Hal deteve a marcha da sua montada e voltou-se para «Corvo» para lhe dizer:
— Vou sentir saudades da sua agradável companhia, «Corvo», mas não é necessário que siga para diante. Conheço perfeitamente o caminho daqui para Prescou. As ordens de Hayden são essas.
— Lembro-me muito bem das ordens de Hayden — respondeu o foragido de mau humor. — Quando estará de regresso?
— Não antes de amanhã ao meio-dia. Se não surgirem contratempos, chegarei a Prescou ao entardecer.
— Se Butte não o entretiver muito pode regressar esta mesma noite.
— Nem falar nisso é bom, compadre. Esta noite passá-la-ei na borga em qualquer «saloon». E não me meterei a caminho antes do amanhecer.
Encostou as esporas aos flancos do animal e afastou-se sem dar tempo ao foragido de descarregar o seu mau humor. Como havia previsto, chegou a Prescou quando o sol estava a ponto de se esconder.
Seduziu-o a fachada do «Saloon Arizona» e penetrou no seu interior, àquelas horas abarrotado de frequentadores. Pediu um uísque e bebeu-o em pequenos sorvos, olhando distraidamente para o quarteto de raparigas de vestes muito reduzidas, que dançavam sobre meia dúzia de tábuas com pretensões a palco.
Uma jovem de formas sinuosas e rosto excessivamente maquilhado sentou-se ao balcão, junto dele, sorrindo-lhe com ar provocante.
—Forasteiro?
— Claro.
—Da Virgínia, não?
— Como o adivinhaste?
— Estive ali uma longa temporada. Gosto do modo peculiar como os virginianos falam. São a minha fraqueza.
— Tenho a impressão de que tu deves ser um poço de fraquezas.
A mulher envolveu-o num olhar furioso.
— Não te zangues comigo, rapariga. Bebe o que quiseres à minha saúde e, em seguida, esquece-te de que eu existo. Isso em troca de uma breve informação. Onde fica o rancho de Geat Butte?
— Se pensas trabalhar com ele será melhor dares um tiro na cabeça.
— Não te preocupes. Contratou-me para lhe matar as pulgas. As boas e as más.
Saiu para a rua, encaminhando-se para o lugar onde havia deixado ficar o seu cavalo. Em seguida, a todo o galope, dirigiu-se para o local onde a rapariga lhe dissera ficar o «Cruz-D-30». Antes que o sol houvesse acabado de declinar, alcançou as construções do rancho. Dois dormitórios para os vaqueiros, vários barracões destinados a servir de estábulos e um enorme edifício para o dono.
Transpôs a entrada de um amplo pátio e desmontou defronte da porta do edifício principal. Subiu os degraus de mármore da escadaria e tirou a mensagem lacrada do bolso da camisa. Ia para bater na porta com os nós dos dedos, mas conteve o gesto ao ouvir uma voz interpelar alguém em tom irado. Soou de súbito o ruído de uma chicotada, seguido de um grito de dor. Abandonou a escadaria impelido pela curiosidade.
A voz áspera voltou a soar. Respondeu-lhe uma outra com manifesta timidez antes que soassem três chicotadas quase seguidas. Hal não captou mais do que palavras soltas. O suficiente para saber que havia um homem que estava a ser castigado duramente com um látego, só porque se havia enganado no trabalho que lhe fora encomendado.
Deu a volta à casa, olhando com expressão turva para a cena que se oferecia à sua vista. Um homem, vestido com as clássicas roupas de vaqueiro, permanecia de costas voltadas para um grande sicómoro que se erguia junto à fachada posterior do edifício, olhando com expressão assustada para um energúmeno que empunhava um látego e se encontrava diante dele.
A fina tira de couro havia rasgado a sua camisa de flanela em vários pontos, deixando a descoberto os sulcos sanguinolentos produzidos na sua pele. O látego assobiou no ar quando foi projetado para trás a fim de tomar impulso para ser de novo descarregado sobre o vaqueiro.
Cargan enlaçou a mão direita na ponta do látego e arrancou-o da mão do outro com um brusco esticão. O homem voltou-se, pousando em Hal os seus olhos enraivecidos.
— Quem é você e o que pretende ao agir assim? --interpelou-o.
O jovem estudou rapidamente o seu interlocutor antes de replicar. Rondaria os quarenta anos, embora parecesse ter mais uns dez devido à calvície e à profusão de cãs nos seus escassos cabelos. As bolsas formadas debaixo das pálpebras denunciavam a sua tendência para o alcoolismo. A boca, de lábios grossos, denotava crueldade. E no seu modo de olhar adivinhava-se o homem grosseiro, habituado a julgar-se superior aos demais pelo simples facto de possuir uma sólida fortuna. A roupa que vestia era de boa qualidade, mas não sobressaía no quadrado e um tanto disforme corpo que cobria.
— Você é Geat Butte? —perguntou por sua vez.
— Sou Geat Butte. A que se deve a sua presença aqui?
— Responder-lhe-ei por partes — disse fria e lentamente. — Começou por perguntar quem eu era. O meu nome é Hal; Hal Cargan. Nunca ouviu falar de mim?
--É a primeira vez que oiço pronunciar o seu nome.
—Não há dúvida de que no meio de tanta desgraça ainda tenho um pouco de sorte. Não gostaria que o meu nome fosse pronunciado com frequência por bocas tão porcas como a sua. Havia feito uma ideia muito diferente da sua pessoa. Mas você não passa de um orgulhoso e estúpido energúmeno.
— Está-me a insultar.
— Pense o que quiser. Não deixo de dormir por causa disso.
— Devolva-me o látego.
— Não penso fazê-lo.
