Uma única luz, composta por grosseira lanterna colocada
sobre os batentes da porta do «saloon», deixava que se divisasse a pequena
distância um tosco letreiro em madeira, onde se lia em carateres deformados as
seguintes palavras: «White City».
Junto a essa indicação territorial, movia-se um indivíduo
envolto em ampla capa negra, que procurava abafar os menores ruídos, mesmo
aqueles causados pelo chapinhar das botas na lama líquida. Tinha o rosto e a
cabeça ocultos sob um capuz estranho, que mostrava unicamente uns olhos
grandes, repletos de audácia e energia.
Os movimentos cautelosos, felinos, encaminhavam-no no
sentido de uma pequena habitação, situada na vertical do «saloon». Quando
atingiu a porta, bateu levemente com os nós dos dedos e esperou. Os segundos
passaram e, como resposta à sua chamada, ficara, simplesmente, o ténue
repercutir das pancadas.
Resoluto, fez desandar o fecho e penetrou numa sala onde
predominava o cheiro a gordura derretida. Parou a poucos passos da entrada e
tentou observar o que se passava para além das trevas.
Subitamente, teve a sensação da presença de mais alguém.
Susteve a respiração e os olhos, agora, duplicavam o esforço de descobrir tudo
quanto o rodeava.
Isso não evitou, porém, que um vulto traiçoeiro se
aproximasse pelas suas costas, e que, lentamente, com precisão, lhe vibrasse um
violento golpe na nuca, que o prostrou redondamente no soalho…
**
Um «cow-boy» entrou, de roldão, no escritório do xerife e
com grandes gestos começou a gritar:
- Mc Dawson! Mc Dawson!
O interpelado surgiu no limiar da porta que comunicava com a
sala das prisões e teve uma careta de preocupação.
- Que se passa? – perguntou.
- Mataram Dungan! – respondeu o outro mal contendo o próprio
alvoroço das palavras.
O xerife teve um esgar de surpresa e, em dois pulos, atingiu
o varandim da entrada.
Deparou, imediatamente, com um grupo de homens que rodeava a
pequena habitação de Dungan, alguns dos quais, em gestos pouco
tranquilizadores, barafustavam em altos berros.
Mc Dawson aproximou-se e, vencendo a resistência do
amontoado, conseguiu entrar na sala. A um canto, o velho Dungan, estendido a todo
o comprimento do corpo, mostrava sinais de quem abandonara a vida; ao centro,
inanimado, um homem que vestia um traje pouco comum: um capuz negro, uma capa
negra, uma blusa negra, umas calças negras, umas botas negras – tudo negro.
O xerife, que obrigara os curiosos a deixar a sala, ficara
acompanhado do juiz da cidade, o rancheiro Sellis. Ambos fitavam o singular
personagem e, animados pela mesma ideia, curvaram-se e viraram o corpo inerte.
Só então viram que tinha as feições cobertas e que, na blusa, no meio dum
círculo, apresentava o desenho estilizado dum corvo.
Intrigados, procuraram retirar o capuz, mas, nesse instante,
o misterioso desconhecido esboçou os primeiros sintomas de vida.
Logo as duas autoridades se endireitaram, para aguardar que
o homem voltasse a si do desmaio. Este, pouco depois, sentava-se e levava as
mãos à cabeça, a tentar acalmar qualquer espécie de dor. Mas os olhos,
despertos da imobilização involuntária, voltaram a girar nas órbitas, e tiveram
um brilho de inteligência, como se compreendessem instantaneamente a cena que
os rodeava.
O mascarado levantou-se com lentidão e reparou no corpo de
Dungan. O xerife reparou que os seus punhos se fecharam com desespero.
Aproveitando essa reação, o representante da lei exclamou:
- Considere-se preso! Motivo: assassínio.
Uma nuvem desceu no olhar do mascarado e uma gargalhada de
escárnio ressoou sob o tecido do capuz.
-Preso!? – disse com voz metálica, sonora e ríspida. –
Parece-lhe, xerife, que depois de praticar semelhante acto, ficaria aqui à sua
espera? Há de convir que é pouco lógico…
O juiz, que ouviu a resposta, teve um sorriso.
- Porque, antes de falar, não tira essa máscara?
Outra gargalhada e o embuçado retorquiu:
- Não seja curioso, meu caro senhor. Lembre-se que é um
defeito pouco natural num juiz…
Mc Dawson, já aborrecido com o diálogo, sacou o «colt» e
ordenou:
- Acompanhe-nos! Vai responder por este crime! E trate de
tirar o capuz, antes…
A última palavra desapareceu com o eco. Um pontapé violento
na mão, dado de improviso, arrebatara-lhe a arma dos dedos, enquanto um punho
fechado, com a força dum ariete, lhe martelava o queixo. Quanto ao rancheiro, só
teve tempo, tal a rapidez dos acontecimentos, de assistir, com cara pouco
digna, ao desaparecer do mascarado, em correria vertiginosa, por entre a
multidão de «cow-boys» estacionada em frente da habitação.
Minutos depois, o bater duro cascos dum cavalo na estrada,
anunciava a fuga do desconhecido…
Mc Dawson, o xerife, logo que se recompôs do soco, em
gritos, ordenou a perseguição. E quando, acompanhado de Silles, se preparava
para sair, um objeto brilhante, caído na soleira da porta, chamou-lhe a
atenção. Baixou-se, apanhou-o, verificou que era de prata e tinha o feitio de
um «C» maiúsculo. Olhou para o xerife e sem nada dizerem, compreenderam que
foram senhores da mesma ideia: o corvo que o mascarado ostentava na blusa!
Não acrescentaram nada e correram para os cavalos. Não
tardou que numeroso grupo de homens atravessasse a povoação, no encalce daquele
personagem com caraterísticas irreais.
Quando atingiram a planície, o xerife gritou de satisfação:
lá longe, o mascarado, que montava um belo cavalo branco, atravessava um
pequeno ribeiro, ao alcance das armas…
A seguir: A estranha fuga do mascarado
A seguir: A estranha fuga do mascarado
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