Mc Dawson, o xerife, tinha a espingarda empunhada e um
sorriso trocista nos lábios. A surpresa que ocasionara dava-lhe certo prazer.
Só não compreendia a razão do mascarado voltar até ali com a mala-posta e o que
pretendia fazer com aquele homem e aquela rapariga. Mas isso também pouco lhe
interessava, pois a sua missão era prender o assassino de Dungan – e ele estava
ali, com o seu fato estranho, ao alcance do ponto de mira da sua arma.
Todos os presentes levantaram os braços e o xerife, numa
atitude que reconheceu cheia de dignidade, desceu das rochas, fazendo um sinal
com o braço, para que os seus homens os seguissem.
Rapidamente desarmados, ficaram À mercê do representante da
lei. A rapariga tremia e os seus olhos tinham reflexos de terror. E por
instantes o silêncio no vale não foi interrompido…
O Xerife que saboreava a espetativa como se fosse um
bom«whiskye», atravessou com lentidão o espaço que o separava do mascarado e,
ante o olhar irónico deste, - coisa que o perturbou, - tirou-lhe o capuz num
gesto seco.
Se esperava encontrar alguém conhecido, enganou-se. A cara
que surgiu À luz do dia era estranha para todos.
- Como se chama? – perguntou Mc Dawson.
- Corvo! – respondeu o outro.
O xerife teve uma gargalhada.
- Isso não é nome de gente!
Mas não obteve resposta. O ex-embuçado tinha o rosto vincado
em pedra e nem uma das feições se alterou com aquela exclamação.
- Que faz? – voltou o xerife.
- Persigo o Mal e luto pela Justiça!
A frase era sonante demais para não chamar a atenção. Mc
Dawson, já aborrecido com o rumo dos acontecimentos, concluiu:
- Bem! Deixemos as representações para o «saloon»… Em nome
da lei, está preso pela morte de Dungan!
O Corvo teve um gesto de ironia e emendou:
-Está enganado, xerife. Essas palavras não são para mim, são
para aquele senhor! – e apontava para o passageiro da mala-posta.
Mc Dawson voltou-se, impelido pela firmeza com que o Corvo
fizera aquela afirmação, e teve um cumprimento:
- Well, Mr. Peacock. Em viagem de negócios, não? Muito hábil
é este bandido em querer metê-lo nesta embrulhada! – e voltando-se para o
Corvo: - O seu plano não era mau. Pelo menos, tinha a vantagem de estabelecer
confusão. Porém, esqueceu-se que já conheço há muitos anos Mr. Peacock e que
ele é uma das pessoas mais consideradas de «White City>. Além disso, é o
banqueiro da cidade e nada há que brigue com a sua honestidade. É pena, mas
como vê, errou no alvo…
O Corvo, sem se alterar, deixou cair os braços e com à
vontade que tocava as raias da loucura, ignorando os canos que o visavam,
avançou na direção do banqueiro e da rapariga.
- Com autorização do seu amigo xerife. Meu caro banqueiro,
vamos continuar a conversa que ele veio interromper.
O outro teve um estremecimento e gritou para o representante
da lei:
- Eh! Mc Dawson! Não deixe que este homem me aborreça com as
suas palavras. Se é um assassino, prenda-o! De contrário, mande-o embora!
O xerife ia para intervir, mas a voz do Corvo fê-lo mudar de
ideias.
- Um momento. Perante todos acusei este homem da morte de
Dungan e tenho o direito de justificar a acusação. Se não mo deixarem fazer,
atraiçoam todos os princípios da Lei.
A rapariga olhava admirada para o estranho e sentia que ele
fosse realmente o assassino de seu pai. Via uns olhos grandes, muito negros,
que não podiam mentir nem ser falsos…
- Já caminhava há oito dias para «White City». Uma noite
resolvi acampar neste vale. Preparava o jantar quando ouvi uma voz por trás
daquele rochedo – e o Corvo apontou para umas rochas que se elevavam a pequena
distância. – Caminhei para lá e encontrei um pobre velho louco de alegria que
revirava nas mãos algumas pedras de ouro. Assim que me viu, escondeu-as e
julgou-me ladrão. Tranquilizei-o e tive o prazer de ouvir da sua boca a revelação
extraordinária de que neste vale existe uma grande mina do precioso metal.
Aconselhei-o a voltar para a cidade e registar os terrenos no banco. Pediu-me
para que não o abandonasse e prometeu-me tornar capataz, logo que iniciasse a
exploração da mina. Disse-me quinda que tinha uma filha e que lhe ia escrever
para ela voltar… E o velho Dungan, pois era ele, partiu feliz para «White
City». Dois dias depois, quando me preparava para o visitar, vi Peacock entrar
sorrateiramente na sua cabana… Como se adivinhasse qualquer coisa de mau,
corri, mas já só encontrei o cadáver do velho. E uma pancada traiçoeira na
cabeça arrancou-me a consciência. O resto já todos sabem. Falta esclarecer,
simplesmente, e isto só agora compreendi, que Peacock, como banqueiro, recebeu
da boca de Dungan a declaração da descoberta da mina e, sabendo que o velho era
sozinho na vida, tendo somente esta filha, resolveu suprimir a ambos. Primeiro,
o pai; à chegada da filha, viu-a e quando ele, depois, assistiu, resolveu
voltar, pois nada fazia em «White City», pensou em suprimi-la Sem qualquer
pretendente, a mina revertia a favor do Banco!
O silêncio era maior do que nunca. Peacock, cabisbaixo, sem
uma palavra, avançou para o xerife. Este obrigou-o a voltar para a mala-posta,
com a rapariga e, quando se preparava para agradecer, viu que o Corvo saltava
para o cavalo e, com um aceno de despedida, lançava a montada a galope através
do Vale…
A seguir: Coleção Pólvora, nº 16 - Combatentes do Norte
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