— Será melhor para si que não me faça perder a paciência.
— Não sabia que a tinha. E a propósito: ainda não respondi ao resto das suas perguntas. Ora elas foram, se não me engano, o que eu pretendia ao arrebatar-lhe o látego e a que se deve a minha presença aqui. Creio que foi isso o que você disse. Pois bem; arrebatei-lhe o látego para evitar uma selvajaria. O látego emprega-se para castigar um cão vadio; nunca para humilhar um homem. Há a dignidade e todos os demais atributos do ser humano. E não podem espezinhar-se pelo simples facto de esse ser humano ter a desgraça de se encontrar sob as suas ordens.
Levantou a mão direita, aproximando a mensagem lacrada do congestionado rosto de Geat Butte.
— Este foi o motivo que me trouxe aqui. E uma missiva da sua noiva, Nora Norton. Ela e sua mãe encontram-se em apuros e precisam de si para as salvar. Esta carta era para si. Mas não penso entregar-lha. Serão infinitamente mais felizes se prescindirem da sua ajuda. Eu vim à procura de um homem, não de uma fera carniceira.
O rosto de Geat ficou arroxeado. Fechou os punhos e pronunciou em tom ameaçador:
— Dê-me já essa carta ou lamentá-lo-á toda a sua vida.
Hal rasgou a mensagem aos bocadinhos e atirou-os à cara do outro. Butte, no paroxismo da cólera, lançou-se sobre o jovem esgrimindo os seus poderosos punhos. Abriu a boca subitamente ao receber um terrível soco no estômago.
Dobrou-se pela cintura por efeitos da dor, ao mesmo tempo que tentava fazer chegar o ar aos seus pulmões. Um soberbo soco, dado de baixo para cima, endireitou-o e projetou-o contra a parede do edifício.
Antes que se pudesse recompor, Hal rebentou-lhe o nariz com um selvagem direto. E quando desferiu o último soco contra a orelha esquerda de Butte, o homem tombou pesadamente, arquejando e jorrando sangue pela boca e pelo nariz.
— Estava a precisar de uma lição — disse, dirigindo--se ao vaqueiro, que o olhou com simpatia. — E agora, só falta dar uma lição ao teimoso do Hayden. Claro que as coisas ficaram um pouco complicadas por culpa desta besta, mas, no fundo, ainda foi melhor assim.
«Corvo» estava a engolir os últimos bocados do seu frugal almoço quando o jovem alcançou o lugar onde haviam combinado encontrar-se. Respondeu com um gesto displicente à saudação de Hal, retirando do fogo a cafeteira.
— Trazes o dinheiro? — perguntou.
— Claro.
— Em notas novas?
— Não sou estúpido — respondeu, servindo-se do café. — Hayden é fiel cumpridor da sua palavra, mas talvez opusesse reparos se eu lhe levasse notas fáceis de reconhecer. As notas que eu trago são uma autêntica porcaria, mas como ninguém tem nojo do dinheiro... Bem; tão-pouco trago atrás de mim uma legião de rurais.
—Hayden sabe sempre o que faz. Quando te escolheu a ti para ir buscar o resgate por algo seria.
Meteram pelo trilho da montada, chegando sem novidade à entrada do vale onde Hayden tinha a sua guarida.
O chefe dos bandidos saiu a esperá-los à entrada da povoação. No fundo dos seus olhos negros, brilhava uma chispa de cobiça quando os cravou em Hal para lhe perguntar:
— Tudo bem, Cargan?
— Tudo bem. Nada de notas novas nem de rurais. Geat Butte é um filantropo.
— Opimo. Isso vai poupar-te muitas coisas más. Vou ser sincero contigo. Havia pensado enviar-te balázio atrás de balázio para os braços e para as pernas, de forma a que sofresses a humilhação da derrota antes de morrer. Em paga dos teus serviços, prometo não fazer nada disto. Despachar-te-ei com um balázio na testa para te poupar qualquer sofrimento.
Hal riu com gosto.
— Estás a vender a pele do urso antes de o teres caçado. E com isso arriscas-te a cair em ridículo diante dos teus homens. Chegaram à vivenda de Hayden e Cargan retirou do arção da sua sela de montar um saco de lona que sopesou com um malicioso piscar de olhos.
—Vinte mil dólares são um bom bocado. Um bocado capaz de engasgar qualquer um, mesmo que se trate de um glutão da tua categoria. O
bandido riu com a piada de Hal. Estava contente com o resultado do trabalho e nem sequer tentava disfarçá-lo. Abriu a porta, voltando-se para o jovem antes de penetrar no interior.
— Dá-me os revólveres, Hal. Só tos emprestei para levares a cabo esta missão. Receei que te visses em apuros em Prescou. Agora, sentir-me-ei mais tranquilo se mos devolveres. Será por pouco tempo.
Hal entregou-lhos com um sorriso. «Corvo» permaneceu do lado de fora para evitar que alguém pudesse incomodá-los enquanto efetuavam a contagem do dinheiro. Hayden sentou-se junto à mesa, para cima da qual Hal atirou o saco.
— Estás enamorado de Nora Norton. Por isso, sabia que voltarias com o dinheiro e que te esforçarias mais do que ninguém em consegui-lo. A velha perguntou-me porque te havia mandado a ti em busca do resgate, sabendo que eu pensava matar-te quando voltasses. Disse-lhe a verdade. Os olhos de Nora arrasaram-se de lágrimas. Parece-me que também te ama.
