado em local mais distante, possivelmente o mesmo que destruíra as instalações da estação de mudas, e não achava graça nenhuma ao facto de ter de sustentar um encontro com um exército de peles-vermelhas.
Continuou a pé a subida da vertente e começou a acreditar que o êxito ia acompanhá-lo. Mas apenas havia percorrido metade do íngreme percurso quando a nuvem que ocultava a lua a deixou de novo a descoberto, trocando as trevas por uma áurea claridade difusa. Deitou então a correr, fazendo quase galopar a sua montada.
Uma língua de fogo avermelhado rasgou o vale subitamente e uma bala passou a assobiar sobre a sua cabeça.
Ao atingir a crista, montou rapidamente, lançando o seu cavalo a galope em direção contrária à que havia seguido para chegar ali.
O terreno não oferecia proteção alguma e cavalgou com a carabina sobre os joelhos sem deixar de procurar com a vista um local ideal para fazer frente aos seus perseguidores. Eram quatro e podiam cercá-lo num instante. E a recordação dos quatro homens barbaramente
torturados pelos «apaches» fê-lo experimentar uma fria determinação de matar.
Os índios haviam ficado agora a uma distância de mais de meio quilómetro, deixados para trás durante a longa corrida pela vertente.
A menos de trezentos metros divisou uns penhascos, que constituíram o seu imediato objetivo. Estavam situados na base de um outeiro e ofereciam uma proteção bastante aceitável. E do lado de lã das rochas e do outeiro ficava o bosque onde deixara Diana e Nora Norton.
Considerou a situação serenamente e decidiu valer-se de um estratagema.
Quando o caminho o levou à parte de trás de uma enorme escarpa rochosa, ocultando-o aos «apaches», deixou-se cair da sela sem deter o cavalo, fustigou-o em direção ao desfiladeiro próximo e correu para a parte mais recortada da escarpa.
Esperava que os índios não se apercebessem do logro.
O cavalo teve de atravessar várias formações rochosas para alcançar o desfiladeiro e as sombras tapavam em parte a sua silhueta.
Apoiou a carabina na rocha que lhe servia de parapeito e esperou pacientemente.
O primeiro «bravo» desviou-se com vivacidade da primeira rocha que lhe saiu ao caminho e deteve-se junto da parede rochosa, fazendo violentos gestos aos seus atrasados companheiros.
Parecia recear uma emboscada. Ou talvez não tivesse coragem suficiente para penetrar sozinho na garganta.
Hal não disparou, embora o bronzeado corpo oferecesse um alvo perfeito à luz da lua, e esperou a chegada dos outros três «bravos». Quando se juntaram, e enquanto gesticulavam a apontar para o desfiladeiro, apontou para o que parecia ser o cabecilha e apertou o gatilho.
Não se entreteve a ver cair o seu inimigo. Teria podido dizer com exatidão onde a bala acertara. Voltou a disparar, alterando ligeiramente a pontaria. Não pôde colocar o terceiro projétil porque os dois restantes selvagens lançaram os seus pequenos e possantes cavalos a todo o galope, protegendo os seus corpos com os dos animais.
Matou um dos cavalos e viu-o dobrar as mãos e lançar o seu cavaleiro por cima das orelhas. Fez fogo contra o homem derrubado, mas errou o tiro, dando lugar a que o selvagem pudesse ocultar-se atrás do corpo rígido da sua montada, depois de correr de gatas pelo solo.
O quarto índio havia desaparecido da sua vista. E compreendeu que eram muito escassas as possibilidades de segurança que a escarpa podia continuar a oferecer-lhe. Não temia o índio entrincheirado por detrás da montada morta, mas o outro podia aproximar-se silenciosamente até o ter à sua mercê. Bateu em retirada em direção ao outeiro, tendo o cuidado de verificar que as irregularidades do terreno se interpunham sempre entre o índio e ele. Acolheu-se à proteção de uma grande rocha e examinou a proteção da escarpa que acabava de abandonar, mas não pôde divisar o outro em parte alguma.
Penetrou no bosque com rapidez, sem deixar de observar os arredores em busca dos seus inimigos.
