domingo, 6 de julho de 2014

PAS346. Corrida por um «cow-boy» em perigo

Doretta ouvia-o com um terrível desassossego. Como Boston lhe recomendara, fixou o rosto de seu pai quando lhe repetiu, ligeiramente alteradas, as suas palavras. Doía-lhe ter de o reconhecer, mas o forasteiro parecia ter razão. Não era possível que fossem certas as acusações contra o autor dos seus dias, mas tinha de pôr de lado a ideia de que nelas só havia a fantasia de um desequilibrado.
Que aconteceria se Mimms e os seus homens o surpreendessem em «Saguaro»? Não era difícil imaginá-lo. Carvett estava só e não dispunha senão dos seus revólveres. Nada poderia em frente de quatro homens armados de espingardas, a que depressa se juntariam outros tantos, pelo menos, conduzidos pelo xerife.
— Matá-lo-ão, e toda a culpa será minha.
Ouvir as suas próprias palavras, causou-lhe uma terrível impressão. Falara sem saber o que fazia, mas exprimindo os seus mais íntimos sentimentos. Compreendeu que tinha de evitar aquela nova tragédia e a ação quase se antecipou ao pensamento. Correu, mesmo antes de chegar a alguma decisão clara. Correndo foi à cavalariça, escolheu o cavalo mais rápido, selou-o com rapidez e, antes de seu pai e os vaqueiros montarem os seus, já ela galopava afastando-se de «Empire Ranch».
Boston estava já montado, disposto a partir para Tucson, a fim de saber o que se dizia na cidade, quando viu ao longe a nuvem de poeira levantada pela rapariga. Foi esconder-se entre árvores e tirou as armas, decidido a defender-se a tiro. Guardou os revólveres quando descobriu que era Doretta e saiu de entre as árvores para ir ao seu encontro.
Quando ela se aproximou, viu o seu rosto alterado, e notou a agitação que a dominava, e o suor do cavalo dizia-lhe claramente a velocidade que trouxera. Mas antes que pudesse interrogá-la, já a rapariga lhe gritava, excitada e nervosa:
— Fuja antes que seja tarde, Carvett! O meu pai e os vaqueiros vêm à sua procura!...
— Para quê, fugir? — respondeu Boston, encolhendo os ombros. T Se vêm, espero-os aqui.
—Não seja louco! — gritou, exasperada, a rapariga.
— Não poderá fazer nada contra quatro. Matam-no e...
— E sentiria muito? — inquiriu o forasteiro, sem parecer impressionado com as palavras da rapariga.
— Não quero que haja mais crimes, nem que corra sangue novamente nestas terras — respondeu Doretta, fugindo a uma resposta direta.
— Então — perguntou Boston com ar agressivo — para que lhes disse que eu estava aqui? Se se tivesse calado, ninguém viria à minha procura.
— Foi você mesmo quem me pediu para o dizer a meu pai — respondeu a rapariga, magoada com o tom do seu interlocutor.
— Indiquei-lhe que dissesse outras coisas mais e que observasse a sua reação. Fez isso? Ótimo, amiguita. Ainda pensa que eu mentia?
— Não, mas…
— É inútil escudar-se com um «mas», «miss» Doretta! Aqui não há meio termo. Se eu não minto, seu pai é um...
— Meu pai é uma pessoa decente e honrada! — ripostou mal-humorada a jovem. — Deu um salto ao saber que matou Latham e quer vingá-lo quanto antes.
Foi tudo quanto viu na sua cara? perguntou Carvett, com aberta incredulidade.
— Evidentemente — confirmou Doretta, embora não conseguisse dar às palavras a necessária convicção.
— Não sabe mentir — comentou Boston, com um sorriso — e não lho digo como elogio neste caso concreto. Mas se não tivesse descoberto na atitude de seu pai outra coisa senão o natural desejo de prender o homem que matou Latham, o capataz, ter-se-ia incomodado a vir num galope rasgado prevenir-me de que vinham à minha procura?
A rapariga pôs-se muito corada e procurou com afã uma resposta aceitável. Como não a encontrou, ficou calada, sem saber que dizer, sem achar nada para opor às afirmações categóricas do forasteiro.
— Por que estafou um cavalo e correu alguns riscos para vir avisar-me, «miss» Doretta? — voltou a perguntar Boston.
— Porque não quero mais mortos aqui — conseguiu responder a jovem. — Vá-se embora antes que seja tarde! Meu pai e os vaqueiros estarão aqui antes de dez minutos e então...
— Encontram-me à sua espera — afirmou, com serenidade, Carvett. — Não vim a Tucson para me esconder ou fugir, mas para descobrir a verdade e fazer justiça. Os meus pais foram assassinados, e ninguém incomodou os criminosos. Ontem, castiguei um. Agora preciso de saber quem é o outro. Quando o encontrar...
Calou-se um instante, contemplando ao longe uma nuvenzita de poeira que surgira no horizonte e que ia crescendo lentamente.
— Lá vêm eles! — continuou, estendendo o braço na direção que os cavaleiros traziam. — Espero que Leonard Mimms e eu falemos e no fim...
— Fuja, por favor! — suplicou, angustiada, a jovem, torcendo as mãos num gesto desesperado.
— Começariam aos tiros quando estivessem perto, e matá-lo-iam sem lhe perguntar como se chama. Devo esperá-los — insistiu Boston. — Só o seu pai sabe a verdade, e preciso que ma diga duma vez para sempre. O que aconteça depois...
— Não poderá importar-lhe já, porque estará morto -- gritou Doretta. Depois, assaltada por uma ideia repentina, acrescentou: — Há uma solução mais prática e melhor. Qual? Ser eu quem averiguo a verdade. Conseguirei que meu pai me conte toda a verdade. Você não o conseguiria a tiro. Prometo-lhe que saberei o que aconteceu, por si. Não crê?
— Sim. Creio que poderia averiguá-lo com maior facilidade que ninguém... se o quisesse fazer.  — Farei! — afirmou com decisão a jovem, aproximando o seu cavalo até juntá-lo materialmente ao de Boston. — Saberei se meu pai é culpado ou inocente e dir-lho-ei. Embora seja doloroso para mim, juro-o! Mas vá-se embora. Se continua aqui, haverá algum morto. Não faça nada, até saber positivamente quem tem razão e quem é o culpado!
Falava com veemência, apaixonada, pondo o coração nas palavras, trémula dos pés à cabeça, pela possibilidade duma tragédia imediata, com os olhos fixos em Carvett, nos quais o forasteiro lia algo que nenhum dos dois dissera até ali.
(Coleção Pólvora, nº 3)

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