Quando Dieter abriu os olhos, a primeira coisa que viu foi o resplendor de um candeeiro a petróleo colocado sobre uma mesa.
Instintivamente, olhou para uma das janelas. Tinha entrado no edifício quando ainda havia luz diurna e, através dos vidros, viu que naquele momento já tinha escurecido por completo. Tentou levantar-se e descobriu que tinha as mãos amarradas atrás das costas e que uma corda lhe rodeava os tornozelos. Sentia dores agudas por detrás da orelha esquerda.
— Como te encontras, «Pecos»? — perguntou Felter, com voz irónica.
Dieter moveu a cabeça para o lado, tentando descobrir o seu inimigo. Viu-o, finalmente, muito perto de si, sentado numa cadeira, com as botas apoiadas sobre a mesa e brincando distraidamente com um revólver.
— Creio que o teu patrão se precipitou ao pensar que eu o atraiçoei — respondeu Dieter, tentando partir a corda que lhe imobilizava os braços.
— Decerto, «Pecos». Holker faz sempre as coisas com muita pressa... mas eu sou mais lento; muito mais —disse Felter, abandonando a cadeira.
— Vais soltar-me? — perguntou Dieter, embora tivesse a certeza do contrário.
— Apenas os pés, «Pecos»... e tirar-te-ei as botas. Quero saber para quem trabalhas. Eu mesmo te segui ontem à noite quando visitaste os Lanuza, e creio que és um miserável traidor — disse Felter, cortando a corda que unia os tornozelos do jovem.
—Não trabalho para ninguém.
— Nesse caso, por que foste ao «rancho» dos mexicanos?
— Perdi-me. Não conheço esta região e encontrei-me no «rancho» sem dar por isso.
— És um péssimo mentiroso... mas eu far-te-ei falar. Vou regar-te os pés com o petróleo de um candeeiro e depois acenderei um fósforo. Falarás até enrouqueceres — disse Felter, inclinando-se para a frente para pôr em prática o seu plano.
Dieter estendeu a perna direita com toda a força e atingiu o ventre de Felter, lançando-o contra a mesa; mas o capataz não caiu. Dieter tinha calculado que o selvagem golpe o deixasse sem conhecimento, para poder apoderar-se da faca e cortar a corda que lhe manietava os braços, mas Felter apenas se contorceu com dores.
— Maldito, arderás vivo! — exclamou o capataz quando recobrou o equilíbrio e o alento.
Apanhou um candeeiro apagado e, depois de lhe retirar o vidro, aproximou-se de Dieter, disposto a regá-lo com o petróleo que o depósito continha. Tinha desistido de lhe tirar as botas porque já não desejava que o seu prisioneiro falasse. Depois do golpe recebido queria apenas acabar com ele, mas causando--lhe os maiores sofrimentos possíveis.
— Petróleo e um fósforo, e ficarás assado.
— Terás de esperar — disse a voz de Ronnie Denker, vinda da soleira da porta.
Dieter surpreendeu-se ao verificar que o jovem pistoleiro se encontrava no «rancho». Tinha a certeza de que se encontraria com os demais, tomando parte no massacre dos Lanuza. Mas o assombro de Felter ainda foi maior.
Mantendo o candeeiro na mão voltou-se lentamente e, quando viu Ronnie empunhando um revólver, lançou uma maldição.
— Que procuras aqui? — perguntou secamente.
— O meu amigo «Pecos» Dieter — respondeu Ronnie.
— Outro traidor! — exclamou o capataz, lançando o candeeiro contra o jovem. Ao mesmo tempo, a sua mão direita voou à procura do revólver. Conseguiu sacá-lo e engatilhá-lo, mas quando ia a apertar o gatilho a morte atravessou a sala de jantar.
Ronnie saltou para a esquerda, para evitar o impacto do candeeiro, e disparou duas vezes contra a cabeça de Felter que rebentou como um fruto maduro caído da árvore. Ronnie atravessou o compartimento e, depois de apanhar a faca que Felter tinha soltado ao receber a patada no ventre, cortou a corda que prendia os braços de Dieter. Este levantou-se com rapidez e friccionou os seus lacerados pulsos. Os seus revólveres estavam sobre a mesa e recuperou-os, examinando os tambores. Não queria correr mais riscos. Podia dar-se o caso de Felter os ter descarregado e quando fosse a dispará-los não saísse nenhum projétil.
— Por que regressaste, Ronnie? — perguntou Dieter.