Agora que havia conseguido ocultar-se e os índios se viam obrigados a procurá-lo, a luz da lua era uma clara vantagem a seu favor.
Meteu-se de gatas num denso maciço de macelas e ficou de atalaia, com os ouvidos bem abertos para recolherem o mais leve rumor que pudesse quebrar o profundo e sombrio silêncio do bosque, consciente de que a sua vida dependia exclusivamente da sua vigilância.
Devia ter decorrido um quarto de hora quando ouviu um ruído proveniente do arvoredo, do lado do desfiladeiro. O ruído aproximou-se, convertendo-se num partir de ramos e num forte roçar de folhagem, como se uma grande mole atravessasse a cerrada vegetação.
Em seguida, percebeu as inconfundíveis pisadas de um cavalo. Quando o animal atravessou uma clareira banhada pela lua, viu com surpresa que era a sua própria montada. Com a cabeça erguida, vinha diretamente na sua direção, como se adivinhasse o lugar onde o seu dono se encontrava.
Viu-o, de repente, espantar-se ao passar junto de umas moitas. Relinchou de terror e escoiceou com fúria algo escondido entre a vegetação. E esse «algo> era um índio.
Enfurecido pelo súbito ataque do cavalo, o «apache» pôs-se de pé. A luz da lua banhou o seu corpo bronzeado por um período infinitamente pequeno, mas foi o suficiente para Hal o ferir mortalmente. O índio caiu de bruços com o curioso esbracejar que acompanha a morte inesperada.
Antes que tivesse tempo de voltar a estender-se no solo, dentro do maciço, um balázio disparado à sua retaguarda entrou-lhe próximo da axila, intumescendo-lhe todos os músculos do corpo.
Custou-lhe um grande esforço mudar de posição para ficar a olhar para o ponto de onde soara o disparo. Permaneceu imóvel durante vários minutos a despeito de sentir a violência com que o sangue brotava da ferida que tinha nas costas.
As detonações haviam sobressaltado o cavalo, que se perdeu da sua vista ao internar-se no bosque mais para o Norte do sitio por onde surgira. Cansou-se de esquadrinhar a vegetação sem ver nada que acusasse a presença do adversário. Até que um leve rumor soou atrás de si. Tanto podia tratar-se de um sopro de ar como do roçar de uns mocassins sobre a erva.
Ao voltar rapidamente a cabeça divisou o corpo bronzeado do seu inimigo a menos de dez passos de distância. O seu rosto, horrivelmente pintado, estava ligeiramente de perfil, olhando para este. Dispunha-se a cair sobre Hal, julgando-o morto ou gravemente ferido, quando algum som procedente dessa direção chamara poderosamente a sua atenção.
Hal torceu o corpo, dominando o intumescimento dos seus músculos mediante um esforço heroico, deitando simultaneamente a carabina à cara. O «bravo» tentou proteger-se atrás do tronco de uma árvore ao ouvir o movimento do jovem, mas a sua reação foi tardia. O projétil entrou-lhe no centro da testa e projetou-o para trás.
Hal, cambaleando, abandonou o maciço. Olhou na direção para a qual o índio estivera a olhar antes da morte o surpreender, e o que ouviu fê-lo dar um salto.
Até ele chegaram perfeitamente audíveis os estampidos de um «Colt 45». Estava disposto a jurar que o revólver que disparava era aquele que ele havia entregado a Nora segundos antes de se afastar à procura da água.
Compreendeu o que estava a acontecer no outro lado do bosque, ao divisar entre as árvores reflexos avermelhados na parte em que haviam ficado as viaturas. Manipulou a alavanca de alimentação da sua carabina, introduzindo outro projétil na câmara, e deitou a correr.
Sentiu um estranho vazio no seu interior à vista das duas viaturas transformadas em imponentes fogueiras. As lonas já haviam sido consumidas pelas chamas e os raios das rodas davam de si ostensivamente.
Nora e Diana Norton haviam desaparecido.
Crispou os punhos de raiva ao pensar na sorte que aguardava as duas mulheres nas mãos dos cruéis «apaches». Examinou o solo à luz das longas línguas de fogo, estudando as pegadas deixadas em redor. O batido era composto por oito «bravos».