Enquanto falava, empunhou uma faca e começou a cortar com mãos febris a fina tira de couro que fechava o saco. Hal foi colocar-se silenciosamente atrás do bandido, segurando com ambas as mãos um vaso de barro instalado numa estante encostada à parede com umas quantas flores silvestres. E quando Hayden lançou uma exclamação de surpresa ao verificar que o saco apenas continha recortes de jornais em vez das cobiçadas notas, o jovem, com todas as suas forças, rebentou-lhe o vaso na cabeça. O recipiente fragmentou-se devido à violência do choque, caindo a terra em cascata sobre Hayden, que tombou no soalho com estrépito, arrastando a cadeira na sua queda.
A porta abriu-se de súbito e no umbral surgiu a magra silhueta de «Corvo». O ruído havia-o alertado e mantinha a destra apoiada na coronha do «Colt». O bandido olhou com infinito assombro para a cena que se oferecia aos seus olhos.
As pernas de Hayden assomavam por debaixo da mesa e os pedaços do vaso disseminados pelo solo fizeram-lhe compreender rapidamente o que havia acontecido. Cargan havia atacado o seu chefe e pusera-o inconsciente.
Sacou o revólver, mas a sua ação foi tardia. Hal esgrimiu pela ponta a faca que Hayden utilizara para cortar a tira de couro e arremessou-a contra o foragido. A arma fendeu o ar com um leve assobio, penetrando no peito de «Corvo» até ao cabo.
O bandido cambaleou, pousando os seus olhos vítreos no rosto do jovem antes de tombar sem vida no soalho da vivenda. Hal arrastou o cadáver para o centro do aposento, murmurando:
— Sinto muito, rapaz. Mas tratava-se de escolher entre a tua vida e a minha.
Preparou-se para abandonar a casa depois de se certificar de que ninguém havia presenciado o trágico fim de «Corvo». Antes, porém, cingiu as suas armas. Segundos depois, fechava a porta e percorria a rua vagarosamente, dirigindo-se para a casa onde se encontravam Nora e sua mãe. Diana, ao vê-lo entrar, correu ao seu encontro.
— Butte acedeu a entregar o dinheiro do resgate?
— Claro — disse, sorrindo, ao mesmo tempo que olhava de soslaio para a gorda Berta, que se afadigava com a limpeza da casa. — Vamos. Hayden está à nossa espera.
Desceram as escadas da modesta habitação. Hal conduziu-as diretamente para a vivenda do bandido e fê-las entrar nos estábulos anexos ao edifício, onde selaram três cavalos.
— Que te aconteceu, Hal? — inquiriu Nora. — Acho--te esquisito.
— Não me perguntes nada por agora. Não temos tempo a perder. Temos de fugir seja como for. Não trouxe o dinheiro. Pus Hayden fora de combate. Existe um lugar no vale por onde podemos fugir. É arriscado, mas creio que o faremos com êxito se a sorte não nos abandonar. Explicar-vos-ei tudo mais para diante. Primeiro, porém, temos de pôr a maior distância possível entre nós e este vale. Quando vos deixar a salvo, voltarei para enfrentar Hayden.
Saíram para o exterior sem ninguém os incomodar. Tinham liberdade de circular por todos os cantos do vale por ordem expressa do chefe dos bandidos. Não havia escapatória para aqueles que caiam nas suas garras. Isso, pelo menos, era o que Hayden pensava.
Mas o jovem estava decidido a demonstrar-lhe o contrário. Conduziu-as para o bosquezinho e convidou-as a desmontar. Em seguida, levou-as para o «Salto do Anjo». Assinalou-lhes a cornija, dizendo:
— Temos de passar por ali. O rosto de Diana adquiriu um tom acinzentado ao olhar para o fundo do despenhadeiro.
—É impossível — sussurrou.
— Não temos outro remédio senão fazê-lo. Pelo menos, temos de tentar.
— Aquele suíno do Butte... — explodiu.
— Butte não teve a culpa.
— Nesse caso...?
—É um pouco longo de contar.
Segurou Nora pela mão e levou-a para a borda do imponente barranco.
— Será melhor que vos descalceis. Nora irá à frente e eu no meio das duas. Não olheis para baixo e não penseis em nada enquanto efetuarmos a travessia. Temos de nos deslocar em passos pequeninos. Primeiro arrasta-se um pé e em seguida o outro. E sempre fazendo força para a frente como se tivéssemos de evitar que a parede caia. Eu segurá-las-ei às duas.
Nora subiu para a cornija, seguindo as instruções do jovem. Em seguida foi a vez de Hal e em último lugar subiu Diana. Cargan enlaçou-as pela cintura, iniciando a travessia. O suor corria em abundância pelos corpos dos três. E o ruído da torrente era ali mais ensurdecedor do que sobre o terreno firme do vale.
Cargan divisou através das árvores uma espessa nuvem de pó que se aproximava velozmente, vinda dos lados da povoação. E não tardou a ver perfeitamente os cavaleiros que cavalgavam furiosamente nessa direção. Eram cinco no total.
E não lhe foi difícil distinguir a figura do chefe dos bandidos no indivíduo que vinha à testa da pequena coluna. Alguém havia entrado na casa do chefe, porque o golpe ministrado com o vaso tinha sido suficientemente forte para o manter no mundo dos sonhos durante pelo menos duas horas.
Aquilo dificultava a fuga, embora não a tornasse impossível. Hal Cargan estava disposto a pôr as mulheres a salvo, custasse o que custasse. E quando havia algo que se metia na cabeça de um Cargan, fosse o que fosse podia dar-se por efeito.
Ora além de outras variadas coisas, também se lhe tinha metido na cabeça eliminar David Hayden do mundo dos vivos. Fez um breve cálculo. Tinham a separá-los da parte em que a parede fazia uma curva apenas alguns metros. Teriam tempo de alcançar o cotovelo antes que os seus perseguidores os tivessem ao alcance dos tiros de revólver. Isso significava que tinha metade da partida ganha. Claro que ainda faltava a jogada final...