— Tu salvaste-me a vida uma vez; agora estamos quites... e, além disso, porque não sou um assassino. Matei um homem, mas ele empunhava um revólver, como Felter — respondeu o rapaz.
— Vamos, talvez consigamos salvar os Lanuza — disse Dieter, dirigindo-se para a porta.
— Não corras, Dieter. Quando me separei do grupo comandado por Holker, já se tinham apoderado dos mexicanos e dispunham-se a enforcá-los — informou Ronnie.
— Não fizeram caso das minhas palavras e o seu erro custou-lhes a vida — murmurou Dieter.
Tinha achado estranho que não se tivesse apresentado nenhum vaqueiro, depois dos disparos feitos por Ronnie, mas pensou que talvez os balázios fossem uma coisa normal naquele edifício.
-- Fecha a porta — disse para o seu jovem amigo.
— Que vais fazer? —perguntou Ronnie.
— Pregar um susto a Ira Holker — informou Dieter.
Num canto do amplo salão havia um rolo de cordas. Apoderou-se de uma. Rapidamente, fez um nó corredio num dos extremos e colocou o laço no pescoço de Felter.
— Vais enforcar um morto? — perguntou Ronnie, ao ver que lançava o outro extremo da corda por cima de uma grossa viga que sustentava o tecto.
— E creio que enforcarei os outros no mesmo sítio — respondeu Dieter, içando o cadáver do capataz.
— Odeias muito Ira Holker?
— Ele e mais quatro homens assassinaram o meu pai há quinze anos e durante todo este tempo só pensei em matá-lo — disse Dieter, atando o extremo da corda a uma pesada arca.
Apanhou a faca e subiu para cima da mesa. Com a ponta da afiada folha gravou vários nomes na viga de madeira e, quando desceu, disse a Ronnie:
— O juiz, o banqueiro, o armazenista e Holker têm um sitio reservado para serem enforcados. Vão receber o mesmo tratamento que deram aos Lanuza.
— Ajudar-te-ei — limitou-se a dizer o rapaz.
— Agora, vamos ao «rancho» dos mexicanos. Talvez ainda possamos ser úteis.
— Duvido — murmurou Ronnie. Ao saírem do edifício, viram meia dúzia de vaqueiros sentados no alpendre do barracão em que estavam alojados, mas nenhum fez qualquer movimento suspeito.
Pelos vistos, Ira Holker tinha-os proibido de intervir nos assuntos que não estivessem relacionados com o gado.
Pouco depois, os dois jovens afastavam-se do «rancho» a todo o galope. Quando chegaram ao «rancho» dos Lanuza, Dieter percebeu demasiado claramente que chegavam tarde.
Quatro corpos rígidos pendiam dos ramos das árvores em frente do edifício principal.
Dieter e Ronnie cortaram as cordas, mas já não restava nem um leve sopro de vida nos corpos de António Lanuza e dos seus três filhos.
— A rapariga não está no edifício — disse Dieter, que havia examinado o interior da casa.
— O juiz Waltis disse que a queria para ele — informou Ronnie.
— Maldito sapo asqueroso!... — exclamou Dieter, dirigindo-se para o seu cavalo.
— Aonde vais agora? — inquiriu Ronnie.
— A Desolação... a casa do juiz para lhe dar o que merece — respondeu Dieter, da sua sela de montar.
Ronnie encolheu os ombros e montou também.
Afastaram-se do «rancho» dos Lanuza, deixando os cadáveres estendidos no solo e com as cordas à volta dos seus pescoços. Uma vez na povoação, um rapaz mexicano indicou--lhes a casa do juiz Waltis e, em seguida, afastou-se rapidamente.
— É melhor que fiques do lado de fora a vigiar... e dispara sem quaisquer remorsos se descobrires algum dos nossos companheiros de viagem — aconselhou Dieter, ao desmontar.
— De acordo, mas se precisares de ajuda, lança um grito e eu reunir-me-ei contigo.
— Não penso fazer nenhum ruído — disse Dieter, mostrando ao seu amigo a faca que havia pertencido a Evan Felter.
— Se pensas enforcar o cadáver do juiz terei de te ajudar, pois pesa bastante — comentou Ronnie, ironicamente.
Dieter rodeou a construção, procurando a melhor forma de penetrar nela sem alarmar o juiz. No lado posterior, encontrou uma janela aberta e utilizou-a para entrar no edifício. Tropeçou num balde de madeira e pensou que se havia introduzido na dependência destinada aos utensílios de limpeza. Tateando na escuridão, chegou até à porta e abriu-a com grande cuidado.