Os «apaches» haviam empreendido a retirada com as suas prisioneiras pela orla do bosque e não lhe foi difícil seguir a pista. Percorreu mais de um quilómetro antes de afrouxar o andamento.
Sentiu-se extremamente débil e cambaleou como um ébrio ao parar para olhar para trás. Havia perdido uma considerável quantidade de sangue e sentiu-se desfalecer por momentos. Só o pensamento das duas mulheres vinha perturbá-lo e fazê-lo sentir-se preocupado. Estava Convencido de que se não chegasse rapidamente a qualquer lugar onde pudesse ser socorrido, as suas horas de vida estariam contadas.
A situação não apresentaria tanta gravidade se pudesse reunir-se ao seu cavalo. Mas o animal devia estar tão fora do seu alcance como a lua que brilhava no céu.
Ao amanhecer, sentou-se num tronco a descansar. Achava-se à beira de uma profunda garganta, cujo fundo aparecia cheio de enormes rochedos e de emaranhada vegetação.
Abanou a cabeça com desalento ao considerar as acentuadas pendentes. Poderia descer, mas ser-lhe-ia impossível subir, a vertente oposta. Ao olhar para a crista da vertente em frente, um obstáculo intransponível para as suas forças diminuídas, ficou assombrado ao ver que oscilava com certa violência. Mas seria mesmo a crista que oscilava?
Decidiu desviar-se, descrevendo um amplo círculo para Oeste, receoso de perder o pé e cair no abismo se continuasse por aquele perigoso caminho. Porque de um modo ou de outro tinha de alcançar o lado oposto, já que as pegadas indicavam que os «apaches» haviam passado por ali.
Saiu do bosque quando o sol se erguia já bastante alto no horizonte e tentou orientar-se. Ao sentir que o sol lhe dava no rosto, caminhou na sua direção. O mundo inteiro oscilava diante dele enquanto percorria uma faixa arenosa despida de vegetação.
Houve momentos em que o céu pareceu pôr-se de lado ameaçando despenhar-se sobre a sua cabeça. E a areia não deixava de efetuar grotescas circunvoluções. Não deixou de dar-se conta de que eram apenas fantasias da sua mente e continuou a caminhar penosamente sem lhes conceder maior atenção.
Sentiu-se mais reanimado depois de beber longos golos de água num riacho que murmurava entre as rochas. E reanimou-o mais ainda o voltar a encontrar a pista dos captores das duas mulheres.
Com a mão esquerda apalpou a ferida do seu ombro direito. A hemorragia havia sido considerável e a camisa estava coberta de sangue coagulado.
A sensação de entumecimento produzida pelo choque da bala havia desaparecidos, mas o ombro doía-lhe fortemente.
Isso não o preocupava demasiado enquanto tivesse forças para continuará a caminhar, uma vez que a hemorragia havia cedido.
Esperou que o sol declinasse antes de se pôr de pé e de começar a seguir as pegadas que se dirigiam para o bosque que ficava para além da zona escarpada em que nesse momento se encontrava. A sua debilidade era extrema, mas o mundo já não oscilava diante dos seus olhos. O crepúsculo surpreendeu-o em pleno bosque.
A luz da lua revelou-lhe um trilho entre as árvores. Seguiu-o porque se dirigia para o Sul. Havia algum tempo que tinha deixado de notar as pegadas dos cavalos «apaches». Ignorava onde aquele trilho poderia conduzi-lo, mas os seus cansados músculos trabalhavam ali melhor do que no terreno cheio de obstáculos que havia trilhado até então.
E teve um pressentimento de que ia por bom caminho. O trilho subia uma longa ladeira. Para os seus músculos exaustos constituiu um trabalho bastante penoso, mas continuou até chegar a um planalto. Ali, voltou a rodeá-lo o arvoredo.
Ao olhar para trás, para o terreno que atravessara, a lua fez ressaltar a beleza natural da paisagem que ele não havia percebido. Continuou a avançar pela areia, com frequentes pausas para descansar.
O arvoredo tornou-se menos denso e era formado agora ria sua maioria por pinheiros e abetos, sinal de que se encontrava em sitio alto.