Nora dobrou o cotovelo rochoso, lançando uma vista de olhos para o trilho que se internava entre as rochas até ao cimo da escarpa. A jovem estava pálida, mas serena, e Hal dirigiu-lhe um sorriso de ânimo. Diana estava a ponto de perder de vista o vale quando começaram a soar os primeiros estampidos.
— Não perca o «controle» dos nervos, Diana — sussurrou o jovem ao senti-la estremecer. — Não atirarão a matar. São demasiado valiosas para eles. Vinte mil dólares é uma quantia tentadora. E não perderam ainda a esperança de obtê-los.
Cargan tinha razão. As balas assobiaram perto, mas mais como sinal de aviso e para os amedrontar. A voz de Hayden chegou até eles por sobre o ruído da borbulhante torrente.
—És um valente, Cargan. Não me importa de reconhecê-lo. Mas não poderás escapar com as mulheres. Caçar-vos-emos como coelhos quando chegardes ao cimo da escarpa.
— Veremos isso fanfarrão — replicou.
Dois dos homens ficaram ali, por ordem de Hayden, reiniciando o tiroteio. Os restantes regressaram à povoação. Hayden preparou o necessário para que um grupo de homens armados saíssem a dar caça ao audaz jovem pelos trilhos da montanha.
Sabia que, sem cavalos, os fugitivos não poderiam chegar muito longe. Só uma leve sombra empanava a sua satisfação. Receava que não pudessem apanhar Hal Cargan vivo. O jovem já o vencera uma vez e ele queria a oportunidade de uma desforra.
Diana esteve a ponto de deitar tudo a perder quando um dos projéteis arrancou fragmentos da rocha uns centímetros acima da sua cabeça. Só a serenidade e o braço poderoso de Hal impediram que a mãe de Nora se precipitasse no vácuo, ao executar uma violenta contorção com o corpo, motivada pelo pânico. O jovem deixou-a readquirir o seu aprumo antes de seguir para a frente.
Segundos mais tarde, alcançavam a base do trilho, perdendo de vista o vale. Correram pela polida superfície da rocha, deixando para trás a pétrea formação, para se internarem por um caminho de terra avermelhada. Hal deteve-se subitamente, apurando o ouvido. Até ele chegou o ruído de cascos de cavalos e as vozes excitadas dos respetivos cavaleiros.
Os bandidos iam-lhes no encalço e não tardariam a apanhá-los. Só havia um meio de sacudir os incómodos perseguidores. Mostrar-lhes a cara e provar-lhes que um Cargan valia pelo menos por dez deles.
Indicou às duas mulheres uma rocha de colossais proporções, convidando-as a esconder-se atrás dela, de forma que os bandidos não dessem pela sua presença. Em seguida, correu para um enorme rochedo, um pouco distanciado do lugar onde tinham ficado as duas mulheres.
O penedo formava um ovo quase perfeito e achava-se à beira de uma depressão do terreno, por cuja base passava um amplo caminho. Aquele caminho conduzia às proximidades da entrada do vale, e Cargan tinha a certeza de que os seus inimigos passariam por ele. Só assim os bandidos poderiam cortar-lhes a retirada e subir com os cavalos ao ponto dominante da montanha.
A sua boca distendeu-se numa careta de feroz alegria ao verificar a veracidade da sua hipótese. Dez homens no total. Vinham a dois e dois num trote vagaroso. Para dizer a verdade, não tinham muita pressa. Sabiam perfeitamente que alcançariam o ponto de saída das montanhas muito primeiro que eles.
Empurrou levemente o rochedo, verificando que cedia com relativa facilidade. E deixou-os chegar por baixo dele antes de se colocar junto do rochedo e de lhes gritar com todas as forças dos seus pulmões:
— Eh, rapazes! Não vos canseis a procurar-me. Estou aqui à vossa espera.
Houve um momento de confusão entre os componentes do grupo. Hal aproveitou esse momento da melhor maneira para se colocar atrás do rochedo antes que os foragidos tivessem tempo de recorrer às armas. O rochedo vacilou no topo da pronunciada encosta enquanto as balas assobiavam à sua volta. Por fim, o jovem conseguiu fazê-lo rolar, lançando-se ao solo para furtar o corpo aos projéteis que os bandidos lhe enviavam. A avalancha caiu sobre o caminho com ruído ensurdecedor, esmagando vários cavalos e cavaleiros que não haviam tido tempo material de fugir à terrível avalancha.
Hal tentou penetrar com a vista a espessa nuvem de pó que alcançava naquele momento a sua densidade máxima. Antes que a nuvem desaparecesse, começou a disparar os seus «Colts» com mortífera pontaria contra as imprecisas silhuetas dos sobreviventes.
Dois homens rolaram sobre o caminho, empreendendo os três que haviam escapado ilesos uma fuga precipitada em direção ao vale. Hal levantou-se, satisfeito com o balanço da breve luta que havia sustentado. Cinco homens haviam perecido sob as toneladas de terra e rochas. E outros dois sob o chumbo dos seus revólveres.
O resultado era, pois, de molde a sentir-se satisfeito. Acudiu junto das duas mulheres, ajudando-as a descer para o caminho pela pronunciada pendente. Desta vez, Diana não opôs qualquer reparo ao facto de ser sua filha a compartilhar o cavalo com o jovem. E tão-pouco pareceu chamar-lhe demasiado a atenção o facto de a jovem ter encostado o rosto às eretas costas de Hal e ter passado os braços à volta da cintura do jovem.