Encontrou-se num longo corredor com portas de ambos os lados. Avançou com cautela e deteve-se ao ouvir um grito feminino e a voz de Andy Waltis. Abriu lentamente a porta e entrou no gabinete do juiz, empunhando a afiada faca.
Waltis estava de costas e não pôde descobrir a sua presença, mas os olhos de Mercedes Lanuza abriram-se desmesuradamente ao reconhecê-lo. A rapariga estava meio desnudada e lutava selvaticamente para evitar que os sujos lábios do juiz se pousassem sobre a sua boca, mas Dieter viu que as forças lhe faltavam.
— Vem, minha pombinha...! — murmurava o juiz, ofegante e babado de luxúria.
— Boas noites, canalha — disse Dieter com voz rouca.
Waltis soltou a rapariga e voltou-se rapidamente. A sua mandíbula inferior começou a tremer quando reconheceu o homem que se achava no seu gabinete. Os raios de luz emitidos pelo candeeiro que se encontrava sobre a sua mesa de trabalho permitiram-lhe ver a reluzente folha da faca que Dieter empunhava.
Mercedes, com as forças esgotadas, deixou-se cair no solo e apoiou as costas nuas na parede. As mãos do juiz tinham-lhe rasgado as roupas e aberto novas feridas nos seus braços. Era incapaz de se levantar.
Tudo o quo ocorrera naquela noite tinha sido demasiado brutal, inclusivamente para ela que estava habituada à violência. Seu pai e os seus três irmãos tinham sido enforcados diante dos seus olhos e Holker obrigou-a a contemplar as quatro execuções, entregando-a depois a Waltis, como se fosse uma peça de vestuário sem o mínimo valor.
Quando Dieter entrou no gabinete, a rapariga já se defendia, havia pelo menos um quarto de hora, das acometidas do pesado juiz. Tinha sido um pesadelo que tivera de viver acordada.
— Que... procuras... aqui'? Julguei... que... — tartamudeou o juiz.
— Não, estavas equivocado, canalha. Quem morreu foi o Felter... e agora chegou a tua vez — disse Dieter, avançando para o juiz.
—Porquê? Eu não fiz nada.., foi tudo obra de Ira Holker — desculpou-se Waltis, começando a recuar.
— Sabes qual é a missão de um juiz? Velar para que a Lei seja imposta e defender a justiça, inclusivamente com a própria vida... mas tu não conheces outra Lei que não seja a dos teus caprichos e a dos teus asquerosos desejos. No inferno há falta de tipos como tu... e na terra existem de mais.
Waltis tentou engolir a saliva, mas um nó que se formou na sua garganta impediu-lho. Grossas gotas de suor começaram a resvalar pelo seu rosto gordo congestionado pelo álcool. Um estranho tremor nas pernas obrigou-o a apoiar-se na mesa enquanto os seus olhos continuavam a olhar fixamente para a lâmina da faca, que cada vez se aproximava mais do seu corpo.
—Uma facada no ventre secciona os intestinos e ainda não se descobriu a forma de os atar. Aquele que a recebe morre fatalmente, mas antes contorce-se como um verme... e tu és um verme, Andy Waltis — disse Dieter, lentamente.
Os olhos de Mercedes também se detiveram na brilhante folha de aço, como se esperasse o momento em que a arma se enterrasse no ventre do juiz.
Este levantou a mão direita e apoiou-a no peito, como se quisesse conter o ritmo louco do seu coração... mas a sua intenção era muito diferente. No interior da labita tinha um revólver de cano curto, muito eficaz quando disparado a curta distância. Se conseguisse empunhá-lo, acabaria com Dieter antes que a faca lhe seccionasse os intestinos.
— Cada homem encontra a morte que merece... mas tu deverias morrer cem vezes. Tentaste abusar de uma mulher aproveitando-te do teu cargo, depois de teres assassinado os seus familiares — continuou Dieter.
— Eu não fiz nada, «Pecos», nada... foi Holker quem fez tudo! — gemeu Waltis, introduzindo a mão no interior da sobrecasaca.
— Mente! Ele matou o meu irmão Evélio! — gritou Mercedes.
A mão do juiz já se havia fechado sobre a coronha do curto revólver e este facto pareceu dar-lhe coragem. Sacou-o e, com grande rapidez, levantou o percutor... mas nunca chegou a apertar o gatilho.
Uma folha de aço rasgou-lhe o ventre e a sua mão agarrou-se à coronha da arma com uma dolorosa contração. Sentiu a frialdade do aço nas suas entranhas e caiu de joelhos. Dos seus lábios brotou um afogado gemido e deixou cair o revólver. Com ambas as mãos tentou conter o rio de sangue que se escapava da ampla ferida. Oscilou durante algumas frações de segundo e, em seguida, tombou de bruços.
