Enquanto atravessava a planície árida e deserta do Texas, Gizel pensava em Burke e uma profunda amargura enchia o seu coração, ao recordar que se ele queria viver era somente para não desenganar outra mulher. Quando chegou a noite, o seu cavalo já sem forças, estendeu-se no solo.
Nem uma árvore, nem o mais pequeno arbusto se viam no horizonte, liso e seco como uma maldição durante milhas e milhas. Honeyman dizia que aquela terra era, em potência, a melhor do mundo e que seria efetivamente assim que os rios tornassem a encher e houvesse centenas e centenas de braços dispostos a acarretar e plantar as árvores. Os braços já estavam no seu acampamento — pensava Gizel com amargura e a água chegaria no Outono. Mas nessa altura, já ela teria morrido.
Fez calor durante a noite: a terra abrasada devolvia a energia dos raios solares. Gizel estendeu-se ao lado do seu pobre cavalo e apertou a cabeça contra o ventre do animal, ouvindo-o latejar, sob as palpitações do coração, procurando nessa única companhia o valor que lhe faltava.
É incrível o que um simples organismo vivo capaz de sofrer, seja de que classe for, pode acompanhar um homem ou uma mulher, reduzidos aos seus próprios meios ou mergulhados já na desesperação. Gizel sentiu-se alentada pela respiração do pobre animal, que tinha sede, como ela, e acariciou a sua pele áspera para não se sentir tão só na imensidade da noite.
Quando amanheceu, um sol branco, terrível, ameaçador, começou a subir do Oriente, e Gizel fez levantar o cavalo, que já mal se podia suster nas patas. Com a cabeça pendente, a língua roçava quase no solo, e os seus flancos descarnados bamboleavam-se a cada passo. Montando-se nele, Gizel fê-lo andar, sentindo dentro de si, como se fosse sua, a angústia do animal.
Ao meio-dia, o calor tornou-se horroroso, insuportável. Começaram, então a surgir as moscas, em enxames. A princípio, pousaram no animal, depois, nos braços, nas pernas e no rosto de Gizel, que fazia desesperados esforços para afugentá-las.
Por fim, o animal não pôde resistir mais à fadiga e à sede e caiu no solo. Gizel, soluçando, estendeu-se junto dele e começou a acariciar-lhe o pescoço. O pobre animal havia-a trazido de Alabama e durante centenas de milhas, durante dias e noites, tinha sido o único amigo das duas irmãs e do tio Glenn. Agora, no deserto era a única ajuda de Gizel e esta sabia que, se ele morresse, não teria nenhuma possibilidade de sobreviver.
De súbito, chegou aos seus ouvidos um surdo ruído, vindo de longe. Era, sem dúvida, um cavalo que avançava, a trote. Gizel levantou a cabeça e, por um momento, o seu próprio desejo fez-lhe ter a sensação cie que era Burke quem se aproximava.
Mas enganara-se. O homem que acabava de chegar ao pé dela, apeando-se de um salto, não se parecia em nada com Burke, embora fosse tão jovem como ele e de igual compleição física.
Vestia uma camisa azul e calças da mesma cor do Texas. Os seus revólveres estavam limpos e brilhantes, e o chapéu era branco. Todo ele dava uma sensação de esmero, elegância e harmonia, a pesa de encontrar-se no deserto.
— Que te aconteceu, pequena?
Sem embargo, a sua voz era dura, quase ameaçadora.
— O meu cavalo está desfalecido. Já não pode dar um passo.
— Está bem. Afasta-te.
O desconhecido puxou por um dos seus revólveres. Gizel adivinhou o que ele ia fazer e protegeu com Os braços a cabeça do animal.
— Não o mate. É o único que temos! Trouxe-nos de Alabama! Só tem sede, mas ainda pode viver! Não faça isso!
— Já te disse que te afastes!
— Não o conseguirá.
Sem fazer caso do protesto, ele disparou contra o ventre do animal, que teve logo um espasmo. A rapariga afastou-se, então, dele tapando os olhos com as mãos e soltando um gemido. O homem disparou, à vontade, contra a cabeça do cavalo.
— Canalha! Não devia ter feito isso! Há animais que têm mais coração do que os homens.
Enquanto metia o revólver no coldre, o desconhecido examinou-a dos pés à cabeça.
— Levar-te-ei no meu. Tenho água para ambos. Aonde ias?
— Para o rancho de Honeyman.
— Eu também vou para lá. Tenho um emprego no acampamento.
Gizel quase não ouviu estas palavras. Só viu a grande e húmida cantimplora que pendia de um dos lados da sela.
— Dê-me água.
— Devemos primeiro apresentar-nos. Eu chamo-me John Greel. E tu?
— Gizel Barnes. Dê-me água.
— Deves ganhá-la, em primeiro lugar. Dá-me um beijo.
Gizel cerrou os lábios, enquanto os seus olhos chamejavam. Com um gesto de férrea decisão, voltou as costas e começou a andar. Desejaria chorar nesse momento, mas os seus olhos estavam secos. Ouviu uma gargalhada atrás de si. Greel montou novamente e foi a passo atrás dela, assobiando uma canção alegre.
Ela continuou a andar, sem se voltar. Mas o pó abrasava de tal modo a sua garganta, e a sua língua estava tão seca, que teve de fechar os olhos para não ver o deserto e criar novas forças. A prova chegou ao seu ponto culminante. Com todos os nervos tensos, ouviu o gorgolejar da água. Uma espécie de cãibra percorreu os seus músculos. Voltou-se com os olhos semicerrados e suplicou:
— Não feche o cantil...
— Não?! Já sabes o que isso custa... Ou antes, o que vai custar. O preço subiu: dois beijos.
Gizel não protestou. O cavaleiro apeou-se de um salto e, acercando-se dela, beijou-a na boca. De olhos fechados, a jovem sentiu que algo ia mudar na sua vida e que tudo aquilo era demasiado cruel para que pudesse suportar. Fechou os olhos com força, para não chorar. Greel deixou de beijá-la.
— Está bem. Bebe dois goles e sobe para a garupa. O rancho Honeyman está a cinco horas daqui.
(Coleção Colt, nº 3)
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