Voltara a cambalear. Deu-se conta de que havia ocasiões em que a sua mente não estava muito lúcida. Houve, inclusivamente, um momento em que viu John Cargan caminhar a seu lado com a cabeça inclinada. Falou com seu pai, que caminhava junto dele, taciturno, sem voltar a cabeça nem lhe responder.
— Já estamos outra vez juntos, velho — disse a seu pai. — Quantas saudades tenho de ti nestes últimos dias. E a mãe de Nora continua cabeçuda como sempre. Mas a rapariga gosta de mim. E tu não tens a culpa de nada. Bastante sofreste neste mundo. Porque não respondes? Mudaste muito, companheiro. Antigamente tinhas a língua bem solta, por que diabo não falas agora?
Mas John Cargan obstinava-se em não falar e continuava a caminhar, impávido, com os olhos fixos na areia.
A vereda serpenteava, descendo para um vale. Voltou a estar só outra vez. John Cargan havia desaparecido.
Apoiou-se ao tronco de uma árvore a meio da pronunciada ladeira, olhando à sua volta com estranheza. Deduziu que havia sofrido alucinações e o pormenor arrancou-lhe um sorriso.
— De forma que não havia ninguém — sussurrou; e acariciando a casca do ereto pinheiro a que se apoiava: — Bem; vós sois a minha única companhia. –Mais tarde, encontrou-se a lutar para abrir caminho por entre a vegetação rasteira e densa do fundo do vale, sem noção de como havia chegado até ali. Avançava sobre os joelhos e sobre a mão esquerda. A direita, sem
forças, arrastava-se.
Havia perdido todo o sentido de orientação e deixava-se guiar pelo quase impercetível trilho. De vez em quando perdia-o de vista e via-se obrigado a descrever enormes círculos até voltar a dar com ele.
Seria mais de meia-noite quando divisou as paredes de uma choça de troncos no centro de uma clareira que a lua iluminava.
As pernas dobraram-se-lhe de fraqueza enquanto batia à porta. Esta abriu-se subitamente ao soltar-se o ferrolho devido à pressão do seu corpo contra a folha de madeira, e Hal cambaleou e estendeu-se ao comprido no meio da habitação.
Permaneceu longo tempo imóvel, abalado pelo golpe.
Quando reuniu as forças suficientes para se soerguer, passeou o olhar por todos os cantos da cabana. Viu um leito de caruma a um canto e arrastou-se para ele.
Não o perturbou absolutamente nada o descarnado esqueleto estendido sobre o improvisado colchão. No crânio, junto ao buraco vazio onde outrora ficara o olho direito, um sinistro orifício explicava a causa da sua morte.
— Sinto muito, companheiro — murmurou, afastando-o para um lado para se estender sobre as agulhas de pinheiro. — A verdade é que me faz mais falta a mim do que a ti.
Apanhou com mãos febris o cantil que descansava junto do esqueleto, rindo com feroz alegria ao notar que não estava vazio. E alegrou-se de que fosse uísque o que o seu interior continha. Bebeu um longo trago, derramando parte do liquido sobre a ferida.
Encontrou-se muito melhor e pela primeira vez desde que recebera o balázio sentiu uma onda de otimismo sacudir as fibras mais sensíveis do seu ser. Demasiado cansado para se esforçar a pensar, abandonou-se à sua lassidão de rosto para o tecto.
Quando muito mais tarde abriu os olhos, ouviu um ruído que o sobressaltou...
Cascos de cavalos a golpearem o solo. Ficou quieto ao verificar que se aproximavam devagar. Detiveram-se perto e até aos seus ouvidos chegou um rumor de vozes. Retesou o corpo subitamente ao reconhecer o idioma gutural dos «apaches».
Levantou-se com presteza, observando pelos interstícios da porta. Estava tranquilo e os seus sentidos obedeciam-lhe. Uma pequena tensão no braço direito era de momento a única recordação do balázio.
A ferida doía-lhe um pouco, mas sem pontadas, sinal de que não estava infetada. Esteve a ponto de lançar um grito de júbilo ao reconhecer Nora e sua mãe nas duas mulheres que os «apaches» obrigavam a saltar dos cavalos. Tinha-se adiantado aos seus perseguidores.