Dieter afastou-se do seu lado e correu a levantar Mercedes. O jovem estremeceu quando as suas mãos tocaram na cálida carne da rapariga. Apanhou um casaco que estava pendurado num cabide e, com ele, cobriu Mercedes, dizendo:
— Celebro ter chegado a tempo.
— Fomos uns estúpidos em não acreditar nas suas palavras, senhor.., e agora morreram todos.
A voz da rapariga transformou-se num soluço que sacudiu todo o seu corpo.
Os nervos de Mercedes já não podiam resistir mais e começou a chorar com força. Instintivamente, Dieter rodeou-lhe os ombros com os seus braços.
A rapariga precisava de proteção. Em poucas horas, tinha ficado só no mundo e o jovem lembrou-se do que acontecera com ele quando seu pai fora assassinado. Quando Mercedes estava mais calma, Dieter disse--lhe:
— É melhor desaparecermos de aqui. Em Desolação não existe qualquer Lei e há homens de Holker na povoação.
— Se regressar ao «rancho» assassinar-me-ão — respondeu a rapariga.
— Agora estou eu a seu lado... e há quinze anos que jurei matar Ira Holker. Também o meu pai foi assassinado, Mercedes — disse Dieter.
Afastou-se da rapariga e abriu uma das janelas do gabinete. Um assobio bastou para chamar Ronnie e quando o jovem se lhes juntou, disse-lhe: -
— Aproxima os cavalos desta janela. Tu levarás o corpo de Waltis à garupa e eu encarregar-me-ei da rapariga.
— Aonde iremos? — perguntou Ronnie.
Também ele pensava que se deixavam ficar pela povoação os pistoleiros de Holker lhes dariam caça. O «rancheiro», depois da morte de Felter e do juiz, estaria ansioso por ver a cor do sangue deles.
— Nas colinas há uma cabana de pesquisadores de ouro. O meu pai encontrou-a e disse que era um excelente esconderijo — disse a rapariga.
— Sabe onde fica? — perguntou Dieter.
— Sei.
— Nesse caso conduzir-nos-á até ela — disse Dieter.
Levantou Mercedes no ar e passou-a através da janela aberta. Ronnie ajudou-a a montar e, depois, entre os dois homens, tiraram o cadáver de Andy Waltis. Afastaram-se da povoação e seguindo as indicações da rapariga dirigiram-se para as colinas, à procura da cabana. De lá, Dieter Ritter e Ronnie Denker pensavam acabar com o reinado de Ira Holker.
— Que pensa fazer com o cadáver do juiz? — perguntou Mercedes.
— Pendurá-lo na sala de jantar do «rancho» de Holker. Há ali um sitio para ele, como há também para os outros. Todos os homens que tomaram parte no assassínio da sua família morrerão — respondeu Dieter.
Sentiu como a mão ardente da rapariga se apoiava no seu braço e até ao seu, rosto chegou o cálido alento feminino. Mercedes Lanuza era uma mulher demasiado perturbante.
— Se vinga a morte dos meus familiares obedecerei fielmente às suas ordens. Sou uma mulher agradecida — disse Mercedes, suavemente.
Dieter estremeceu. Havia multas promessas na voz da rapariga, mas ele sabia que, ao falar daquela forma, Mercedes fazia-o sem intenções veladas. Era uma mulher apaixonado, tanto para o ódio como para o amor, mas também era uma mulher decente, habituada à vida familiar.
— Obrigado, mas parece-me que nunca terei de lhe dar qualquer ordem — disse Dieter.
— Creio que você é um homem demasiado bom para viver entre feras. Acabarão por o devorar — comentou Mercedes.
— Tenho garras e sei defender-me... e atacar. Ira Holker terá muito cedo a prova disso — respondeu Dieter.
— Você e eu temos muitas coisas em comum; os nossos pais foram assassinados e ambos odiamos o mesmo homem. O Destino uniu-nos— acrescentou a rapariga.
— E espero que nunca nos separe — desejou Dieter.
Mercedes não disse nada, mas os seus grandes e rasgados olhos observaram detidamente o rosto do jovem. Como se desejasse a sua proteção, rodeou com, os seus cálidos braços a cintura de Dieter e apoiou o rosto no seu peito. Continuaram a cavalgar para a cabana. Atrás deles, seguia Ronnie, conduzindo na garupa o cadáver de Andy Waltis, o juiz que tinha morrido por não haver respeitado a Lei.
