sábado, 5 de julho de 2014

PAS344. Recordação duma noite trágica


— E foi isso o que conseguiu à custa dum duplo crime -- disse para consigo.
Parado a uma centena de metros, sem se apear, ficou um bocado entregue às suas dolorosas reminiscências. Recordou o seu, despertar naquela noite trágica, quando o ruído duns tiros o arrancou do seu profundo sono e o medo, lógico e natural para os seus nove anos, o fez saltar por uma janela e ir esconder-se entre uns arbustos próximos. Oculto atrás deles, pôde ver sair os culpados e reconhecer Sid Latham.
Quando eles se afastaram e se atreveu a voltar a casa, encontrou o trágico espetáculo de seus pais estendidos no meio dum charco de sangue. A evocação humedeceu os seus olhos e fez-lhe crescer no peito uma onda de indignação. Fez um esforço para serenar e apeou-se. Deixando que o cavalo pastasse onde quisesse, avançou lentamente para a casa. Não havia dúvidas que estava abandonada há bastantes anos. Mas mesmo assim, junto à entrada, viu uma tabuleta com uma clara e expressa advertência. Leu-a duas vezes sentindo crescer a sua cólera. Dizia: «Proibido acampar aqui. O rancho e as terras são propriedade de Leonard Mimms.».
— Maldito ladrão! — exclamou, furioso.
Com um movimento arrancou a tabuleta, partiu-a aos bocados e espezinhou-a. O mesmo que fez à tabuleta fá-lo-ia a Mimms, logo que o tivesse na sua frente. Porque já não duvidava agora de que o companheiro de Latham, naquela noite, era ele e não outro.
Entrou na casa. A lua cheia entrava pelos vãos das janelas sem caixilhos e por uma parte do teto destelhado. Tudo tinha um especto estranho, quase fantasmagórico. Na sua imaginação Boston via os quartos, não como estavam agora, mas como se encontravam no tempo da sua meninice. Até lhe que dum momento para o outro iam aparecer, alegres e sorridentes, o rosto barbado de seu pai e a cara formosa de sua mãe, apesar da vida dura que levava naquelas terras fronteiriças. Mas, de repente, julgou vê-los como os contemplara pela última vez, estendidos e ensanguentados no meio da cozinha. Com um soluço afogado, saiu do edifício.
Tirou a sela ao cavalo, estendeu a manta no chão e deitou-se a dormir. Demorou muito a conciliar o sono, porque na sua mente atropelava-se os vários acontecimentos. Faltava pouco tempo para romper a manhã quando adormeceu.
(Coleção Pólvora, nº 3)

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