sábado, 26 de julho de 2014

PAS362. Surpresa para uma menina beijoqueira

Lisbeth estremeceu. Não podia afazer-se à ideia de que Jim fosse chicoteado, como um homem que vira uma noite atrás e cuja pele ficou quase reduzida a tiras por ter tentado roubar uma Bíblia.
— Acompanhá-los-ei — disse, por fim, timidamente. — Sempre quero ver como fazem essa tolice.
Gizel foi a primeira a saltar do carro. Seguiram-na o tio Glenn e Lisbeth, que ia de cabeça erguida, numa atitude altiva. Na realidade, parecia uma rainha, apesar do seu pobre vestuário, pois nascera com o dom da majestade. Ela sabia bem isso e não ignorava também que naquela terra havia homens que no futuro dariam a vida só para amá-la.
Dirigiram-se a três grandes edifícios que constituíam o corpo principal do imenso rancho Honeyman.
Junto deles havia um pequeno toldo sob o qual era feita a inscrição dos trabalhadores. Nesse momento estava vazio o que permitia que o empregado se desse ao luxo de estar refastelado, a fumar de cachimbo.
Quase todos os empregados haviam adotado uma atitude de resistência passiva, esperando que, por fim Honeyman mudasse de opinião e lhes permitisse adquirir água e alimentos para reatar a marcha. Mas de todos os modos havia já mais de oitenta pessoas inscritas para trabalhar e tudo fazia concluir que os restantes acabariam por ceder.
O tio Glenn aproximou-se do empregado que, ao ver as duas raparigas, piscou um olho, com um ar satisfeito.
— Quero inscrever-me como trabalhador e começar quanto antes a trabalhar. Chamo-me Glenn Farwell. A minha sobrinha Gizel também quer inscrever-se.
— Como quê? Como bailarina?
— Penso trabalhar como qualquer homem! — respondeu ela, com voz abafada.
Nesse momento, aproximou-se Honeyman. Era um homem de cinquenta anos, rude, com feições bestiais. Adivinhava-se nele o indivíduo sem escrúpulos, enriquecido graças à guerra civil. Ia armado, mas para maior precaução, seguiam-no dois dos seus pistoleiros.
Um deles era Burke.
Gizel fitou-o. Pelos seus olhos passou um clarão de desprezo, um franco desafio a tudo o que ele pudesse fazer. Burke puxou o chapéu ocultando os seus olhos.
Lisbeth aproximou-se e entrou, debaixo do toldo. Ao fundo, num ponto mais escuro, via-se um homem sentado. Parecia triste e absorto nas suas reflexões. Ela estremeceu ao reconhecê-lo: era Jim.
O coração dela pareceu encolher-se, tiritar. Se Jim estava ali e se Honeyman se aproximava, acompanhado de dois «pistoleiros», era porque alguém denunciara o que se tinha passado e iam castigá-lo. Ao chegarem ali, haviam-nos advertido de que qualquer homem que tentasse acercar-se de uma mulher teria motivos para lamentar o seu atrevimento. Ao que parecia as mulheres eram couto de caça exclusivo para os «pistoleiros» de Honeyman e ninguém devia estorvá-los. Lisbeth estremeceu.
Mas ao pousar novamente os olhos em Jim, com lástima, viu que este a fitava, não com receio, mas com um ar alegre. Sorria, mostrando duas filas de dentes sãos. Ela não compreendeu a sua atitude. Mas a sua surpresa foi aumentando, até se transformar numa das maiores da sua vida, quando o encarregado do registo se voltou para Jim.
— Que lhe parece, senhor Honeyman? Até as mulheres querem trabalhar.
Ao aproximar-se, o dono do rancho viu Jim.
— Que fazes aqui, meu filho? Julguei que andavas a domar potros na cerca!...
Lisbeth quase soltou um grito. Então Jim, que ela julgara um simples vaqueiro, era nem mais nem menos do que o futuro dono de tudo aquilo, um dos homens mais ricos do Texas. Havia conseguido enamorar-se de si um verdadeiro cavalheiro, um milionário.
Lisbeth quase não podia respirar. Tinha apenas dezoito anos e tudo aquilo lhe parecia demasiado grande. Lembrava-se de que o beijo de Jim havia sido sincero, ardente. Agora, fitava-o com um olhar doce, onde ardia um apaixonado desejo.
Voltou-se orgulhosa para seu tio e sua irmã que olhavam como hipnotizados o jovem. Afinal, Lisbeth tivera razão: ela era a única que sabia viver e eles só eram úteis para trabalhar a terra. Gizel, que teria podido brincar com os homens e utilizá-los para os seus fins, no fim de contas, não era mais do que uma estúpida e dócil besta de carga.
Lisbeth sentiu um braço passar-lhe à roda pescoço.
— Surpreendeste-te, querida?
— Oh, Jim! — os seus olhos resplandeceram.
— Não posso consentir que vivas nesse carro. A partir deste momento ficarás alojada no rancho, em minha casa. Vou mostrar-ta...
Levou-a, atraindo-a suavemente pelos ombros. Ela não opôs resistência; pelo contrário, julgava estar viver um sonho.
Os amargos dias de Alabama, quando o fogo e a metralha assolaram a regido, as angústias e a fome da emigração pareciam agora uma coisa doutra existência esquecida. Quase lhe custava a crer que a sua fortuna fosse tão grande, pois estava certa de que Jim Honeyman casaria imediatamente com ela.
Nem o velho Glenn, nem sua irmã se atreveram impedir que ela fosse com Jim. Em parte, porque a surpresa foi demasiado grande, impedindo-os de reagir, em parte porque o tio Glenn não se atreveu a irritar novamente aquele jovem, que ele ameaçara de morte, depois de saber que era um dos homens mais poderosos do Texas.
Honeyman, pai, seguiu o seu caminho, após envolver Gizel num olhar primitivo, de cupidez.
Com os olhos muito abertos, completamente absorta, Gizel viu sua irmã entrar na casa do rancho. Jim fechou a porta atras de si e começou a beijar Lisbeth.
(Coleção Colt, nº 3)

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