Instintivamente, olhou para uma das janelas. Tinha entrado no edifício quando ainda havia luz diurna e, através dos vidros, viu que naquele momento já tinha escurecido por completo. Tentou levantar-se e descobriu que tinha as mãos amarradas atrás das costas e que uma corda lhe rodeava os tornozelos. Sentia dores agudas por detrás da orelha esquerda.
— Como te encontras, «Pecos»? — perguntou Felter, com voz irónica.
Dieter moveu a cabeça para o lado, tentando descobrir o seu inimigo. Viu-o, finalmente, muito perto de si, sentado numa cadeira, com as botas apoiadas sobre a mesa e brincando distraidamente com um revólver.
— Creio que o teu patrão se precipitou ao pensar que eu o atraiçoei — respondeu Dieter, tentando partir a corda que lhe imobilizava os braços.
— Decerto, «Pecos». Holker faz sempre as coisas com muita pressa... mas eu sou mais lento; muito mais —disse Felter, abandonando a cadeira.
— Vais soltar-me? — perguntou Dieter, embora tivesse a certeza do contrário.
— Apenas os pés, «Pecos»... e tirar-te-ei as botas. Quero saber para quem trabalhas. Eu mesmo te segui ontem à noite quando visitaste os Lanuza, e creio que és um miserável traidor — disse Felter, cortando a corda que unia os tornozelos do jovem.
—Não trabalho para ninguém.
— Nesse caso, por que foste ao «rancho» dos mexicanos?
— Perdi-me. Não conheço esta região e encontrei-me no «rancho» sem dar por isso.
— És um péssimo mentiroso... mas eu far-te-ei falar. Vou regar-te os pés com o petróleo de um candeeiro e depois acenderei um fósforo. Falarás até enrouqueceres — disse Felter, inclinando-se para a frente para pôr em prática o seu plano.
Dieter estendeu a perna direita com toda a força e atingiu o ventre de Felter, lançando-o contra a mesa; mas o capataz não caiu. Dieter tinha calculado que o selvagem golpe o deixasse sem conhecimento, para poder apoderar-se da faca e cortar a corda que lhe manietava os braços, mas Felter apenas se contorceu com dores.
— Maldito, arderás vivo! — exclamou o capataz quando recobrou o equilíbrio e o alento.
Apanhou um candeeiro apagado e, depois de lhe retirar o vidro, aproximou-se de Dieter, disposto a regá-lo com o petróleo que o depósito continha. Tinha desistido de lhe tirar as botas porque já não desejava que o seu prisioneiro falasse. Depois do golpe recebido queria apenas acabar com ele, mas causando--lhe os maiores sofrimentos possíveis.
— Petróleo e um fósforo, e ficarás assado.
— Terás de esperar — disse a voz de Ronnie Denker, vinda da soleira da porta.
Dieter surpreendeu-se ao verificar que o jovem pistoleiro se encontrava no «rancho». Tinha a certeza de que se encontraria com os demais, tomando parte no massacre dos Lanuza. Mas o assombro de Felter ainda foi maior.
Mantendo o candeeiro na mão voltou-se lentamente e, quando viu Ronnie empunhando um revólver, lançou uma maldição.
— Que procuras aqui? — perguntou secamente.
— O meu amigo «Pecos» Dieter — respondeu Ronnie.
— Outro traidor! — exclamou o capataz, lançando o candeeiro contra o jovem. Ao mesmo tempo, a sua mão direita voou à procura do revólver. Conseguiu sacá-lo e engatilhá-lo, mas quando ia a apertar o gatilho a morte atravessou a sala de jantar.
Ronnie saltou para a esquerda, para evitar o impacto do candeeiro, e disparou duas vezes contra a cabeça de Felter que rebentou como um fruto maduro caído da árvore. Ronnie atravessou o compartimento e, depois de apanhar a faca que Felter tinha soltado ao receber a patada no ventre, cortou a corda que prendia os braços de Dieter. Este levantou-se com rapidez e friccionou os seus lacerados pulsos. Os seus revólveres estavam sobre a mesa e recuperou-os, examinando os tambores. Não queria correr mais riscos. Podia dar-se o caso de Felter os ter descarregado e quando fosse a dispará-los não saísse nenhum projétil.
— Por que regressaste, Ronnie? — perguntou Dieter.
— Tu salvaste-me a vida uma vez; agora estamos quites... e, além disso, porque não sou um assassino. Matei um homem, mas ele empunhava um revólver, como Felter — respondeu o rapaz.