— Vou sentir saudades da sua agradável companhia, «Corvo», mas não é necessário que siga para diante. Conheço perfeitamente o caminho daqui para Prescou. As ordens de Hayden são essas.
— Lembro-me muito bem das ordens de Hayden — respondeu o foragido de mau humor. — Quando estará de regresso?
— Não antes de amanhã ao meio-dia. Se não surgirem contratempos, chegarei a Prescou ao entardecer.
— Se Butte não o entretiver muito pode regressar esta mesma noite.
— Nem falar nisso é bom, compadre. Esta noite passá-la-ei na borga em qualquer «saloon». E não me meterei a caminho antes do amanhecer.
Encostou as esporas aos flancos do animal e afastou-se sem dar tempo ao foragido de descarregar o seu mau humor. Como havia previsto, chegou a Prescou quando o sol estava a ponto de se esconder.
Seduziu-o a fachada do «Saloon Arizona» e penetrou no seu interior, àquelas horas abarrotado de frequentadores. Pediu um uísque e bebeu-o em pequenos sorvos, olhando distraidamente para o quarteto de raparigas de vestes muito reduzidas, que dançavam sobre meia dúzia de tábuas com pretensões a palco.
Uma jovem de formas sinuosas e rosto excessivamente maquilhado sentou-se ao balcão, junto dele, sorrindo-lhe com ar provocante.
—Forasteiro?
— Claro.
—Da Virgínia, não?
— Como o adivinhaste?
— Estive ali uma longa temporada. Gosto do modo peculiar como os virginianos falam. São a minha fraqueza.
— Tenho a impressão de que tu deves ser um poço de fraquezas.
A mulher envolveu-o num olhar furioso.
— Não te zangues comigo, rapariga. Bebe o que quiseres à minha saúde e, em seguida, esquece-te de que eu existo. Isso em troca de uma breve informação. Onde fica o rancho de Geat Butte?
— Se pensas trabalhar com ele será melhor dares um tiro na cabeça.
— Não te preocupes. Contratou-me para lhe matar as pulgas. As boas e as más.
Saiu para a rua, encaminhando-se para o lugar onde havia deixado ficar o seu cavalo. Em seguida, a todo o galope, dirigiu-se para o local onde a rapariga lhe dissera ficar o «Cruz-D-30». Antes que o sol houvesse acabado de declinar, alcançou as construções do rancho. Dois dormitórios para os vaqueiros, vários barracões destinados a servir de estábulos e um enorme edifício para o dono.
Transpôs a entrada de um amplo pátio e desmontou defronte da porta do edifício principal. Subiu os degraus de mármore da escadaria e tirou a mensagem lacrada do bolso da camisa. Ia para bater na porta com os nós dos dedos, mas conteve o gesto ao ouvir uma voz interpelar alguém em tom irado. Soou de súbito o ruído de uma chicotada, seguido de um grito de dor. Abandonou a escadaria impelido pela curiosidade.
A voz áspera voltou a soar. Respondeu-lhe uma outra com manifesta timidez antes que soassem três chicotadas quase seguidas. Hal não captou mais do que palavras soltas. O suficiente para saber que havia um homem que estava a ser castigado duramente com um látego, só porque se havia enganado no trabalho que lhe fora encomendado.
Deu a volta à casa, olhando com expressão turva para a cena que se oferecia à sua vista. Um homem, vestido com as clássicas roupas de vaqueiro, permanecia de costas voltadas para um grande sicómoro que se erguia junto à fachada posterior do edifício, olhando com expressão assustada para um energúmeno que empunhava um látego e se encontrava diante dele.
A fina tira de couro havia rasgado a sua camisa de flanela em vários pontos, deixando a descoberto os sulcos sanguinolentos produzidos na sua pele. O látego assobiou no ar quando foi projetado para trás a fim de tomar impulso para ser de novo descarregado sobre o vaqueiro.
Cargan enlaçou a mão direita na ponta do látego e arrancou-o da mão do outro com um brusco esticão. O homem voltou-se, pousando em Hal os seus olhos enraivecidos.
— Quem é você e o que pretende ao agir assim? --interpelou-o.
O jovem estudou rapidamente o seu interlocutor antes de replicar. Rondaria os quarenta anos, embora parecesse ter mais uns dez devido à calvície e à profusão de cãs nos seus escassos cabelos. As bolsas formadas debaixo das pálpebras denunciavam a sua tendência para o alcoolismo. A boca, de lábios grossos, denotava crueldade. E no seu modo de olhar adivinhava-se o homem grosseiro, habituado a julgar-se superior aos demais pelo simples facto de possuir uma sólida fortuna. A roupa que vestia era de boa qualidade, mas não sobressaía no quadrado e um tanto disforme corpo que cobria.
— Você é Geat Butte? —perguntou por sua vez.
— Sou Geat Butte. A que se deve a sua presença aqui?
— Responder-lhe-ei por partes — disse fria e lentamente. — Começou por perguntar quem eu era. O meu nome é Hal; Hal Cargan. Nunca ouviu falar de mim?
--É a primeira vez que oiço pronunciar o seu nome.
—Não há dúvida de que no meio de tanta desgraça ainda tenho um pouco de sorte. Não gostaria que o meu nome fosse pronunciado com frequência por bocas tão porcas como a sua. Havia feito uma ideia muito diferente da sua pessoa. Mas você não passa de um orgulhoso e estúpido energúmeno.
— Está-me a insultar.
— Pense o que quiser. Não deixo de dormir por causa disso.
— Devolva-me o látego.
— Não penso fazê-lo.
— Será melhor para si que não me faça perder a paciência.
