sábado, 5 de julho de 2014

PAS345. Versão diferente para uma noite de terror

Ia alto o sol quando voltou a abrir os olhos. Notou que devia já ser meia manhã e apressou-se a abandonar aquele local. Tinha de voltar a Tucson para saber se o xerife conseguira descobrir o assassino de Fawcett. Antes ou depois tinha de se entrevistar com Mimms e era muito provável que a conversa terminasse com a morte de um, deles ou de ambos.
Foi ao riacho lavar-se um pouco. Acabava de o fazer e de vestir a camisa e apertar a cinturão, quando ouviu um ruído de passos nas suas costas. Voltou-se rápido, com as mãos fechadas sobre as coronhas dos revólveres. Uma voz feminina, que soava entre assombrada e colérica, chegou aos seus ouvidos, perguntando:
— Que faz aqui, forasteiro? Não viu o aviso, ou não quis vê-la?
Boston contemplou-a surpreendido e admirado. Tratava-se duma rapariga jovem, que possivelmente não teria ainda feito vinte anos. Era alta, esbelta, cabelo louro encaracolado, preso com simplicidade na nuca, olhos grandes o azuis, nariz ligeiramente arrebitado e urna boca pequena de lábios intensamente vermelhos, apertados num trejeito de enfado. Vestia calças e botas de montar, e uma blusa branca ligeiramente decotada.
— Responda! — exigiu, aborrecida com o silêncio de Boston. — Não viu o letreiro ou não sabe ler?
— Há muito tempo que aprendi a ler e ainda o não esqueci — respondeu Carvett, sem deixar de a fitar. — Por que a preocupa tanto que eu tenha lido o aviso?
— Porque se o leu não devia acampar aqui. A ordem é clara e terminante. Quem lhe desobedece...
— São suas estas terras? — perguntou Boston, interrompendo-a.
— São de meu pai, Leonard — respondeu a jovem, orgulhosa, acrescentando: — Eu sou Doretta Mimms. Todos os campos ao sul de Tucson nos pertencem. Quem é você? Um vaqueiro.., ou um «outlaw»? (1).
Pronunciou a última palavra um pouco a seu pesar. Carvett sorriu, compreendendo que a sua presença ali autorizava todas as suspeitas.
— Não sou um «outlaw» nem pistoleiro — apressou-se a negar — embora possa parecê-lo à primeira vista. Tenho bastante mais de vaqueiro; pelo menos conto vaqueiro tenho ganho a vida durante muitos anos.
— Vem procurar trabalho? — inquiriu a jovem, contemplando-o agora com menos hostilidade, impressionada, contra sua vontade, com o aprumo varonil do
(1) Proscrito.
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forasteiro. Devia apresentar-se então no «Empire Ranch». Talvez o meu pai lho pudesse dar.
— Lamento muito, menina; mas nunca aceitaria que seu pai me desse fosse o que fosse.
Doretta olhou para ele surpreendida e desconcertada. Não eram só as palavras, mas o tom em que as pronunciava o seu interlocutor. Não respondeu nada, porque não sabia que dizer. Para ocultar a sua confusão deu uns passos em direção à casa. Então viu a tabuleta partida em bocados no chão. Irritada de novo, voltou-se para perguntar ao desconhecido:
— Partiu-a você?
— Sim. Parti-a ontem à noite. Porquê? Boston hesitou um instante. Sentiu desejos de lhe contar toda a verdade. Conteve-se, receando que para nada servisse.
— É uma história muito comprida, menina, e duvido que a acreditasse.
A rapariga voltou-lhe as costas e afastou-se lentamente. Parou um momento a olhar para os bocados do letreiro; depois, continuou até ao local onde tinha o cavalo. Carvett seguiu-a a uns passos de distância, admirando a sua figura esbelta e a graça natural dos seus movimentos. Quando ia para montar, a jovem voltou-se para o prevenir:
— Cometeu dois delitos, forasteiro. Um, acampar aqui sem autorização de ninguém; outro, mais grave, partir a tabuleta. Não creio que meu pai vá gostar quando lho disser. Mandará aqui alguns homens, e faria bem marchar antes que o encontrem.
— Encontrarão — replicou Boston. Não sou fanfarrão, mas dou sempre a cara a quem me procure. Em Saguaro ou em Tucson poderá encontrar-me quem quiser. Mas deve preveni-los também, de que não sou dos que se deixam agredir por ninguém. Entendido?
— Perfeitamente — respondeu Doretta. — Direi a meu pai que não só entrou deliberadamente nas suas terras, como se atreve a desafiá-lo.
— Pode dizer-lhe mais alguma coisa da minha parte — respondeu Carvett, depois de uma ligeira hesitação. — Terá mais interesse para ele que nenhuma outra coisa. Dê-lhe os meus sinais e acrescente, para que não lhe reste qualquer dúvida, que nasci aqui, neste rancho. E de futuro, se sabe o que melhor lhe convém, que procure exterminar a família inteira, sem deixar vivo nenhum dos seus membros, se aspira a desfrutar tranquilamente as terras que lhes roubou. - A rapariga estava com o pé no estribo, e voltou a pô-lo no chão, voltando a olhar para Boston, enquanto uma ligeira palidez se estendia pelas suas faces.
-- Que pretende insinuar? — perguntou, ao fim de meio minuto de embaraçoso silêncio. Exatamente o que disse. Que estes campos foram meus até que seu pai assassinou os meus para lhes arrebatar o que era deles.
— Mentira! — gritou, colérica, Doretta. — Meu pai é uma pessoa decente e não consinto que alguém o insulte. Se você se atreve a dizer...
— A verdade, só a verdade! — interrompeu-a o forasteiro. — Não sabe o que aconteceu em «Saguaro»? Não ouviu falar dum duplo crime?
—  Sim — respondeu a jovem, hesitante. — Foi há muitos anos, antes que meu pai me trouxesse para junto dele. Mas nao como você diz! Os índios atacaram o rancho, mataram um homem e fugiram quando acudiram reforços. A viúva e os filhos do morto não quiseram continuar a viver na região. Venderam as terras a meu pai e partiram para a Califórnia ou Novo México. Esta é a única verdade!
— Essa a verdade que lhe contaram a si — replicou Boston com grave solenidade. — Mas existe um meio fácil de sair de dúvidas: olhar bem para a cara de seu pai quando lhe disser que Boston Carvett, o filho do velho James, está aqui, em sua casa. Diga-lhe também que Sid Latham já pagou as suas culpas. Por tonta que seja, a sua reação dir-lhe-á claramente que a sua consciência não está tranquila. .
Doretta tremeu dos pés à cabeça ao ouvi-lo. Empalidecera, e nos seus olhos lia-se uma manifesta incredulidade. Mas havia uma coisa que não lhe oferecia a mínima dúvida e disse-lhe em tom duro e acusador:
— Foi você quem matou Sid Latham!
— Naturalmente! Mas matei-o com uma nobreza que ele não merecia, cara a cara, e deixando-o disparar primeiro, e não atirando-lhe pelas costas e à traição, como ele fez com meus pais. Pode dizer também isto ao seu. E veja bem a cara que ele faz!
— Você está louco! Nada disso pode ser verdade... Exceto o que fez com Sid Latham.
— É tudo certo. Vá e fale com seu pai! Ouça o que ele responda e compare. Então saberá quem mente dos dois.
Doretta montou a cavalo. Nem se incomodou a despedir-se do forasteiro. Deu de esporas ao cavalo e saiu disparada em direção ao «Empire Ranch».
(Coleção Pólvora, nº 3)

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