— Vamos, talvez consigamos salvar os Lanuza — disse Dieter, dirigindo-se para a porta.
— Não corras, Dieter. Quando me separei do grupo comandado por Holker, já se tinham apoderado dos mexicanos e dispunham-se a enforcá-los — informou Ronnie.
— Não fizeram caso das minhas palavras e o seu erro custou-lhes a vida — murmurou Dieter.
Tinha achado estranho que não se tivesse apresentado nenhum vaqueiro, depois dos disparos feitos por Ronnie, mas pensou que talvez os balázios fossem uma coisa normal naquele edifício.
-- Fecha a porta — disse para o seu jovem amigo.
— Que vais fazer? —perguntou Ronnie.
— Pregar um susto a Ira Holker — informou Dieter.
Num canto do amplo salão havia um rolo de cordas. Apoderou-se de uma. Rapidamente, fez um nó corredio num dos extremos e colocou o laço no pescoço de Felter.
— Vais enforcar um morto? — perguntou Ronnie, ao ver que lançava o outro extremo da corda por cima de uma grossa viga que sustentava o tecto.
— E creio que enforcarei os outros no mesmo sítio — respondeu Dieter, içando o cadáver do capataz.
— Odeias muito Ira Holker?
— Ele e mais quatro homens assassinaram o meu pai há quinze anos e durante todo este tempo só pensei em matá-lo — disse Dieter, atando o extremo da corda a uma pesada arca.
Apanhou a faca e subiu para cima da mesa. Com a ponta da afiada folha gravou vários nomes na viga de madeira e, quando desceu, disse a Ronnie:
— O juiz, o banqueiro, o armazenista e Holker têm um sitio reservado para serem enforcados. Vão receber o mesmo tratamento que deram aos Lanuza.
— Ajudar-te-ei — limitou-se a dizer o rapaz.
— Agora, vamos ao «rancho» dos mexicanos. Talvez ainda possamos ser úteis.
— Duvido — murmurou Ronnie. Ao saírem do edifício, viram meia dúzia de vaqueiros sentados no alpendre do barracão em que estavam alojados, mas nenhum fez qualquer movimento suspeito.
Pelos vistos, Ira Holker tinha-os proibido de intervir nos assuntos que não estivessem relacionados com o gado.
Pouco depois, os dois jovens afastavam-se do «rancho» a todo o galope. Quando chegaram ao «rancho» dos Lanuza, Dieter percebeu demasiado claramente que chegavam tarde.
Quatro corpos rígidos pendiam dos ramos das árvores em frente do edifício principal.
Dieter e Ronnie cortaram as cordas, mas já não restava nem um leve sopro de vida nos corpos de António Lanuza e dos seus três filhos.
— A rapariga não está no edifício — disse Dieter, que havia examinado o interior da casa.
— O juiz Waltis disse que a queria para ele — informou Ronnie.
— Maldito sapo asqueroso!... — exclamou Dieter, dirigindo-se para o seu cavalo.
— Aonde vais agora? — inquiriu Ronnie.
— A Desolação... a casa do juiz para lhe dar o que merece — respondeu Dieter, da sua sela de montar.
Ronnie encolheu os ombros e montou também.
Afastaram-se do «rancho» dos Lanuza, deixando os cadáveres estendidos no solo e com as cordas à volta dos seus pescoços. Uma vez na povoação, um rapaz mexicano indicou--lhes a casa do juiz Waltis e, em seguida, afastou-se rapidamente.
— É melhor que fiques do lado de fora a vigiar... e dispara sem quaisquer remorsos se descobrires algum dos nossos companheiros de viagem — aconselhou Dieter, ao desmontar.
— De acordo, mas se precisares de ajuda, lança um grito e eu reunir-me-ei contigo.
— Não penso fazer nenhum ruído — disse Dieter, mostrando ao seu amigo a faca que havia pertencido a Evan Felter.
— Se pensas enforcar o cadáver do juiz terei de te ajudar, pois pesa bastante — comentou Ronnie, ironicamente.
Dieter rodeou a construção, procurando a melhor forma de penetrar nela sem alarmar o juiz. No lado posterior, encontrou uma janela aberta e utilizou-a para entrar no edifício. Tropeçou num balde de madeira e pensou que se havia introduzido na dependência destinada aos utensílios de limpeza. Tateando na escuridão, chegou até à porta e abriu-a com grande cuidado.
Encontrou-se num longo corredor com portas de ambos os lados. Avançou com cautela e deteve-se ao ouvir um grito feminino e a voz de Andy Waltis. Abriu lentamente a porta e entrou no gabinete do juiz, empunhando a afiada faca.