— Não sabia que a tinha. E a propósito: ainda não respondi ao resto das suas perguntas. Ora elas foram, se não me engano, o que eu pretendia ao arrebatar-lhe o látego e a que se deve a minha presença aqui. Creio que foi isso o que você disse. Pois bem; arrebatei-lhe o látego para evitar uma selvajaria. O látego emprega-se para castigar um cão vadio; nunca para humilhar um homem. Há a dignidade e todos os demais atributos do ser humano. E não podem espezinhar-se pelo simples facto de esse ser humano ter a desgraça de se encontrar sob as suas ordens.
Levantou a mão direita, aproximando a mensagem lacrada do congestionado rosto de Geat Butte.
— Este foi o motivo que me trouxe aqui. E uma missiva da sua noiva, Nora Norton. Ela e sua mãe encontram-se em apuros e precisam de si para as salvar. Esta carta era para si. Mas não penso entregar-lha. Serão infinitamente mais felizes se prescindirem da sua ajuda. Eu vim à procura de um homem, não de uma fera carniceira.
O rosto de Geat ficou arroxeado. Fechou os punhos e pronunciou em tom ameaçador:
— Dê-me já essa carta ou lamentá-lo-á toda a sua vida.
Hal rasgou a mensagem aos bocadinhos e atirou-os à cara do outro. Butte, no paroxismo da cólera, lançou-se sobre o jovem esgrimindo os seus poderosos punhos. Abriu a boca subitamente ao receber um terrível soco no estômago.
Dobrou-se pela cintura por efeitos da dor, ao mesmo tempo que tentava fazer chegar o ar aos seus pulmões. Um soberbo soco, dado de baixo para cima, endireitou-o e projetou-o contra a parede do edifício.
Antes que se pudesse recompor, Hal rebentou-lhe o nariz com um selvagem direto. E quando desferiu o último soco contra a orelha esquerda de Butte, o homem tombou pesadamente, arquejando e jorrando sangue pela boca e pelo nariz.
— Estava a precisar de uma lição — disse, dirigindo--se ao vaqueiro, que o olhou com simpatia. — E agora, só falta dar uma lição ao teimoso do Hayden. Claro que as coisas ficaram um pouco complicadas por culpa desta besta, mas, no fundo, ainda foi melhor assim.
«Corvo» estava a engolir os últimos bocados do seu frugal almoço quando o jovem alcançou o lugar onde haviam combinado encontrar-se. Respondeu com um gesto displicente à saudação de Hal, retirando do fogo a cafeteira.
— Trazes o dinheiro? — perguntou.
— Claro.
— Em notas novas?
— Não sou estúpido — respondeu, servindo-se do café. — Hayden é fiel cumpridor da sua palavra, mas talvez opusesse reparos se eu lhe levasse notas fáceis de reconhecer. As notas que eu trago são uma autêntica porcaria, mas como ninguém tem nojo do dinheiro... Bem; tão-pouco trago atrás de mim uma legião de rurais.
—Hayden sabe sempre o que faz. Quando te escolheu a ti para ir buscar o resgate por algo seria.
Meteram pelo trilho da montada, chegando sem novidade à entrada do vale onde Hayden tinha a sua guarida.
O chefe dos bandidos saiu a esperá-los à entrada da povoação. No fundo dos seus olhos negros, brilhava uma chispa de cobiça quando os cravou em Hal para lhe perguntar:
— Tudo bem, Cargan?
— Tudo bem. Nada de notas novas nem de rurais. Geat Butte é um filantropo.
— Opimo. Isso vai poupar-te muitas coisas más. Vou ser sincero contigo. Havia pensado enviar-te balázio atrás de balázio para os braços e para as pernas, de forma a que sofresses a humilhação da derrota antes de morrer. Em paga dos teus serviços, prometo não fazer nada disto. Despachar-te-ei com um balázio na testa para te poupar qualquer sofrimento.
Hal riu com gosto.
— Estás a vender a pele do urso antes de o teres caçado. E com isso arriscas-te a cair em ridículo diante dos teus homens. Chegaram à vivenda de Hayden e Cargan retirou do arção da sua sela de montar um saco de lona que sopesou com um malicioso piscar de olhos.
—Vinte mil dólares são um bom bocado. Um bocado capaz de engasgar qualquer um, mesmo que se trate de um glutão da tua categoria. O
bandido riu com a piada de Hal. Estava contente com o resultado do trabalho e nem sequer tentava disfarçá-lo. Abriu a porta, voltando-se para o jovem antes de penetrar no interior.
— Dá-me os revólveres, Hal. Só tos emprestei para levares a cabo esta missão. Receei que te visses em apuros em Prescou. Agora, sentir-me-ei mais tranquilo se mos devolveres. Será por pouco tempo.
Hal entregou-lhos com um sorriso. «Corvo» permaneceu do lado de fora para evitar que alguém pudesse incomodá-los enquanto efetuavam a contagem do dinheiro. Hayden sentou-se junto à mesa, para cima da qual Hal atirou o saco.
— Estás enamorado de Nora Norton. Por isso, sabia que voltarias com o dinheiro e que te esforçarias mais do que ninguém em consegui-lo. A velha perguntou-me porque te havia mandado a ti em busca do resgate, sabendo que eu pensava matar-te quando voltasses. Disse-lhe a verdade. Os olhos de Nora arrasaram-se de lágrimas. Parece-me que também te ama.