Haviam-se, sem dúvida, atrasado por esperarem a chegada dos quatro índios que ele liquidara. Todos eles deviam fazer parte de um grupo de caça, que regressavam aos seus lares para se reunirem ao grosso da tribo.
Considerou rapidamente a situação, esboçando mentalmente um plano a seguir para resgatar as duas mulheres. Seria derrotado numa luta a peito descoberto.
Oito guerreiros adestrados na luta corpo a corpo eram um obstáculo insuperável para as suas forças, um tanto diminuídas por causa do sangue perdido. Tinha, pois, de valer-se da astúcia. Imitar o proceder deles e ir eliminando-os um a um antes que penetrassem completamente no seu próprio território.
Não deixou de notar os olhares de desconfiança que os índios dirigiam à cabana. Por fim, um deles destacou-se do grupo, avançando cautelosamente para a desconjuntada cabana.
Hal encostou-se à parede, junto à porta, apoiando a carabina no solo. Empunhou a longa faca de mato e aguardou a chegada do «apache». A porta ocultou-o aos olhos do recém-chegado, que se deteve no centro do compartimento pousando o olhar no esqueleto. Tentou voltar-se ao ouvir o ruído da porta ao ser fechada com violência. Hal não lhe deu tempo para reagir. Oprimiu a sua mão contra a boca do «apache» para o impedir de gritar e cravou-lhe o joelho nos rins, dobrando-o para trás. Antes que o índio conseguisse sair do seu atordoamento, Cargon seccionou-lhe a jugular com um golpe certeiro.
Saltou pela estreita janela situada na parede em frente à porta, correndo para o vizinho aglomerado de rochedos que se estendia quase até ao meio da íngreme vertente fronteira, procurando que a cabana se interpusesse entre ele e os restantes «apaches» que constituíam o bando.
Escondeu-se atrás de uma enorme pedra de aguçadas arestas e observou o campo. Não viu sinal dos seus inimigos e aproveitou para atingir uma posição mais elevada da qual dominava toda a clareira.
Os peles-vermelhas pareciam discutir acaloradamente. Por fim, um deles separou-se do grupo e caminhou com precaução para a cabana. Saiu pouco depois, gesticulando excitadamente. A morte do seu companheiro devia ter-lhe parecido coisa de feitiçaria. O que parecia dirigir o grupo aproximou-se dele e penetrou na cabana. Tardou um bom bocado a sair. Quando o fez, deu a volta à choça, examinando o solo com atenção.
Hal preparou-se para a luta ao verificar que o índio havia descoberto as suas pegadas.
Ouviu-o a dar ordens em tom seco e perentório, em resposta às quais dois dos índios conduziram as mulheres para o bosque, avançando os cinco restantes para o local onde havia permanecido escondido ao principio.
Centrou o ponto de mira no peito do cacique e puxou o gatilho. O índio fez uma estranha pirueta ao sentir o impacto do chumbo e tombou no solo como um boneco desarticulado. Os «apaches» desataram aos gritos, correndo para a formação rochosa. Abateu outro, caçando-o no ar quando saltava para se proteger atrás de uma rocha. O salto ficou interrompido a meio da sua trajetória e o «apache» caiu de lado sobre as pedras, onde ficou inerte.
Perdeu de vista os três restantes e moveu-se em silêncio para uma posição mais vantajosa.
Mal havia alcançado a proteção de uma rocha quando percebeu o rolar de pequenas pedras uns metros abaixo dele. Assomou a cabeça com precaução, vislumbrando as pontas das penas de um capacete guerreiro que sobressaiam por debaixo de uma espécie de terraço natural. Apoiou as costas na pedra escolhida como parapeito e fez pressão sobre ela. A rocha rolou pela ladeira abaixo, arrastando outras até formarem uma verdadeira torrente. O grito de agonia do «apache» sobrepôs-se ao estrépito da avalancha.
Hal mudou de posição, fugindo dos moscardos de chumbo que um dos índios lhe enviava do lado de baixo. Disparou três vezes consecutivas nessa direção, silenciando-o momentaneamente.