Waltis estava de costas e não pôde descobrir a sua presença, mas os olhos de Mercedes Lanuza abriram-se desmesuradamente ao reconhecê-lo. A rapariga estava meio desnudada e lutava selvaticamente para evitar que os sujos lábios do juiz se pousassem sobre a sua boca, mas Dieter viu que as forças lhe faltavam.
— Vem, minha pombinha...! — murmurava o juiz, ofegante e babado de luxúria.
— Boas noites, canalha — disse Dieter com voz rouca.
Waltis soltou a rapariga e voltou-se rapidamente. A sua mandíbula inferior começou a tremer quando reconheceu o homem que se achava no seu gabinete. Os raios de luz emitidos pelo candeeiro que se encontrava sobre a sua mesa de trabalho permitiram-lhe ver a reluzente folha da faca que Dieter empunhava.
Mercedes, com as forças esgotadas, deixou-se cair no solo e apoiou as costas nuas na parede. As mãos do juiz tinham-lhe rasgado as roupas e aberto novas feridas nos seus braços. Era incapaz de se levantar.
Tudo o quo ocorrera naquela noite tinha sido demasiado brutal, inclusivamente para ela que estava habituada à violência. Seu pai e os seus três irmãos tinham sido enforcados diante dos seus olhos e Holker obrigou-a a contemplar as quatro execuções, entregando-a depois a Waltis, como se fosse uma peça de vestuário sem o mínimo valor.
Quando Dieter entrou no gabinete, a rapariga já se defendia, havia pelo menos um quarto de hora, das acometidas do pesado juiz. Tinha sido um pesadelo que tivera de viver acordada.
— Que... procuras... aqui'? Julguei... que... — tartamudeou o juiz.
— Não, estavas equivocado, canalha. Quem morreu foi o Felter... e agora chegou a tua vez — disse Dieter, avançando para o juiz.
—Porquê? Eu não fiz nada.., foi tudo obra de Ira Holker — desculpou-se Waltis, começando a recuar.
— Sabes qual é a missão de um juiz? Velar para que a Lei seja imposta e defender a justiça, inclusivamente com a própria vida... mas tu não conheces outra Lei que não seja a dos teus caprichos e a dos teus asquerosos desejos. No inferno há falta de tipos como tu... e na terra existem de mais.
Waltis tentou engolir a saliva, mas um nó que se formou na sua garganta impediu-lho. Grossas gotas de suor começaram a resvalar pelo seu rosto gordo congestionado pelo álcool. Um estranho tremor nas pernas obrigou-o a apoiar-se na mesa enquanto os seus olhos continuavam a olhar fixamente para a lâmina da faca, que cada vez se aproximava mais do seu corpo.
—Uma facada no ventre secciona os intestinos e ainda não se descobriu a forma de os atar. Aquele que a recebe morre fatalmente, mas antes contorce-se como um verme... e tu és um verme, Andy Waltis — disse Dieter, lentamente.
Os olhos de Mercedes também se detiveram na brilhante folha de aço, como se esperasse o momento em que a arma se enterrasse no ventre do juiz.
Este levantou a mão direita e apoiou-a no peito, como se quisesse conter o ritmo louco do seu coração... mas a sua intenção era muito diferente. No interior da labita tinha um revólver de cano curto, muito eficaz quando disparado a curta distância. Se conseguisse empunhá-lo, acabaria com Dieter antes que a faca lhe seccionasse os intestinos.
— Cada homem encontra a morte que merece... mas tu deverias morrer cem vezes. Tentaste abusar de uma mulher aproveitando-te do teu cargo, depois de teres assassinado os seus familiares — continuou Dieter.
— Eu não fiz nada, «Pecos», nada... foi Holker quem fez tudo! — gemeu Waltis, introduzindo a mão no interior da sobrecasaca.
— Mente! Ele matou o meu irmão Evélio! — gritou Mercedes.
A mão do juiz já se havia fechado sobre a coronha do curto revólver e este facto pareceu dar-lhe coragem. Sacou-o e, com grande rapidez, levantou o percutor... mas nunca chegou a apertar o gatilho.
Uma folha de aço rasgou-lhe o ventre e a sua mão agarrou-se à coronha da arma com uma dolorosa contração. Sentiu a frialdade do aço nas suas entranhas e caiu de joelhos. Dos seus lábios brotou um afogado gemido e deixou cair o revólver. Com ambas as mãos tentou conter o rio de sangue que se escapava da ampla ferida. Oscilou durante algumas frações de segundo e, em seguida, tombou de bruços.