Enquanto falava, empunhou uma faca e começou a cortar com mãos febris a fina tira de couro que fechava o saco. Hal foi colocar-se silenciosamente atrás do bandido, segurando com ambas as mãos um vaso de barro instalado numa estante encostada à parede com umas quantas flores silvestres. E quando Hayden lançou uma exclamação de surpresa ao verificar que o saco apenas continha recortes de jornais em vez das cobiçadas notas, o jovem, com todas as suas forças, rebentou-lhe o vaso na cabeça. O recipiente fragmentou-se devido à violência do choque, caindo a terra em cascata sobre Hayden, que tombou no soalho com estrépito, arrastando a cadeira na sua queda.
A porta abriu-se de súbito e no umbral surgiu a magra silhueta de «Corvo». O ruído havia-o alertado e mantinha a destra apoiada na coronha do «Colt». O bandido olhou com infinito assombro para a cena que se oferecia aos seus olhos.
As pernas de Hayden assomavam por debaixo da mesa e os pedaços do vaso disseminados pelo solo fizeram-lhe compreender rapidamente o que havia acontecido. Cargan havia atacado o seu chefe e pusera-o inconsciente.
Sacou o revólver, mas a sua ação foi tardia. Hal esgrimiu pela ponta a faca que Hayden utilizara para cortar a tira de couro e arremessou-a contra o foragido. A arma fendeu o ar com um leve assobio, penetrando no peito de «Corvo» até ao cabo.
O bandido cambaleou, pousando os seus olhos vítreos no rosto do jovem antes de tombar sem vida no soalho da vivenda. Hal arrastou o cadáver para o centro do aposento, murmurando:
— Sinto muito, rapaz. Mas tratava-se de escolher entre a tua vida e a minha.
Preparou-se para abandonar a casa depois de se certificar de que ninguém havia presenciado o trágico fim de «Corvo». Antes, porém, cingiu as suas armas. Segundos depois, fechava a porta e percorria a rua vagarosamente, dirigindo-se para a casa onde se encontravam Nora e sua mãe. Diana, ao vê-lo entrar, correu ao seu encontro.
— Butte acedeu a entregar o dinheiro do resgate?
— Claro — disse, sorrindo, ao mesmo tempo que olhava de soslaio para a gorda Berta, que se afadigava com a limpeza da casa. — Vamos. Hayden está à nossa espera.
Desceram as escadas da modesta habitação. Hal conduziu-as diretamente para a vivenda do bandido e fê-las entrar nos estábulos anexos ao edifício, onde selaram três cavalos.
— Que te aconteceu, Hal? — inquiriu Nora. — Acho--te esquisito.
— Não me perguntes nada por agora. Não temos tempo a perder. Temos de fugir seja como for. Não trouxe o dinheiro. Pus Hayden fora de combate. Existe um lugar no vale por onde podemos fugir. É arriscado, mas creio que o faremos com êxito se a sorte não nos abandonar. Explicar-vos-ei tudo mais para diante. Primeiro, porém, temos de pôr a maior distância possível entre nós e este vale. Quando vos deixar a salvo, voltarei para enfrentar Hayden.
Saíram para o exterior sem ninguém os incomodar. Tinham liberdade de circular por todos os cantos do vale por ordem expressa do chefe dos bandidos. Não havia escapatória para aqueles que caiam nas suas garras. Isso, pelo menos, era o que Hayden pensava.
Mas o jovem estava decidido a demonstrar-lhe o contrário. Conduziu-as para o bosquezinho e convidou-as a desmontar. Em seguida, levou-as para o «Salto do Anjo». Assinalou-lhes a cornija, dizendo:
— Temos de passar por ali. O rosto de Diana adquiriu um tom acinzentado ao olhar para o fundo do despenhadeiro.
—É impossível — sussurrou.
— Não temos outro remédio senão fazê-lo. Pelo menos, temos de tentar.
— Aquele suíno do Butte... — explodiu.
— Butte não teve a culpa.
— Nesse caso...?
—É um pouco longo de contar.
Segurou Nora pela mão e levou-a para a borda do imponente barranco.
— Será melhor que vos descalceis. Nora irá à frente e eu no meio das duas. Não olheis para baixo e não penseis em nada enquanto efetuarmos a travessia. Temos de nos deslocar em passos pequeninos. Primeiro arrasta-se um pé e em seguida o outro. E sempre fazendo força para a frente como se tivéssemos de evitar que a parede caia. Eu segurá-las-ei às duas.
Nora subiu para a cornija, seguindo as instruções do jovem. Em seguida foi a vez de Hal e em último lugar subiu Diana. Cargan enlaçou-as pela cintura, iniciando a travessia. O suor corria em abundância pelos corpos dos três. E o ruído da torrente era ali mais ensurdecedor do que sobre o terreno firme do vale.
Cargan divisou através das árvores uma espessa nuvem de pó que se aproximava velozmente, vinda dos lados da povoação. E não tardou a ver perfeitamente os cavaleiros que cavalgavam furiosamente nessa direção. Eram cinco no total.
E não lhe foi difícil distinguir a figura do chefe dos bandidos no indivíduo que vinha à testa da pequena coluna. Alguém havia entrado na casa do chefe, porque o golpe ministrado com o vaso tinha sido suficientemente forte para o manter no mundo dos sonhos durante pelo menos duas horas.
Aquilo dificultava a fuga, embora não a tornasse impossível. Hal Cargan estava disposto a pôr as mulheres a salvo, custasse o que custasse. E quando havia algo que se metia na cabeça de um Cargan, fosse o que fosse podia dar-se por efeito.
Ora além de outras variadas coisas, também se lhe tinha metido na cabeça eliminar David Hayden do mundo dos vivos. Fez um breve cálculo. Tinham a separá-los da parte em que a parede fazia uma curva apenas alguns metros. Teriam tempo de alcançar o cotovelo antes que os seus perseguidores os tivessem ao alcance dos tiros de revólver. Isso significava que tinha metade da partida ganha. Claro que ainda faltava a jogada final...