Permaneceu atordoado durante alguns instantes ao notar como a carabina lhe era arrebatada das mãos com violência por uma grande pedra lançada com extraordinária habilidade. Empunhou a faca ao ver o índio que se lançava sobre ele esgrimindo a sua carabina à laia de maça. Arremessou a faca ao seu feroz inimigo, cravando-lha no peito até ao cabo.
Porém, ao pôr-se em pé para recuperar a sua arma, sentiu o roçar de um projétil na sua têmpora direita. Deixou-se cair de costas após soltar um grito, e rolou até urna pronunciada saliência rochosa. Ali, permaneceu imóvel, escutando as pisadas do índio que se aproximava para recolher o seu troféu de guerra.
Hal deixou que o pele-vermelha lhe atenazasse os cabelos com a mão esquerda e aproximasse a destra armada de uma faca, até sentir o frio roçar do metal na sua fronte. Então, enclavinhou as suas mãos à volta dos pulsos do seu antagonista, torcendo rapidamente o corpo. Apoiou ambos os pés no estômago do índio e fletiu as pernas, projetando-o no vácuo. O «apache» voou pelos ares como se houvesse sido impulsionado por uma catapulta e rolou pela íngreme ladeira. Quando, por fim, se deteve, numa grotesca posição, sobre um leito de calhaus, a sua cabeça havia sido materialmente destruída pelas afiadas arestas.
Hal apressou-se a recuperar a sua carabina e a descer à clareira, correndo inclinado para a frente em direção ao bosque; nem os projéteis, que os «apaches» encarregados das duas mulheres dispararam sobre ele o fizeram parar. Internou-se entre as árvores, caminhando silenciosamente ao encontro dos seus adversários.
De súbito, elevou-se a voz de Nora gritando um aviso:
— Cuidado, Hal! Um dos índios subiu...
A frase foi cortada bruscamente, sendo substituída por um grito de dor. O jovem abandonou todas as precauções, sublevado pelo castigo de que tinham feito vítima Nora Norton. Empunhou o «Colt» e correu para o lugar onde havia soado o grito da rapariga.
Deteve-se subitamente ao ouvir um roçar de ramos e de folhas sobre a sua cabeça. Antes que tivesse tempo de evitar o ataque, o «apache» caiu sobre ele do alto da árvore, rolando os dois pelo solo.
Levantou-se rapidamente e lançou-se em voo contra o seu inimigo. Mas o índio rolou sobre si próprio com vertiginosa rapidez e o jovem foi aterrar de bruços no duro solo. Antes que acabasse de se recompor, as mãos do «apache» fecharam-se à volta do seu pescoço, apertando-o de forma implacável. Tentou vencer a resistência dos hercúleos braços ao sentir os primeiros sintomas de asfixia.
Compreendendo que não adiantaria nada por esse processo, chamou a si todas as suas forças, quando a garganta já lhe ardia dolorosamente devido à terrível pressão e a vista começava a nublar-se-lhe, e conseguindo elevar as pernas e parte do tronco logrou fazer desequilibrar o «apache», que se viu obrigado a soltar o pescoço do seu adversário.
O índio caiu de cabeça para a frente, mas levantou-se com a agilidade de um gato selvagem. No entanto, Hal não perdera tempo, e embora ofegante preparou-se para defrontar o «apache», que havia empunhado uma faca de mato de longa e afiada folha.
Esquivou o primeiro ataque, saltando para o lado e rasteirando simultaneamente o seu adversário. O «apache» precipitou-se de bruços no solo, revolvendo-se como uma enguia. Mas, desta feita, Hal foi mais rápido do que ele. Atenazou-lhe a mão armada, impulsionando-a com terrível força contra o corpo bronzeado.
Quando a arma penetrou no ventre do índio, o jovem obrigou-o a mover a mão de forma que a folha deslizasse para um e outro lado, seccionando-lhe os intestinos. O índio inclinou a cabeça com um último estertor agónico e Hal levantou-se, limpando o suor que lhe perlava a fronte com as costas da mão. Imobilizou-se ao ouvir atrás de si um grito gutural.
