quarta-feira, 30 de julho de 2014

PAS366. Perdoar aos cães vadios do deserto

Burke esporeou o cavalo que empreendeu imediatamente o galope, na direção de umas dunas de areia, enquanto as balas assobiavam à sua volta. Jim Honeyman levantou-se com dificuldade. Quis falar, mas o seu maxilar desarticulado negou-se a obedecer-lhe. Então, segurando-o com a mão esquerda, disse por entre dentes.
— Sigam esse demónio e averiguem a direção que segue.
— A da povoação mineira, como da outra vez. Existe nela uma espécie de reduto, que era o antigo paiol. Sem dúvida, é lá que ele se vai esconder.
— Nesse caso, façam com que ele não chegue lá, Mas se não forem a tempo, cerquem o esconderijo. Procurem bastantes homens. Pagar-lhes-ei bem. Antes da noite de amanhã quero enterrá-lo, em frente da minha porta.
Era meio-dia e um sol ardente abrasava as pedras quando a primeira mensagem chegou ao rancho de Honeyman. Essa mensagem foi uma surda explosão que se ouviu ao longe, reboando lentamente através do espaço. Duas horas depois chegavam sete homens. Vinham suados e fatigados. Dois apresentavam ferimentos.
— Custou-nos cinco vítimas, mas acabámos com ele.
— Não o trazem?
— Não pudemos. Pelo visto, ainda havia bastante pólvora no reduto. E antes que o apanhássemos vivo, fê-lo ir pelos ares. Encontrámos parte do seu cadáver, entre as ruínas. Ficou feito em pedaços.
A notícia depressa se espalhou pelo acampamento e Gizel foi uma das primeiras pessoas a sabê-la. Mas não fez nenhum comentário. Só os seus olhos se tornaram mais pequenos e o ricto da boca mais amargo.
Encaminhou-se para o carro e fechou-se por dentro. Pôs-se de joelhos, a rezar, com os olhos arrasados de lágrimas. Rezou por Burke, para que lhe fossem perdoadas todas as culpas e tudo quanto fora obrigado a fazer, como se deve perdoar aos cães vadios do deserto a carne que roubam, para comer.
— Vamos! Já são horas de trabalhar, mandriões! Que querem fazer? Alguma greve? Toca a andar! Os campos devem estar arroteados e semeados, antes das chuvas começarem a cair.
Gizel desceu do seu carro. Mais forte do que nunca, a sua obsessão de fugir estava impressa no seu cérebro. Mas fugir, para onde? Em que terra tinha amigos? Onde poderiam protegê-la? Uma amargura sem limites apossara-se dela, enquanto caminhava para a zona que lhe estava destinada… uma dolorosa, amarga certeza de que, para triunfar na vida, era preciso ser cruel.
Nunca mais vira sua irmã Lisbeth desde que esta se instalara no rancho de Honeyman e o Destino quis que fosse precisamente agora, ao sentir-se já incapaz de resistir mais à dor, quando a visse. Lisbeth não estava vestida com roupas rutilantes, coma quando passeou no carro descoberto com Jim Honeyman e o xerife. O seu rosto não estava maquilhado nem o seu pescoço adornado com joias.
Usava o humilde vestido com que chegara até ali e inclinava-se para a frente, recolhendo pedras, como ela. Uma surda angústia atenazou a garganta de Gizel ao ver isto, até afogá-la. Soube que Lisbeth havia deixado de ser importante para Jim e que nesse momento não era mais do que uma humilde escrava, presa fácil para os seus pistoleiros.
Com os dentes cerrados e os olhos encovados encaminhou-se para ela.
Lisbeth viu-a e desviou o olhar, não com orgulho dessa vez, mas com vergonha. Gizel compreendeu logo que sua irmã andava ali a trabalhar, havia já alguns dias, dormindo em qualquer sítio, sem aparecer na sua frente, por um sentimento de culpa.
Aquilo comoveu-a. Sentiu o desejo de estreitá-la contra o seu peito. Lisbeth tinha os olhos baixos.
—Deixa-me, Gizel — disse-lhe, quase num murmúrio. — Tenho de trabalhar. Devo fazer com que as minhas mãos e a minha pele mudem, para me apresentar de nova diante de ti. — e inclinou-se para o solo.
 Gizel viu-a tão jovem e tão frágil que a sua dor se tornou mais insuportável. Nesse momento, Jim Honeyman aproximou-se delas. Atrás, a poucos passos de distância, seguia Grell, que se transformara em, seu guarda-costas de confiança.
—Que estão a fazer? Eu estou a pagar-lhes um esplêndido jornal para estarem aí a olhar uma para a outra?
Lisbeth dobrou-se mais, para levantar pedras, apressadamente; tinha medo.
Mas Gizel trazia o seu revólver consigo. E nesse momento, lembrou-se de que o tio Glenn tinha morrido, de que Burke também morrera, e de que não havia grande coisa na vida que a tornasse digna de ser conservada. Puxou por ele, engatilhando-o com um rápido movimento do dedo.
— Eu acabarei o que Burke começou, Jim Honeyman! — e fechou o dedo indicador para puxar o gatilho.
Mas Greel interveio com tanta precisão e limpeza como Burke noutro tempo. Apesar de ter de empregar a mão esquerda, o seu revólver fez fogo e o projétil quebrou o cano da arma de Gizel, sem lhe atingir a mão.
Jim Honeyman sacou, então, do seu revólver para acabar. Não importava que uma mulher fosse formosa, se morta causava menos incómodo. Mas Lisbeth interveio rapidamente e, soltando um grito de angústia, correu a colocar-se na frente de sua irmã, a fim de protegê-la. Duas balas cravaram-se-lhe no pescoço. Então, sem soltar um gemido, caiu pesadamente no solo.
Gizel viu-a cair e os seus olhos tornaram-se vítreos. No chão, Lisbeth parecia mais pequena e mais jovem.
(Coleção Colt, nº 3)

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