Nora dobrou o cotovelo rochoso, lançando uma vista de olhos para o trilho que se internava entre as rochas até ao cimo da escarpa. A jovem estava pálida, mas serena, e Hal dirigiu-lhe um sorriso de ânimo. Diana estava a ponto de perder de vista o vale quando começaram a soar os primeiros estampidos.
— Não perca o «controle» dos nervos, Diana — sussurrou o jovem ao senti-la estremecer. — Não atirarão a matar. São demasiado valiosas para eles. Vinte mil dólares é uma quantia tentadora. E não perderam ainda a esperança de obtê-los.
Cargan tinha razão. As balas assobiaram perto, mas mais como sinal de aviso e para os amedrontar. A voz de Hayden chegou até eles por sobre o ruído da borbulhante torrente.
—És um valente, Cargan. Não me importa de reconhecê-lo. Mas não poderás escapar com as mulheres. Caçar-vos-emos como coelhos quando chegardes ao cimo da escarpa.
— Veremos isso fanfarrão — replicou.
Dois dos homens ficaram ali, por ordem de Hayden, reiniciando o tiroteio. Os restantes regressaram à povoação. Hayden preparou o necessário para que um grupo de homens armados saíssem a dar caça ao audaz jovem pelos trilhos da montanha.
Sabia que, sem cavalos, os fugitivos não poderiam chegar muito longe. Só uma leve sombra empanava a sua satisfação. Receava que não pudessem apanhar Hal Cargan vivo. O jovem já o vencera uma vez e ele queria a oportunidade de uma desforra.
Diana esteve a ponto de deitar tudo a perder quando um dos projéteis arrancou fragmentos da rocha uns centímetros acima da sua cabeça. Só a serenidade e o braço poderoso de Hal impediram que a mãe de Nora se precipitasse no vácuo, ao executar uma violenta contorção com o corpo, motivada pelo pânico. O jovem deixou-a readquirir o seu aprumo antes de seguir para a frente.
Segundos mais tarde, alcançavam a base do trilho, perdendo de vista o vale. Correram pela polida superfície da rocha, deixando para trás a pétrea formação, para se internarem por um caminho de terra avermelhada. Hal deteve-se subitamente, apurando o ouvido. Até ele chegou o ruído de cascos de cavalos e as vozes excitadas dos respetivos cavaleiros.
Os bandidos iam-lhes no encalço e não tardariam a apanhá-los. Só havia um meio de sacudir os incómodos perseguidores. Mostrar-lhes a cara e provar-lhes que um Cargan valia pelo menos por dez deles.
Indicou às duas mulheres uma rocha de colossais proporções, convidando-as a esconder-se atrás dela, de forma que os bandidos não dessem pela sua presença. Em seguida, correu para um enorme rochedo, um pouco distanciado do lugar onde tinham ficado as duas mulheres.
O penedo formava um ovo quase perfeito e achava-se à beira de uma depressão do terreno, por cuja base passava um amplo caminho. Aquele caminho conduzia às proximidades da entrada do vale, e Cargan tinha a certeza de que os seus inimigos passariam por ele. Só assim os bandidos poderiam cortar-lhes a retirada e subir com os cavalos ao ponto dominante da montanha.
A sua boca distendeu-se numa careta de feroz alegria ao verificar a veracidade da sua hipótese. Dez homens no total. Vinham a dois e dois num trote vagaroso. Para dizer a verdade, não tinham muita pressa. Sabiam perfeitamente que alcançariam o ponto de saída das montanhas muito primeiro que eles.
Empurrou levemente o rochedo, verificando que cedia com relativa facilidade. E deixou-os chegar por baixo dele antes de se colocar junto do rochedo e de lhes gritar com todas as forças dos seus pulmões:
— Eh, rapazes! Não vos canseis a procurar-me. Estou aqui à vossa espera.
Houve um momento de confusão entre os componentes do grupo. Hal aproveitou esse momento da melhor maneira para se colocar atrás do rochedo antes que os foragidos tivessem tempo de recorrer às armas. O rochedo vacilou no topo da pronunciada encosta enquanto as balas assobiavam à sua volta. Por fim, o jovem conseguiu fazê-lo rolar, lançando-se ao solo para furtar o corpo aos projéteis que os bandidos lhe enviavam. A avalancha caiu sobre o caminho com ruído ensurdecedor, esmagando vários cavalos e cavaleiros que não haviam tido tempo material de fugir à terrível avalancha.
Hal tentou penetrar com a vista a espessa nuvem de pó que alcançava naquele momento a sua densidade máxima. Antes que a nuvem desaparecesse, começou a disparar os seus «Colts» com mortífera pontaria contra as imprecisas silhuetas dos sobreviventes.
Dois homens rolaram sobre o caminho, empreendendo os três que haviam escapado ilesos uma fuga precipitada em direção ao vale. Hal levantou-se, satisfeito com o balanço da breve luta que havia sustentado. Cinco homens haviam perecido sob as toneladas de terra e rochas. E outros dois sob o chumbo dos seus revólveres.
O resultado era, pois, de molde a sentir-se satisfeito. Acudiu junto das duas mulheres, ajudando-as a descer para o caminho pela pronunciada pendente. Desta vez, Diana não opôs qualquer reparo ao facto de ser sua filha a compartilhar o cavalo com o jovem. E tão-pouco pareceu chamar-lhe demasiado a atenção o facto de a jovem ter encostado o rosto às eretas costas de Hal e ter passado os braços à volta da cintura do jovem.
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