Deu de caras com o único sobrevivente do grupo de «bravos», o qual apontava diretamente para o seu peito o longo cano da sua própria «Winchester». Pela leve contração do seu rosto pintado compreendeu que se dispunha a disparar.
A detonação soou como uma chicotada no interior do bosque.
Hal olhou assombrado para o índio, ao vê-lo exibir um ricto de dor infinita. Tardou um bocado a dar-se conta de que o disparo não havia sido feito pela carabina que o «apache» empunhava. O índio tombou de cara para o solo. Nas suas costas, à altura do coração, uma mancha vermelha ia-se estendendo lentamente.
O jovem correu para o lugar onde Nora permanecia tombada no solo, uns metros mais atrás do «apache» atingindo. Tinha os tornozelos e os pulsos amarrados, mas as cordas não e haviam impedido de disparar o «Colt» que o rapaz lhe deixara para se defender de um possível ataque. Do negro cano do revólver escapava-se uma espiral de fumo.
Hal apressou-se a libertá-la das cordas. Os jovens uniram-se num estreito abraço, apoiando Nora o rosto no peito forte do homem. Cargan apertou-a mais fortemente entre os braços e pousou os seus lábios nos sedosos cabelos da rapariga ao senti-la soluçar.
— Acalma-te, Nora. O pior já passou. –
- Matei um homem, Hal. É horrível.
— Procura não pensar nisso. Essa sensação passará depressa. Eu despachei sete e penso dormir esta noite como um bem-aventurado. Salvaste-me a vida.
— E tu arriscaste a tua para nos salvar. Estavas nessa choça quando chegámos. Como conseguiste chegar até aqui primeiro do que os selvagens?
— Foi por acaso, Nora. Fez-lhe um resumo dos acontecimentos desde o instante em que se haviam separado até à chegada dos índios que as traziam prisioneiras.
— Estás ferido, Hal — disse em tom emocionado quando o jovem acabou o seu relato. — Apesar disso, percorreste uma grande distância a pé e quase sem forças, para nos libertar. Porquê, Hal?
— Não tem importância. E não quero dizer-te porquê.
— Teria sido fácil fugires e chegares são e salvo à Califórnia, sem mais contratempos. Porque foi que em lugar de o fazeres, arriscaste dessa forma a tua vida para nos salvar das garras dos «apaches»?
— Porque te amo. Jamais consegui esquecer-te e... Bom; já está dito. Mas tu estás noiva de Geat Butte.
— Geat Butte e o seu rancho não me interessam para nada. Porque eu também te amo, Hal. Sempre te amei. Passei um medo terrível quando os «apaches» nos atacaram. Apesar de tudo, a minha maior preocupação foi pensar no que te teria acontecido. E o meu único medo foi ter de morrer sem poder repetir-te o que significas na minha vida.
Hal beijou-a nos lábios. A voz de Diana, chamando sua filha em tom lancinante, cortou a carícia. Nora respondeu para a tranquilizar.
— Tínhamos esquecido a mamã. Vamos, Hal
— Temos de afastar-nos desta região o mais depressa possível. O acampamento «apache» não deve ficar longe.
— Temos de procurar um médico onde quer que seja. tua ferida preocupa-me.
— Não tem importância. O uísque opera milagres por dentro e por fora.
Diana dirigiu-lhes um olhar perscrutador enquanto os dois jovens desamarravam as cordas que a imobilizavam.
— Estamos quites, Hal Cargan — disse em tem seco quando Nora lhe explicou o sucedido. — Se Nora não houvesse tido a presença de espírito necessária para te-colher o revólver que haviam deixado no arção da sela de montar do cavalo que a trouxe e se não se arrastasse até ao local da luta, você talvez não vivesse agora para contar o que passou.
Hal sorriu sarcasticamente.
— Bonita maneira de me dizer que não tente pagar-me do favor, influindo nos sentimentos de Nora — disse. — Bem; falaremos depois de tudo isso com mais vagar. Agora, temos de afastar-nos daqui o mais depressa possível. De contrário, é possível que não encontremos uma terceira pessoa a quem possamos agradecer o favor de nos ter salvado a vida.
 
 

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