Dieter afastou-se do seu lado e correu a levantar Mercedes. O jovem estremeceu quando as suas mãos tocaram na cálida carne da rapariga. Apanhou um casaco que estava pendurado num cabide e, com ele, cobriu Mercedes, dizendo:
— Celebro ter chegado a tempo.
— Fomos uns estúpidos em não acreditar nas suas palavras, senhor.., e agora morreram todos.
A voz da rapariga transformou-se num soluço que sacudiu todo o seu corpo.
Os nervos de Mercedes já não podiam resistir mais e começou a chorar com força. Instintivamente, Dieter rodeou-lhe os ombros com os seus braços.
A rapariga precisava de proteção. Em poucas horas, tinha ficado só no mundo e o jovem lembrou-se do que acontecera com ele quando seu pai fora assassinado. Quando Mercedes estava mais calma, Dieter disse--lhe:
— É melhor desaparecermos de aqui. Em Desolação não existe qualquer Lei e há homens de Holker na povoação.
— Se regressar ao «rancho» assassinar-me-ão — respondeu a rapariga.
— Agora estou eu a seu lado... e há quinze anos que jurei matar Ira Holker. Também o meu pai foi assassinado, Mercedes — disse Dieter.
Afastou-se da rapariga e abriu uma das janelas do gabinete. Um assobio bastou para chamar Ronnie e quando o jovem se lhes juntou, disse-lhe: -
— Aproxima os cavalos desta janela. Tu levarás o corpo de Waltis à garupa e eu encarregar-me-ei da rapariga.
— Aonde iremos? — perguntou Ronnie.
Também ele pensava que se deixavam ficar pela povoação os pistoleiros de Holker lhes dariam caça. O «rancheiro», depois da morte de Felter e do juiz, estaria ansioso por ver a cor do sangue deles.
— Nas colinas há uma cabana de pesquisadores de ouro. O meu pai encontrou-a e disse que era um excelente esconderijo — disse a rapariga.
— Sabe onde fica? — perguntou Dieter.
— Sei.
— Nesse caso conduzir-nos-á até ela — disse Dieter.
Levantou Mercedes no ar e passou-a através da janela aberta. Ronnie ajudou-a a montar e, depois, entre os dois homens, tiraram o cadáver de Andy Waltis. Afastaram-se da povoação e seguindo as indicações da rapariga dirigiram-se para as colinas, à procura da cabana. De lá, Dieter Ritter e Ronnie Denker pensavam acabar com o reinado de Ira Holker.
— Que pensa fazer com o cadáver do juiz? — perguntou Mercedes.
— Pendurá-lo na sala de jantar do «rancho» de Holker. Há ali um sitio para ele, como há também para os outros. Todos os homens que tomaram parte no assassínio da sua família morrerão — respondeu Dieter.
Sentiu como a mão ardente da rapariga se apoiava no seu braço e até ao seu, rosto chegou o cálido alento feminino. Mercedes Lanuza era uma mulher demasiado perturbante.
— Se vinga a morte dos meus familiares obedecerei fielmente às suas ordens. Sou uma mulher agradecida — disse Mercedes, suavemente.
Dieter estremeceu. Havia multas promessas na voz da rapariga, mas ele sabia que, ao falar daquela forma, Mercedes fazia-o sem intenções veladas. Era uma mulher apaixonado, tanto para o ódio como para o amor, mas também era uma mulher decente, habituada à vida familiar.
— Obrigado, mas parece-me que nunca terei de lhe dar qualquer ordem — disse Dieter.
— Creio que você é um homem demasiado bom para viver entre feras. Acabarão por o devorar — comentou Mercedes.
— Tenho garras e sei defender-me... e atacar. Ira Holker terá muito cedo a prova disso — respondeu Dieter.
— Você e eu temos muitas coisas em comum; os nossos pais foram assassinados e ambos odiamos o mesmo homem. O Destino uniu-nos— acrescentou a rapariga.
— E espero que nunca nos separe — desejou Dieter.
Mercedes não disse nada, mas os seus grandes e rasgados olhos observaram detidamente o rosto do jovem. Como se desejasse a sua proteção, rodeou com, os seus cálidos braços a cintura de Dieter e apoiou o rosto no seu peito. Continuaram a cavalgar para a cabana. Atrás deles, seguia Ronnie, conduzindo na garupa o cadáver de Andy Waltis, o juiz que tinha morrido por não haver respeitado a Lei.
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